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ID
4138486
Banca
IDECAN
Órgão
Prefeitura de Manhumirim - MG
Ano
2017
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

O amor acaba
(Paulo Mendes Campos.)

    O amor acaba. Numa esquina, por exemplo, num domingo de lua nova, depois de teatro e silêncio; acaba em cafés engordurados, diferentes dos parques de ouro onde começou a pulsar; de repente, ao meio do cigarro que ele atira de raiva contra um automóvel ou que ela esmaga no cinzeiro repleto, polvilhando de cinzas o escarlate das unhas; na acidez da aurora tropical, depois duma noite votada à alegria póstuma, que não veio; e acaba o amor no desenlace das mãos no cinema, como tentáculos saciados, e elas se movimentam no escuro como dois polvos de solidão; como se as mãos soubessem antes que o amor tinha acabado; na insônia dos braços luminosos do relógio; e acaba o amor nas sorveterias diante do colorido iceberg, entre frisos de alumínio e espelhos monótonos; e no olhar do cavaleiro errante que passou pela pensão; às vezes acaba o amor nos braços torturados de Jesus, filho crucificado de todas as mulheres; mecanicamente, no elevador, como se lhe faltasse energia; no andar diferente da irmã dentro de casa o amor pode acabar; na epifania da pretensão ridícula dos bigodes; nas ligas, nas cintas, nos brincos e nas silabadas femininas; quando a alma se habitua às províncias empoeiradas da Ásia, onde o amor pode ser outra coisa, o amor pode acabar; na compulsão da simplicidade simplesmente; no sábado, depois de três goles mornos de gim à beira da piscina; no filho tantas vezes semeado, às vezes vingado por alguns dias, mas que não floresceu, abrindo parágrafos de ódio inexplicável entre o pólen e o gineceu de duas flores; em apartamentos refrigerados, atapetados, aturdidos de delicadezas, onde há mais encanto que desejo; e o amor acaba na poeira que vertem os crepúsculos, caindo imperceptível no beijo de ir e vir; em salas esmaltadas com sangue, suor e desespero; nos roteiros do tédio para o tédio, na barca, no trem, no ônibus, ida e volta de nada para nada; em cavernas de sala e quarto conjugados o amor se eriça e acaba; no inferno o amor não começa; na usura o amor se dissolve; em Brasília o amor pode virar pó; no Rio, frivolidade; em Belo Horizonte, remorso; em São Paulo, dinheiro; uma carta que chegou depois, o amor acaba; uma carta que chegou antes, e o amor acaba; na descontrolada fantasia da libido; às vezes acaba na mesma música que começou, com o mesmo drinque, diante dos mesmos cisnes; e muitas vezes acaba em ouro e diamante, dispersado entre astros; e acaba nas encruzilhadas de Paris, Londres, Nova Iorque; no coração que se dilata e quebra, e o médico sentencia imprestável para o amor; e acaba no longo périplo, tocando em todos os portos, até se desfazer em mares gelados; e acaba depois que se viu a bruma que veste o mundo; na janela que se abre, na janela que se fecha; às vezes não acaba e é simplesmente esquecido como um espelho de bolsa, que continua reverberando sem razão até que alguém, humilde, o carregue consigo; às vezes o amor acaba como se fora melhor nunca ter existido; mas pode acabar com doçura e esperança; uma palavra, muda ou articulada, e acaba o amor; na verdade; o álcool; de manhã, de tarde, de noite; na floração excessiva da primavera; no abuso do verão; na dissonância do outono; no conforto do inverno; em todos os lugares o amor acaba; a qualquer hora o amor acaba; por qualquer motivo o amor acaba; para recomeçar em todos os lugares e a qualquer minuto o amor acaba.

(WERNECK, Humberto (org.). Boa companhia – Crônicas. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.)

Assinale a alternativa em que o sinônimo da palavra sublinhada está INCORRETAMENTE indicado conforme o seu uso no texto.

Alternativas
Comentários
  •  GABARITO - A

    Tédio – Sentimento de aborrecimento, desgosto: o tédio dos longos dias de isolamento.

    Aturdidos- O mesmo que: atordoados, azoados, estonteados, pasmos,

    Póstuma- Que ocorre após a morte de alguém; que acontece em um momento posterior à morte de alguém.

    epifania= Revelação a partir de algo inesperado; percepção intuitiva: aquela ideia genial resultou de uma epifania. Entendimento repentino do sentido de alguma coisa

  • A questão é sobre sinônimos e quer que marquemos a alternativa em que o sinônimo da palavra sublinhada está INCORRETAMENTE indicado conforme o seu uso no texto. Vejamos: 

     .

    A) ... “o amor acaba [...] nos roteiros do tédio...” (cansaço)

    Errado. Tédio e cansaço não são palavras sinônimas.

    Tédio: sensação de enfado, aborrecimento, desgosto, ou vazio, com ou sem causa conhecida; fastio.

    Cansaço: estado físico ou mental de quem se cansou, de quem está falto de energia, de disposição ou de concentração, por ter feito grande esforço ou devido a doença; fadiga.

     .

    B) ... “aturdidos de delicadezas...” (atordoados)

    Certo.

    Aturdido: que se aturdiu; com a mente desnorteada ou perturbada; atordoado, tonto, zonzo.

     .

    C) ... “depois duma noite votada à alegria póstuma...” (após a morte)

    Certo.

    Póstumo: que acontece após a morte de alguém.

     .

    D) ... “epifania da pretensão ridícula dos bigodes...” (manifestação)

    Certo.

    Epifania: no cristianismo, revelação, manifestação de Deus

     .

    Referência: AULETE, Caldas. Dicionário Aulete Digital, acessado em 24 de julho de 2021.

     .

    Gabarito: Letra A 

  • "Conforme seu uso no texto, como diz o enunciado", PÓSTUMO tem mais a ideia de uma acabado, e não de uma morte. E TÉDIO, no texto, na medida em que está relacionado a "ônibus, trem, barca, é mais ligado ao cansaço mesmo. Entendi de forma diferente