SóProvas


ID
4179583
Banca
FUMARC
Órgão
Prefeitura de Ipuã - SP
Ano
2016
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

Texto 2


A LINGUAGEM POLITICAMENTE CORRETA


José Luiz Fiorin (USP)



    No conto Negrinha, de Monteiro Lobato, lemos a seguinte passagem: “A excelente Dona Inácia era mestra na arte de judiar de crianças” (Monteiro Lobato: textos escolhidos. Rio de Janeiro, Agir, 1967, p. 75). No capítulo III, de Clara dos Anjos, de Lima Barreto, aparece a seguinte passagem: “Marramaque, poeta raté, tinha uma grande virtude, como tal: não denegrir os companheiros que subiram nem os que ganharam celebridade” (Prosa seleta. Rio de Janeiro, Nova Aguilar, 2001, p. 661). Em Machado de Assis, no conto Aurora sem dia, lê-se: “Ah! meu amigo, [...] não imagina quantos invejosos andam a denegrir meu nome” (Obra completa. Rio de Janeiro, Nova Aguilar, vol. II, p. 224). Diante desses textos não faltaria quem apontasse o dedo acusador para os três autores, tachando-os de racistas. Afinal, denegrir significa “diminuir a pureza, o valor de; conspurcar, manchar” e é construído com a mesma raiz da palavra negro; judiar quer dizer “tratar mal física ou moralmente, atormentar, maltratar” e é formado com o termo judeu. Mas será que podemos fazer essa acusação? Machado e Lima Barreto eram descendentes de negros; Lobato posicionou-se contra o nazifascismo e pode-se dizer que, à maneira de seu tempo, era antirracista. 

    A linguagem politicamente correta é a expressão do aparecimento na cena pública de identidades que eram reprimidas e recalcadas: mulheres, negros, homossexuais, etc. Revela ela a força dessas “minorias”, que eram discriminadas, ridicularizadas, desconsideradas. Pretende-se, com ela, combater o preconceito, proscrevendo-se um vocabulário que é fortemente negativo em relação a esses grupos sociais. A ideia é que, alterando-se a linguagem, mudam-se as atitudes discriminatórias.

    Em 2004, a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República publicou uma cartilha intitulada Politicamente correto e direitos humanos, em que mostrava que determinadas palavras, expressões e anedotas revelam preconceitos e discriminações contra pessoas ou grupos sociais. Essa publicação gerou muita polêmica e levou o governo a recolhê-la. Muitos intelectuais proeminentes acusaram o governo de estar instaurando a censura (por exemplo, João Ubaldo Ribeiro, no artigo “O programa Fala Zero”, publicado em O Estado de S. Paulo, de 8/5/2005, p. D3, e Ferreira Gullar, no artigo “A coisa está branca”, publicado na Folha de S. Paulo, de 15 de maio de 2005, p. E 12). Declaravam que se tratava de um ato autoritário de um governo que pretendia até mesmo controlar o que as pessoas dizem; que o poder público tinha coisas mais importantes, como a educação e a saúde, com que se preocupar. Chegaram a afirmar que poderíamos ser presos, se disséssemos alguma coisa que contrariasse as normas linguísticas governamentais. Bradavam que se pretendia engessar a língua, impedindo o seu desenvolvimento.

    Não vamos fazer a maldade de argumentar, dizendo que chama atenção que esses furiosos críticos do governo (no geral, articulistas dos principais jornais do país) não tivessem tido a mesma irada reação, quando os jornais em que escrevem vetaram o uso, em suas páginas, de uma série de palavras ou expressões por denotarem preconceito, discriminação ou ofensa em relação a determinados grupos sociais (conferir, por exemplo, o verbete “preconceito” do Manual de redação da Folha de S. Paulo (2001, p. 94) ou o verbete “ética interna” do Manual de redação e estilo de O Estado de S. Paulo (1990, p. 34-38)).

