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ID
4164457
Banca
IDECAN
Órgão
CREF - 5ª Região
Ano
2017
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

A arte de ser avó 

    Netos são como heranças: você os ganha sem merecer. Sem ter feito nada para isso, de repente lhe caem do céu. É, como dizem os ingleses, um ato de Deus. Sem se passarem as penas do amor, sem os compromissos do matrimônio, sem as dores da maternidade. E não se trata de um filho apenas suposto, como o filho adotado: o neto é realmente o sangue do seu sangue, filho de filho, mais filho que o filho mesmo...
    E então, um belo dia, sem que lhe fosse imposta nenhuma das agonias da gestação ou do parto, o doutor lhe põe nos braços um menino. Completamente grátis – nisso é que está a maravilha. Sem dores, sem choro, aquela criancinha da sua raça, da qual você morria de saudades, símbolo ou penhor da mocidade perdida. Pois aquela criancinha, longe de ser um estranho, é um menino seu que lhe é “devolvido”. E o espantoso é que todos lhe reconhecem o seu direito de o amar com extravagância; ao contrário, causaria escândalo e decepção se você não o acolhesse imediatamente com todo aquele amor recalcado que há anos se acumulava, desdenhado, no seu coração. 
    Sim, tenho certeza de que a vida nos dá os netos para nos compensar de todas as mutilações trazidas pela velhice. São amores novos, profundos e felizes que vêm ocupar aquele lugar vazio, nostálgico, deixado pelos arroubos juvenis.
    No entanto – no entanto! – nem tudo são flores no caminho da avó. Há, acima de tudo, o entrave maior, a grande rival: a mãe. Não importa que ela, em si, seja sua filha. Não deixa por isso de ser a mãe do garoto. Não importa que ela, hipocritamente, ensine o menino a lhe dar beijos e a lhe chamar de “vovozinha”, e lhe conte que de noite, às vezes, ele de repente acorda e pergunta por você. São lisonjas, nada mais. No fundo ela é rival mesmo. Rigorosamente, nas suas posições respectivas, a mãe e a avó representam, em relação ao neto, papéis muito semelhantes ao da esposa e da amante dos triângulos conjugais. A mãe tem todas as vantagens da domesticidade e da presença constante. Dorme com ele, dá-lhe de comer, dá-lhe banho, veste-o. Embala-o de noite. Contra si tem a fadiga da rotina, a obrigação de educar e o ônus de castigar.
    Já a avó, não tem direitos legais, mas oferece a sedução do romance e do imprevisto. Mora em outra casa. Traz presentes. Faz coisas não programadas. Leva a passear, “não ralha nunca”. Deixa lambuzar de pirulitos. Não tem a menor pretensão pedagógica. É a confidente das horas de ressentimento, o último recurso nos momentos de opressão, a secreta aliada nas crises de rebeldia. Uma noite passada em sua casa é uma deliciosa fuga à rotina, tem todos os encantos de uma aventura. Lá não há linha divisória entre o proibido e o permitido, antes uma maravilhosa subversão da disciplina. Dormir sem lavar as mãos, recusar a sopa e comer croquetes, tomar café – café! –, mexer no armário da louça, fazer trem com as cadeiras da sala, destruir revistas, derramar a água do gato, acender e apagar a luz elétrica mil vezes se quiser. Riscar a parede com o lápis dizendo que foi sem querer – e ser acreditado! Fazer má-criação aos gritos e, em vez de apanhar, ir para os braços da avó, e de lá escutar os debates sobre os perigos e os erros da educação moderna...
    E o misterioso entendimento que há entre avó e neto, na hora em que a mãe o castiga, e ele olha para você, sabendo que se você não ousa intervir abertamente, pelo menos lhe dá sua incondicional cumplicidade... 
    Até as coisas negativas se viram em alegrias quando se intrometem entre avó e neto: o bibelô de estimação que se quebrou porque o menininho – involuntariamente! – bateu com a bola nele. Está quebrado e remendado, mas enriquecido com preciosas recordações: os cacos na mãozinha, os olhos arregalados, o beiço pronto para o choro; e depois o sorriso malandro e aliviado porque “ninguém” se zangou, o culpado foi a bola mesma, não foi, Vó? Era um simples boneco que custou caro. Hoje é relíquia: não tem dinheiro que pague...

(QUEIROZ, Rachel. – Elenco de cronistas modernos – 25ª ed. – Rio de Janeiro: José Olympio, 2013 – Texto adaptado.)

