SóProvas


ID
4164445
Banca
IDECAN
Órgão
CREF - 5ª Região
Ano
2017
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

A arte de ser avó 

    Netos são como heranças: você os ganha sem merecer. Sem ter feito nada para isso, de repente lhe caem do céu. É, como dizem os ingleses, um ato de Deus. Sem se passarem as penas do amor, sem os compromissos do matrimônio, sem as dores da maternidade. E não se trata de um filho apenas suposto, como o filho adotado: o neto é realmente o sangue do seu sangue, filho de filho, mais filho que o filho mesmo...
    E então, um belo dia, sem que lhe fosse imposta nenhuma das agonias da gestação ou do parto, o doutor lhe põe nos braços um menino. Completamente grátis – nisso é que está a maravilha. Sem dores, sem choro, aquela criancinha da sua raça, da qual você morria de saudades, símbolo ou penhor da mocidade perdida. Pois aquela criancinha, longe de ser um estranho, é um menino seu que lhe é “devolvido”. E o espantoso é que todos lhe reconhecem o seu direito de o amar com extravagância; ao contrário, causaria escândalo e decepção se você não o acolhesse imediatamente com todo aquele amor recalcado que há anos se acumulava, desdenhado, no seu coração. 
    Sim, tenho certeza de que a vida nos dá os netos para nos compensar de todas as mutilações trazidas pela velhice. São amores novos, profundos e felizes que vêm ocupar aquele lugar vazio, nostálgico, deixado pelos arroubos juvenis.
    No entanto – no entanto! – nem tudo são flores no caminho da avó. Há, acima de tudo, o entrave maior, a grande rival: a mãe. Não importa que ela, em si, seja sua filha. Não deixa por isso de ser a mãe do garoto. Não importa que ela, hipocritamente, ensine o menino a lhe dar beijos e a lhe chamar de “vovozinha”, e lhe conte que de noite, às vezes, ele de repente acorda e pergunta por você. São lisonjas, nada mais. No fundo ela é rival mesmo. Rigorosamente, nas suas posições respectivas, a mãe e a avó representam, em relação ao neto, papéis muito semelhantes ao da esposa e da amante dos triângulos conjugais. A mãe tem todas as vantagens da domesticidade e da presença constante. Dorme com ele, dá-lhe de comer, dá-lhe banho, veste-o. Embala-o de noite. Contra si tem a fadiga da rotina, a obrigação de educar e o ônus de castigar.
    Já a avó, não tem direitos legais, mas oferece a sedução do romance e do imprevisto. Mora em outra casa. Traz presentes. Faz coisas não programadas. Leva a passear, “não ralha nunca”. Deixa lambuzar de pirulitos. Não tem a menor pretensão pedagógica. É a confidente das horas de ressentimento, o último recurso nos momentos de opressão, a secreta aliada nas crises de rebeldia. Uma noite passada em sua casa é uma deliciosa fuga à rotina, tem todos os encantos de uma aventura. Lá não há linha divisória entre o proibido e o permitido, antes uma maravilhosa subversão da disciplina. Dormir sem lavar as mãos, recusar a sopa e comer croquetes, tomar café – café! –, mexer no armário da louça, fazer trem com as cadeiras da sala, destruir revistas, derramar a água do gato, acender e apagar a luz elétrica mil vezes se quiser. Riscar a parede com o lápis dizendo que foi sem querer – e ser acreditado! Fazer má-criação aos gritos e, em vez de apanhar, ir para os braços da avó, e de lá escutar os debates sobre os perigos e os erros da educação moderna...
    E o misterioso entendimento que há entre avó e neto, na hora em que a mãe o castiga, e ele olha para você, sabendo que se você não ousa intervir abertamente, pelo menos lhe dá sua incondicional cumplicidade... 
    Até as coisas negativas se viram em alegrias quando se intrometem entre avó e neto: o bibelô de estimação que se quebrou porque o menininho – involuntariamente! – bateu com a bola nele. Está quebrado e remendado, mas enriquecido com preciosas recordações: os cacos na mãozinha, os olhos arregalados, o beiço pronto para o choro; e depois o sorriso malandro e aliviado porque “ninguém” se zangou, o culpado foi a bola mesma, não foi, Vó? Era um simples boneco que custou caro. Hoje é relíquia: não tem dinheiro que pague...

(QUEIROZ, Rachel. – Elenco de cronistas modernos – 25ª ed. – Rio de Janeiro: José Olympio, 2013 – Texto adaptado.)

Assinale a alternativa que contém o discurso indireto livre.

Alternativas
Comentários
  • Gabarito: Letra C.

    Discurso Indireto Livre: há uma fusão dos tipos de discurso (direto e indireto), ou seja, há intervenções do narrador bem como da fala dos personagens. Não existem marcas que mostrem a mudança do discurso. Por isso, as falas dos personagens e do narrador - que sabe tudo o que se passa no pensamento dos personagens - podem ser confundidas.

    Nosso Gabarito: “... os cacos na mãozinha, os olhos arregalados, o beiço pronto para o choro; e depois o sorriso malandro e aliviado porque ‘ninguém’ se zangou, o culpado foi a bola mesmo, não foi, Vó?” (7º§)

    Ps.: Que texto lindo!