    A linguagem politicamente correta leva-nos a pensar em uma série de aspectos a respeito do funcionamento da linguagem (meus argumentos concordam com os de Sírio Possenti, difundidos em comunicações e textos). O primeiro é que, como já ensinava Aristóteles, na Retórica, aquele que fala ou escreve cria, ao produzir um texto, uma imagem de si mesmo. Sem dúvida nenhuma, a presença de certas palavras num determinado texto faz que ele seja racista, machista, etc., criando uma imagem de que seu autor é alguém que tem preconceito contra as mulheres, os negros, os índios, os homossexuais e assim por diante. O que é preciso saber é se combater o uso de palavras ou expressões que patenteiam a discriminação é um instrumento eficaz de luta contra ela.

    De um lado, é verdade que a linguagem modela sentimentos e emoções. Se alguém sempre ouviu certos termos ou expressões, como negro, bicha ou coisa de mulher, ditos com desdém ou com raiva, certamente vai desenvolver uma atitude machista ou racista. Quem é tratado com gritos ou com ameaças seguramente não vai introjetar atitudes de bondade ou doçura. Portanto, usar uma linguagem não marcada por fortes conotações pejorativas é um meio de diminuir comportamentos preconceituosos ou discriminatórios. De outro lado, porém, é preciso atentar para dois aspectos. O primeiro é que o cuidado excessivo na busca de eufemismos para designar certos grupos sociais revela a existência de preconceitos arraigados na vida social. Se assim não fosse, poder-se-ia empregar, sem qualquer problema, por exemplo, o vocábulo negro, sem precisar recorrer à expressão afrodescendente. Em segundo lugar, os defensores da linguagem politicamente correta acreditam que existam termos neutros ou objetivos, o que absolutamente não é verdade. Todas as palavras, ensina Bakhtin, são assinaladas por uma apreciação social. Considera-se que os termos bicha, veado, fresco são mais preconceituosos que a designação gay. Isso é parcialmente verdadeiro, pois os três primeiros estão marcados por pesada conotação negativa. No entanto, o termo gay também vai assumindo valor pejorativo, tanto que, à semelhança do aumentativo bichona e do diminutivo bichinha, criaram-se gayzaço e gayzinho. Isso ocorre porque as condições de produção de discursos sobre a mulher, o negro, o homossexual, etc. são as de existência de fortes preconceitos em nossa formação social. Isso significa que não basta mudar a linguagem para que a discriminação deixe de existir. Entretanto, como a conotação negativa é uma questão de grau, não é irrelevante deixar de usar os termos mais fortemente identificados com atitudes racistas, machistas, etc. [...]


http://www.letras.ufscar.br/linguasagem/edicao01/artigos_alinguagempoliticament ecorreta.htm [adaptado] 

A grafia da palavra antirracista justifica-se em:

Alternativas
Comentários
  • Se depois de algum prefixo a próxima palavra começar com R ou S duplica

    exemplo:

    antissocial, autorretrato, antirracista.

  • GABARITO -A

    Quando a primeira palavra terminar com vogal e a segunda iniciar com "R ou "S" = Duplicamos o R ou S.

    Ex: Mini + saia = Minissaia , Ultra + som = Ultrassom , antirracista....

    Bons estudos!

  • Alguém pode me explicar por que a alternativa C está incorreta?

  • não se emprega o hífen, nos vocábulos em que o prefixo termina em vogal, e o segundo elemento começa por R ou S, devendo essas consoantes se duplicarem:

    antirracista.

  • Acredito que o erro da letra C seja porque não se falou em dobrar o "r" e o "s". Olhem o que achei no livro do Professor Fernando Pestana:

    "Prefixo terminado em vogal

    Sem hífen diante de vogal diferente: autoescola, antiaéreo…

    Sem hífen diante de consoante diferente de r e s: anteprojeto, semicírculo…

    Sem hífen diante de r e s, dobram-se essas letras: corréu, antirracismo, contrarreforma, antissocial, ultrassom, pseudossábio"

    Acredito que a alternativa C estaria correta assim:

    Quando o prefixo termina em vogal e o segundo elemento começa por vogal diferente, ou consoante diferente de r e s, não se usa mais o hífen. Caso a consoante seja r ou s, não se usa hífen e dobram-se essas letras.