Na frase “... anos se acumulava,...” (2º§), a forma verbal é justificada pelo mesmo motivo visto em:

Alternativas
Comentários
  • A questão em tela exige conhecimento sobre concordância verbal e de sintaxe. O enunciado pede para que analisemos as alternativas e marquemos como correta a que tiver a mesma concordância que o verbo destacado na frase abaixo. Vejamos:

     " anos se acumulava,...”

    O verbo haver impessoal com sentido de existir e com sentido de tempo decorrido. Permanece na terceira pessoa do singular sempre que apresentar esses dois sentidos

    a) Fazia meses que a avó não via seu neto.

    Correta. O verbo "fazer" se referindo ao tempo decorrido é impessoal e permanece na terceira pessoa do singular.

    b) Mais de dez crianças brincaram na chuva.

    Incorreta. Quando o sujeito é formado pelas expressão mais de um, o verbo concorda com o numeral. Por isso está pluralizado o verbo "brincaram".

    c) “É, como dizem os ingleses, um ato de Deus.” (1º§)

    Incorreta. O verbo está conjugado no plural para concordar com o sujeito "os ingleses".

    d) Precisa-se de pessoas responsáveis para esse trabalho.

    Incorreta. A concordância está dessa forma, porque o verbo precisar é transitivo indireto acompanhando da partícula "se" sem sujeito expresso, dessa forma o sujeito é indeterminado e assim o verbo fica na terceira pessoa do singular.

    Obs: todos os verbos estão concordando corretamente, contudo apenas a alternativa A tem um verbo conjugando no singular, por causa de ser verbos impessoais.

    GABARITO: A

  • Até você entender o que a questão quer, já era.

  • CUIDADO COM OS COMENTARIOS IMPRECISOS

    O enunciado nos traz o verbo haver com sentido de tempo decorrido, equivalente a "faz anos", o que justifica sua impessoalidade. Não há equivalência semântica com "existir" na construção em questão.

     "há anos se acumulava,...”

    a) Fazia meses que a avó não via seu neto.

    O verbo "fazer" se referindo ao tempo decorrido é impessoal, permanecendo no singular.

    b) Mais de dez crianças brincaram na chuva.

    Quando o sujeito é formado pelas expressão mais de um, o verbo concorda com o numeral.

    c) “É, como dizem os ingleses, um ato de Deus.” (1º§)

    O verbo está conjugado no plural para concordar com o sujeito plural.

    d) Precisa-se de pessoas responsáveis para esse trabalho.

    Temos um verbo transitivo indireto seguido de índice de indeterminação do sujeito. .

    Gabarito na alternativa A

  • OS VERBOS FAZER E HAVER COM SENTIDO DE TEMPO TRANSCORRIDO, SÃO IMPESSOAIS E NÃO ADMITEM SUJEITO.

  • O que aconteceu com essa banca depois de 2018?

  • No texto original, foi empregado o verbo "haver" relacionado à ideia de tempo decorrido, passado.

    Trata-se de um verbo impessoal, que deve ser empregado unicamente na 3a pessoa do singular.

    O mesmo ocorre na letra A, em que a forma verbal "fazia", também indicando tempo decorrido.

  • acertei a questão mas pelo visto seguindo a ideia errada, eu entendi que era uma questão de tempo verbal

    prestei atenção foi no verbo ACUMULAVA ( PRET .IMPERFEITO )

     anos se acumulava,...” (2º§), a forma verbal é justificada pelo mesmo motivo visto em:

    A

    Fazia meses que a avó não via seu neto. ( FAZIA - PRETERITO IMPERFEITO )

    BANCA DIFÍCIL DE ENTENDER O QUE ESTÁ SOLICITANDO

  • Verbo haver e fazer no sentido de existir, ocorrer ou tempo transcorrido são verbos impessoais. Os verbos impessoais não admitem sujeitos e só podem ser empregados no singular.

    Ex: seria incorreto dizer "haviam" ou "faziam".

    Não flexionam.

  • Há e fazia = indicam tempo transcorrido = verbos impessoais

  • A forma verbal "há" está empregada no sentido de tempo decorrido. Logo precisamos encontrar também outro verbo impessoal.

    a) Fazia meses que a avó não via seu neto. (fazer aqui é empregado no sentido de tempo decorrido) Gabarito.

    #vousernomeado