  • Discurso indireto livre ( mistura da fala do narrador e do personagem, requer atenção do leitor);

    “... os cacos na mãozinha, os olhos arregalados, o beiço pronto para o choro; e depois o sorriso malandro e aliviado porque ‘ninguém’ se zangou, o culpado foi a bola mesmo, não foi, Vó?” (7º§)

  • Discurso indireto livre - As falas das personagens se encontram inseridas dentro do discurso do narrador.

    Ex.: O despertador tocou mais cedo. (Não é possível identificar de quem é a fala).

  • GABARITO ( C )

    No discurso indireto, o narrador usa as suas próprias palavras para transmitir a fala das personagens.

  • Discurso direto :

    O discurso direto caracteriza-se por ser aquele em que o narrador reproduz as palavras de outra pessoa ou personagem. 

    Na cerimônia de colação de grau, os formandos em Direito disseram: "Prometo cumprir meus deveres e defender com firmeza e honestidade."

    • Da sala do juiz, todos ouviram o réu dizer: "Sou inocente, juro!".

    Discurso indireto:

    No discurso indireto o interlocutor diz o que a outra pessoa ou personagem falou. Ele o faz com as suas próprias palavras.

    É o tipo de discurso comum no dia a dia, narrado na terceira pessoa, que dispensa o uso de travessão. 

    Exemplos:

    • Na cerimônia de colação de grau, os formandos em Direito disseram que vão cumprir seus deveres defender com firmeza e honestidade.

    discurso indireto livre

    O discurso indireto livre é caracterizado pela junção dos discursos direto e indireto. Assim, há intervenções do narrador e da fala dos personagens.

    Nesse tipo de discurso as falas dos personagens e do narrador podem ser confundidas quando não existirem marcas para mostrar a mudança do discurso.

    No discurso indireto livre o narrador assume o lugar da outra pessoa do discurso, assumindo sentimentos e pensamentos, inserindo-os na sua própria narrativa. 

    Exemplos

    • João fez o que julgava importante. Não estava arrependido, mas senti um alívio. Talvez não tenha sido suficientemente justo com os seus sentimentos.

  •  O que é o discurso indireto livre? 

    O discurso indireto livre é a apresentação das falas das personagens inseridas dentro do discurso do narrador. É o mais difícil e o mais dinâmico dos tipos de discurso. Exemplo de discurso indireto livre:

    • Então Paula corria, corria o mais que podia para tentar resolver a situação. Logo a mim, logo a mim isso tinha de acontecer! Ela não sabia se conseguiria chegar a tempo e resolver aquela confusão. Tomara que eu consiga!

     Estrutura do discurso indireto livre 

    - O discurso indireto livre NÃO é introduzido por verbos de elocução, NEM por sinais de pontuação ou conjunções. Não apresenta, assim, uma estrutura, sendo um discurso dinâmico.

    - No discurso indireto livre é difícil delimitar o início e o fim do discurso da personagem, uma vez que se confunde, por vezes, com o discurso do narrador, que tem todo o conhecimento das falas e sentimentos das personagens. A principal distinção é que as falas das personagens são narradas na 1.ª pessoa, enquanto o discurso do narrador se encontra na 3.ª pessoa.

    - Passagem do discurso direto para discurso indireto: 

    - Na passagem do discurso direto para o discurso indireto, ocorrem mudanças:

    • nas pessoas do discurso;

    • nos tempos verbais;

    • na pontuação das frases;

    • nos advérbios e adjuntos adverbiais.

    Discurso direto: - Iremos de férias amanhã.

    Discurso indireto: Eles disseram que iriam de férias no dia seguinte.

     Mudança das pessoas do discurso: 

    • A 1.ª pessoa do discurso passa para a 3.ª pessoa do discurso.

    • Os pronomes na 1.ª pessoa (eu, nós e meu) passam para pronomes na 3.ª pessoa (ele, ela, eles, elas, seu).

     Mudança nos tempos verbais: 

    • O presente do indicativo passa para o pretérito imperfeito do indicativo

    • O pretérito perfeito do indicativo passa para o pretérito mais-que-perfeito do indicativo.

    • O futuro do presente do indicativo passa para o futuro do pretérito do indicativo.

    • O presente do subjuntivo passa para o pretérito imperfeito do subjuntivo.

    • O futuro do subjuntivo passa para o pretérito imperfeito do subjuntivo.

    • O imperativo passa para o pretérito imperfeito do subjuntivo.

     Mudança na pontuação das frases: 

    • Frases interrogativas passam para frases declarativas.

    • Frases exclamativas passam para frases declarativas.

    • Frases imperativas passam para frases declarativas.

     Mudança nas noções temporais: 

    • Noções como ontem, hoje e amanhã passam para no dia anterior, naquele dia e no dia seguinte.

     Mudança nas noções espaciais: 

    • Noções como aqui, aí, este e isto passam para ali, lá, aquele e aquilo.

  • Meu amigo, na hora da prova para lembrar esse conceito é peso viu!!!

  •  não foi, Vó?

    Esse trecho definiu a questão.