  • Para responder esta questão, exige-se conhecimento em uso do hífen. O candidato deve responder o motivo da palavra “antirracial” está escrita dessa forma. Vejamos:

    Segundo o Manual de Redação da Presidência da República o prefixo “anti” apenas possui o hífen se o segundo elemento  iniciar com mesma letra ou com H.

     a) Correta.

    Não se usa mais o hífen quando o prefixo termina em vogal e o segundo elemento começa por r ou s, correto é dobrar essas consoantes. Ex: antirracionalismo, antirreligioso, antirrepublicano, antirroubo, antirracista.

    b) Incorreta.

    Usa-se hífen sim nas palavras compostas, mas esse não é o motivo de usar hífen na palavra em questão, pois em “antirracista” temos prefixo + palavra, mas não composição que é a junção de duas palavras.

    c) Incorreta.

    Quando o prefixo termina em vogal e o segundo elemento começa por vogal diferente ou consoante não se usa mais o hífen .Ex: anticoncepcional, antidepressivo.  

    De fato o que está dizendo a assertiva está correta, entretanto, essa não é a resposta para o uso do hífen na palavra “antirracista.

    d) Incorreta.

    Quando o prefixo termina na mesma consoante pela qual começa o segundo elemento se usa o hífen. Ex: anti-hemorrágico, anti-herói, anti-ibérico.

    Referência bibliográfica: BRASIL. Presidência da República. Manual de redação da Presidência da República– 3ª ed., Rev., atual e ampl. – Brasília: Presidência da República, 2018.

    Gabarito do monitor: A

  • Thamires Moreira: gostei de sua pergunta e pesquisei na internet https://www.google.com.br/amp/s/m.brasilescola.uol.com.br/amp/acordo-ortografico/hifen-o-que-permanece-igual.htm HÍFEN - O QUE PERMANECE IGUAL? ACORDO ORTOGRÁFICO Com o Novo Acordo, há casos em que as regras sobre o hífen permanecem iguais, como nos termos que se unem para formar um novo significado e nas formações com os prefixos “ex”. Para não gerar dúvidas, vejamos os casos mais comuns do uso do hífen que continua o mesmo depois do reforma ortográfica: 1. Em palavras compostas por justaposição que formam uma unidade semântica, ou seja, nos termos que se unem para formam um novo significado: tio-avô, porto-alegrense, luso-brasileiro, tenente-coronel, segunda-feira, conta-gotas, guarda-chuva, arco-íris, primeiro-ministro, azul-escuro. 2. Em palavras compostas por espécies botânicas e zoológicas: couve-flor, bem-te-vi, bem-me-quer, eva-do-chá, abóbora-menina, erva-doce, feijão-verde. 3. Nos compostos com elementos além, aquém, recém e sem: além-mar, recém-nascido, sem-número, recém-casado, aquém-fiar, etc. 4. No geral, as locuções não possuem hífen, mas algumas exceções continuam por já estarem consagradas pelo uso: cor-de-rosa, arco-da-velha, mais-que-perfeito, pé-de-meia, água-de-colônia, queima-roupa, deus-dará. 5. Nos encadeamentos de vocábulos, como: ponte Rio-Niterói, percurso Lisboa-Coimbra-Porto e nas combinações históricas ou ocasionais: Áustria-Hungria, Angola-Brasil, Alsácia-Lorena, etc. 6. Nas formações com os prefixos hiper-, inter- e super- quando associados com outro termo que é iniciado por r: hiper-resistente, inter-racial, super-racional, etc. 7. Nas formações com os prefixos ex-, vice-: ex-diretor, ex-presidente, vice-governador, vice-prefeito. 8. Nas formações com os prefixos pós-, pré- e pró-: pré-natal, pré-escolar, pró-europeu, pós-graduação, etc. 9. Na ênclise e mesóclise: amá-lo, deixá-lo, dá-se, abraça-o, lança-o e amá-lo-ei, falar-lhe-ei, etc.