I. Cinquenta anos! Não era preciso confessá‐lo. Já se vai
sentindo que o meu estilo não é tão lesto* como nos primeiros
dias. Naquela ocasião, cessado o diálogo com o oficial da
marinha, que enfiou a capa e saiu, confesso que fiquei um pouco
triste. Voltei à sala, lembrou‐me dançar uma polca, embriagar‐
me das luzes, das flores, dos cristais, dos olhos bonitos, e do
burburinho surdo e ligeiro das conversas particulares. E não me
arrependo; remocei. Mas, meia hora depois, quando me retirei
do baile, às quatro da manhã, o que é que fui achar no fundo do
carro? Os meus cinquenta anos.
*ágil
II. Meu caro crítico,
Algumas páginas atrás, dizendo eu que tinha
cinquenta anos, acrescentei: “Já se vai sentindo que o meu
estilo não é tão lesto como nos primeiros dias”. Talvez aches
esta frase incompreensível, sabendo‐se o meu atual estado;
mas eu chamo a tua atenção para a sutileza daquele
pensamento. O que eu quero dizer não é que esteja agora mais
velho do que quando comecei o livro. A morte não envelhece.
Quero dizer, sim, que em cada fase da narração da minha vida
experimento a sensação correspondente. Valha‐me Deus! é
preciso explicar tudo.
Machado de Assis, Memórias Póstumas de Brás Cubas.
Entre os dois trechos do romance, nota‐se o movimento que vai
da memória de vivências à revisão que o defunto autor faz de
um mesmo episódio. A citação, pertencente a outro capítulo do
mesmo livro, que melhor sintetiza essa duplicidade narrativa,
é: