SóProvas


ID
4829653
Banca
Itame
Órgão
Câmara de Caldazinha - GO
Ano
2020
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

INOCÊNCIA

Visconde Taunay

Estava Cirino fazendo o inventário da sua roupa e já começava a anoitecer, quando Pereira novamente a ele se chegou.

- Doutor, disse o mineiro, pode agora mecê entrar para ver a pequena. Está com o pulso que nem um fio, mas não tem febre de qualidade nenhuma.

- Assim é bem melhor, respondeu Cirino.

E, arranjando precipitadamente o que havia tirado da canastra, fechou-a e pôs-se de pé.

Antes de sair da sala, deteve Pereira o hóspede com ar de quem precisava tocar em assunto de gravidade e ao mesmo tempo de difícil explicação.

Afinal começou meio hesitante:

- Sr. Cirino, eu cá sou homem muito bom de gênio, muito amigo de todos, muito acomodado e que tenho o coração perto da boca, como vosmecê deve ter visto...

- Por certo, concordou o outro.

- Pois bem, mas... tenho um grande defeito; sou muito desconfiado. Vai o doutor entrar no interior da minha casa e... deve postar-se como...

- Oh, Sr. Pereira! Atalhou Cirino com animação, mas sem grande estranheza, pois conhecia o zelo com que os homens do sertão guardam da vista dos profanos os seus aposentos domésticos, posso gabar-me de ter sido recebido no seio de muita família honesta e sei proceder como devo.

Expandiu-se um tanto o rosto do mineiro.

- Vejo, disse ele com algum acanhamento, que o doutor não é nenhum pé-rapado, mas nunca é bom facilitar... E já que não há outro remédio, vou dizer-lhe todos os meus segredos... não metem vergonha a ninguém, com o favor de Deus; mas negócios da minha casa não gosto de bater língua... Minha filha Nocência fez 18 anos pelo Natal, e é rapariga que pela feição parece moça de cidade, muito ariscazinha de modos, mas bonita e boa deveras... Coitada, foi criada sem mãe, e aqui nestes fundões.

- Ora muito bem, continuou Pereira caindo aos poucos na habitual garrulice, quando vi a menina tomar corpo, tratei logo de casá-la.

- Ah! É casada? Perguntou Cirino.

- Isto é, é e não é. A coisa está apalavrada. Por aqui costuma labutar no costeio do gado para são Paulo um homem de mão-cheia, que talvez o Sr. Conheça... o Manecão Doca...

(...)

- Esta obrigação de casar as mulheres é o diabo!... Se não tomam estado, ficam jururus e fanadinhas...; se casam podem cair nas mãos de algum marido malvado... E depois, as histórias!... Ih, meu Deus, mulheres numa casa, é coisa de meter medo... São redomas de vidro que tudo pode quebrar... Enfim, minha filha, enquanto solteira, honrou o nome de meus pais... O Manecão que se aguente, quando a tiver por sua... Com gente de saia não há que fiar... Cruz! Botam famílias inteira a perder, enquanto o demo esfrega um olho.

Esta opinião injuriosa sobre as mulheres é, em geral, corrente nos sertões e traz como consequência imediata e prática, além da rigorosa clausura em que são mantidas, não só o casamento convencionado entre parentes muito chegados para filhos de menor idade, mas sobretudo os numerosos crimes cometidos, mal se suspeita possibilidade de qualquer intriga amorosa entre pessoa da família e algum estranho.

(...)

- Sr. Pereira, replicou Cirino com calma, já lhe disse e torno a dizer que, como médico, estou há muito tempo acostumado a lidar com famílias e a respeitá-las. É este meu dever, e até hoje, graças a Deus, a minha fama é boa... Quanto às mulheres, não tenho as suas opiniões, nem as acho razoáveis nem de justiça. Entretanto, é inútil discutirmos porque sei que falou-me com toda franqueza, e também com franqueza quero responder. No meu parecer, as mulheres são tão boas como nós, se não melhores: não há, pois, motivo para tanto desconfiar delas e ter os homens em tão boa conta... Enfim, essas suas ideias podem quadrar-lhe à vontade, e é costume meu antigo a ninguém contrariar, para viver bem com todos e deles merecer o tratamento que julgo ter direito a receber. Cuide cada qual de si, olhe Deus para todos nós, e ninguém queira arvorar-se em palmatória do mundo. 

Tal profissão de fé, expedida em tom dogmático e superior, pareceu impressionar agradavelmente a Pereira, que fora aplaudido com expressivo movimento de cabeça a sensatez dos conceitos e a fluência da frase.

O tipo de discurso predominante nesse texto é:

Alternativas
Comentários
  • Prezados, gabarito letra A. Vejamos definições:

    Os tipos de discurso tratam da participação, da fala da personagem dentro da narração. Isso acontece de três maneiras: o narrador apresenta fala da personagem pela própria personagem (discurso direto), reproduzir com sua voz a fala da personagem (discurso indireto) e apresenta o pensamento da personagem no meio da narração (discurso indireto livre).

    Discurso direto: há a presença de alguns elementos básicos: verbo elocutivo (antecipando a fala da personagem), dois pontos, aspas ou travessão marcando a própria fala. Ex: O professor pediu aos alunos: "fiquem quietos".

    Discurso indireto: fala da personagem por meio do narrador aparece dentro de uma oração subordinada substantiva (normalmente objetiva direta ou sujetiva). Ex: O professor pediu-lhes que ficassem quietos.

    Discurso indireto livre: a fala se insere no meio do discurso do narrador, dando a impressão de que se trata do pensamento do narrador, mas na verdade se trata do pensamento da personagem. Ex: Eu, como professor, estava incomodado com um aluno desde o início do ano. Olhava, com raiva e irritado, para esse estudante todos os dias. Quando ele vai parar de me perseguir? O aluno se levantou e pediu para ir ao banheiro.

    Quando ele vai parar de me perseguir? - Fala do aluno. Um pensamento do aluno sobre o professor.

    Bons estudos.

    FONTE: A gramática para concursos públicos - Fernando Pestana.

  • DISCURSOS: direto e indireto.

    direto: citação fiel da fala de alguém .

    sinais de pontuação( dois pontos, aspas e travessão ).

    exemplo: Os cidadãos diziam: " Queremos justiça".

    indireto: reprodução de fatos que alguém falou.

    terceira pessoa sem pontuação .

    exemplo: Os cidadãos diziam que queriam justiça.

    Gab. A