- ID
- 463861
- Banca
- CESGRANRIO
- Órgão
- Transpetro
- Ano
- 2011
- Provas
-
- CESGRANRIO - 2011 - Transpetro - Administrador Júnior
- CESGRANRIO - 2011 - Transpetro - Analista de Sistemas Júnior
- CESGRANRIO - 2011 - Transpetro - Contador Júnior - Auditoria Interna
- CESGRANRIO - 2011 - Transpetro - Economista Júnior
- CESGRANRIO - 2011 - Transpetro - Engenheiro Júnior - Engenharia de Produção
- Disciplina
- Português
- Assuntos
Um pouco de silêncio
Nesta trepidante cultura nossa, da agitação e do
barulho, gostar de sossego é uma excentricidade.
Sob a pressão do ter de parecer, ter de participar,
ter de adquirir, ter de qualquer coisa, assumimos uma
infinidade de obrigações. Muitas desnecessárias, outras
impossíveis, algumas que não combinam conosco
nem nos interessam.
Não há perdão nem anistia para os que ficam de
fora da ciranda: os que não se submetem mas questionam,
os que pagam o preço de sua relativa autonomia,
os que não se deixam escravizar, pelo menos
sem alguma resistência.
O normal é ser atualizado, produtivo e bem-informado.
É indispensável circular, estar enturmado.
Quem não corre com a manada praticamente nem
existe, se não se cuidar botam numa jaula: um animal
estranho.
Acuados pelo relógio, pelos compromissos, pela
opinião alheia, disparamos sem rumo – ou em trilhas
determinadas – feito hamsters que se alimentam de
sua própria agitação.
Ficar sossegado é perigoso: pode parecer doença.
Recolher-se em casa, ou dentro de si mesmo, ameaça
quem leva um susto cada vez que examina sua
alma.
Estar sozinho é considerado humilhante, sinal de
que não se arrumou ninguém – como se amizade ou
amor se “arrumasse" em loja. [...]
Além do desgosto pela solidão, temos horror à
quietude. Logo pensamos em depressão: quem sabe
terapia e antidepressivo? Criança que não brinca ou
salta nem participa de atividades frenéticas está com
algum problema.
O silêncio nos assusta por retumbar no vazio
dentro de nós. Quando nada se move nem faz barulho,
notamos as frestas pelas quais nos espiam coisas
incômodas e mal resolvidas, ou se enxerga outro
ângulo de nós mesmos. Nos damos conta de que não
somos apenas figurinhas atarantadas correndo entre
casa, trabalho e bar, praia ou campo.
Existe em nós, geralmente nem percebido e
nada valorizado, algo além desse que paga contas,
transa, ganha dinheiro, e come, envelhece, e um dia
(mas isso é só para os outros!) vai morrer. Quem é
esse que afinal sou eu? Quais seus desejos e medos,
seus projetos e sonhos?
No susto que essa ideia provoca, queremos ruí-
do, ruídos. Chegamos em casa e ligamos a televisão
antes de largar a bolsa ou pasta. Não é para assistir
a um programa: é pela distração.
Silêncio faz pensar, remexe águas paradas,
trazendo à tona sabe Deus que desconcerto nosso.
Com medo de ver quem – ou o que – somos, adia-se
o defrontamento com nossa alma sem máscaras.
Mas, se a gente aprende a gostar um pouco de
sossego, descobre – em si e no outro – regiões nem
imaginadas, questões fascinantes e não necessariamente
ruins.
Nunca esqueci a experiência de quando alguém
botou a mão no meu ombro de criança e disse:
— Fica quietinha, um momento só, escuta a chuva
chegando.
E ela chegou: intensa e lenta, tornando tudo
singularmente novo. A quietude pode ser como essa
chuva: nela a gente se refaz para voltar mais inteiro
ao convívio, às tantas fases, às tarefas, aos amores.
Então, por favor, me deem isso: um pouco de silêncio
bom para que eu escute o vento nas folhas,
a chuva nas lajes, e tudo o que fala muito além das
palavras de todos os textos e da música de todos os
sentimentos.
LUFT, Lya. Pensar é transgredir. Rio de Janeiro: Record, 2004.
p. 41. Adaptado.
Observe as palavras “se” no trecho “se não se cuidar botam numa jaula: um animal estranho.” (L. 16-17)
Afirma-se corretamente que ambas apresentam, respectivamente, as mesmas funções das palavras destacadas em: