SóProvas


ID
4959547
Banca
IBADE
Órgão
Prefeitura de Vitória - ES
Ano
2019
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

O instrumento musical


    Às 15 horas de segunda-feira, 9 de novembro de 1964, os poemas de Cecília Meireles alcançaram perfeição absoluta. Não há mais um toque de sutileza a acrescentarlhes, nem sequer um acento circunflexo a suprimir-lhes – aquele acento que ela certa vez, em um poema, retirou de outro poema com a leveza de mão de quem opera uma borboleta. Não virão outros versos fazer-lhes sombra ou solombra. O que foi escrito adquiriu segunda consistência, essa infrangibilidade que marca o definitivo, alheio e superior à pessoa que o elaborou.


    Vendo-os desligar-se de sua matriz humana, é como se eu os visse pela primeira vez e à luz natural, sem o enleio que me despertava um pouco o ser encantado ou encantador, chamado Cecília Meireles. Falo em encantamento no sentido original da palavra, “de que há muitos exemplos nos Livros de Cavalaria, e Poetas”. Não me parecia criatura inquestionavelmente real; por mais que aferisse os traços positivos de sua presença entre nós, marcada por gestos de cortesia e sociabilidade, restava-me a impressão de que ela não estava onde nós a víamos, estava sem estar, para criar uma ilusão fascinante, que nos compensasse de saber incapturável a sua natureza. Distância, exílio e viagem transpareciam no sorriso benevolente com que aceitava participar do jogo de boas maneiras da convivência, e era um sorriso de tamanha beleza, iluminado por um verde tão exemplar de olhos e uma voz de tão pura melodia, que mais confirmava, pela eficácia do sortilégio, a irrealidade do indivíduo.


     Por onde erraria a verdadeira Cecília, que, respondendo à indagação de um curioso, admitiu ser seu principal defeito “uma certa ausência do mundo”? Do mundo como teatro em que cada espectador se sente impelido a tomar parte frenética no espetáculo, sim; não, porém, do mundo de essências, em que a vida é mais intensa porque se desenvolve em estado puro, sem atritos, liberta das contradições da existência. Estado em que a sabedoria e beleza se integram e se dissolvem na perfeição da paz.


    Para chegar até ele, Cecília caminhou sobre formas selecionadas, que ia interpretando mais do que descrevendo; suas notações de natureza são esboços de quadros metafísicos, com objetos servindo de signos de uma organização espiritual onde se consuma a unidade do ser com o universo. Cristais, pedras, rosicleres, flores, insetos, nuvens, peixes, tapeçarias, paisagens, o escultural cavalo morto, “um trevo solitário pesando a prata do orvalho”, todas essas coisas percebidas pelo sentido são carreadas para a região profunda onde se decantam e sublimam. Nessa viagem incessante, para além da Índia, para além do mistério das religiões e dos sonhos, Cecília Meireles consumiu sua vida. Não é de estranhar que a achássemos diferente do retrato comum dos poetas e das mulheres.


    Revisitando agora a imaculada galeria de seus livros desde Viagem até os brincos infantis de Ou Isto ou Aquilo, passando pelas estações já clássicas de Vaga Música, Mar Absoluto e Retrato Natural, penetrando no túnel lampejante de Solombra, é que esta poesia sem paridade no quadro da língua, pela peregrina síntese vocabular e fluidez de atmosfera, nos aparece como a razão maior de haver existido um dia Cecília Meireles. A mulher extraordinária foi apenas uma ocasião, um instrumento, afinadíssimo, a revelar-nos a mais evanescente e precisa das músicas. E esta música hoje não depende de executante. Circula no ar para sempre.


(ANDRADE, C. Drummond. Cadeira de Balanço. Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 1978, p. 138-139.)

“nos aparece como a razão maior de haver existido um dia Cecília Meireles” (5º §) Considerando-se o emprego da locução verbal “haver existido”, do ponto de vista da concordância, pode-se afirmar que, das alterações feitas na redação do trecho acima, aquela contraria norma de concordância da língua culta é:

Alternativas
Comentários
  • Sem entrar em pormenores, a concordância verbal diz respeito à correta flexão do verbo (em número e pessoa) a fim de concordar com o sujeito. Esporadicamente, no entanto, foge-se à regra geral e faz-se a concordância de modo distinto: em determinados casos, concorda-se com o predicativo (p.ex.: são cinco de outubro). 

    Inspecionemos:

    a) nos aparece como a razão maior de que tenha existido um dia várias “Cecílias Meireles”.

    Incorreto. A forma verbal destacada deve concordar com o sujeito a que se refere: Cecílias Meireles. Correção: "(...) tenham existido um dia várias 'Cecílias Meireles''';

    b) nos aparece como a razão maior de ter havido um dia escritores da envergadura de Cecília Meireles.

    Correto. O verbo "haver", quando no sentido de existência e constituindo locução verbal, emana para o auxiliar a impessoalidade;

    c) nos aparece como a razão maior de existirem um dia muitos parceiros de Cecília Meireles

    Correto. A forma verbal "existirem" concorda com o núcleo "parceiros";

    d) nos aparece como a razão maior de haverem existido um dia leitores cativos de Cecília Meireles.

    Correto. O verbo "haver", em que pese constituir locução verbal, acha-se na posição de auxiliar e flexiona-se normalmente para concordar com o núcleo "leitores";

    e) nos aparece como a razão maior de que haveria um dia muitas obras de Cecília Meireles.

    Correto. O verbo "haver", na acepção de existência, não varia e, desse modo, flexiona-se na terceira pessoa do singular.

    Letra A

  • Em relação a alternativa D,

    Eu errei como muitos erraram. Mas isso é bom, pois faz com que eu aprenda mellhor.

    Não se pode, no entanto, afirmar que o verbo “haver” nunca vai para o plural. Ele pode, por exemplo, desempenhar a função de verbo auxiliar (que indica pessoa, tempo e modo verbal; sinônimo de “ter” nos tempos compostos). Nesse caso, o verbo é conjugado no plural.

    Exs.:

    Eles haviam chegado cedo.

    Eles tinham chegado cedo.

    Além disso, como verbo pessoal (com sujeito), pode assumir o sentido de “obter”, “considerar”, “lidar”, ainda que esses usos sejam menos recorrentes:

    Houveram (= “obter”)  do juiz a comutação da pena (sujeito: “comutação da pena”).

    Nós havemos (= “considerar”) por honesto. (sujeito: “nós”)

    Os alunos houveram-se (= “lidar”) muito bem nos exames. (sujeito: “os alunos”)

    O verbo “haver”, portanto, precisa ser usado com atenção (especialmente, quando ele é impessoal), para evitar erros gramaticai.

    APRENDENDO ISSO, TAMBÉM ENTENDERÁ O PORQUÊ DE NÃO TER MARCADO A ALTERNATIVA (A).

    http://escreverbem.com.br/

  • Complemento..

    O Haver como verbo auxiliar  pode ser conjugado no plural.

    Haviam saído mais tarde.

  • alguem pode dizer qual e o gabarito da questao? o QC fala que e a letra A mas vi no comentario do colega que e a letra B

  • pq a C está certa?

  • a letra d está errada porque o verbo existir deve ser flexionado conforme o seu sujeito. no caso dessa letra ele está como auxiliar do verbo existir que manda na flexão. assim ele está correto porque concorda com o sujeito como já dito acima.