SóProvas


ID
4959550
Banca
IBADE
Órgão
Prefeitura de Vitória - ES
Ano
2019
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

O instrumento musical


    Às 15 horas de segunda-feira, 9 de novembro de 1964, os poemas de Cecília Meireles alcançaram perfeição absoluta. Não há mais um toque de sutileza a acrescentarlhes, nem sequer um acento circunflexo a suprimir-lhes – aquele acento que ela certa vez, em um poema, retirou de outro poema com a leveza de mão de quem opera uma borboleta. Não virão outros versos fazer-lhes sombra ou solombra. O que foi escrito adquiriu segunda consistência, essa infrangibilidade que marca o definitivo, alheio e superior à pessoa que o elaborou.


    Vendo-os desligar-se de sua matriz humana, é como se eu os visse pela primeira vez e à luz natural, sem o enleio que me despertava um pouco o ser encantado ou encantador, chamado Cecília Meireles. Falo em encantamento no sentido original da palavra, “de que há muitos exemplos nos Livros de Cavalaria, e Poetas”. Não me parecia criatura inquestionavelmente real; por mais que aferisse os traços positivos de sua presença entre nós, marcada por gestos de cortesia e sociabilidade, restava-me a impressão de que ela não estava onde nós a víamos, estava sem estar, para criar uma ilusão fascinante, que nos compensasse de saber incapturável a sua natureza. Distância, exílio e viagem transpareciam no sorriso benevolente com que aceitava participar do jogo de boas maneiras da convivência, e era um sorriso de tamanha beleza, iluminado por um verde tão exemplar de olhos e uma voz de tão pura melodia, que mais confirmava, pela eficácia do sortilégio, a irrealidade do indivíduo.


     Por onde erraria a verdadeira Cecília, que, respondendo à indagação de um curioso, admitiu ser seu principal defeito “uma certa ausência do mundo”? Do mundo como teatro em que cada espectador se sente impelido a tomar parte frenética no espetáculo, sim; não, porém, do mundo de essências, em que a vida é mais intensa porque se desenvolve em estado puro, sem atritos, liberta das contradições da existência. Estado em que a sabedoria e beleza se integram e se dissolvem na perfeição da paz.


    Para chegar até ele, Cecília caminhou sobre formas selecionadas, que ia interpretando mais do que descrevendo; suas notações de natureza são esboços de quadros metafísicos, com objetos servindo de signos de uma organização espiritual onde se consuma a unidade do ser com o universo. Cristais, pedras, rosicleres, flores, insetos, nuvens, peixes, tapeçarias, paisagens, o escultural cavalo morto, “um trevo solitário pesando a prata do orvalho”, todas essas coisas percebidas pelo sentido são carreadas para a região profunda onde se decantam e sublimam. Nessa viagem incessante, para além da Índia, para além do mistério das religiões e dos sonhos, Cecília Meireles consumiu sua vida. Não é de estranhar que a achássemos diferente do retrato comum dos poetas e das mulheres.


    Revisitando agora a imaculada galeria de seus livros desde Viagem até os brincos infantis de Ou Isto ou Aquilo, passando pelas estações já clássicas de Vaga Música, Mar Absoluto e Retrato Natural, penetrando no túnel lampejante de Solombra, é que esta poesia sem paridade no quadro da língua, pela peregrina síntese vocabular e fluidez de atmosfera, nos aparece como a razão maior de haver existido um dia Cecília Meireles. A mulher extraordinária foi apenas uma ocasião, um instrumento, afinadíssimo, a revelar-nos a mais evanescente e precisa das músicas. E esta música hoje não depende de executante. Circula no ar para sempre.


(ANDRADE, C. Drummond. Cadeira de Balanço. Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 1978, p. 138-139.)

“que marca o definitivo, alheio e superior à pessoa que o elaborou.” (1º §) O emprego do acento da crase está relacionado a uma norma de regência porque pressupõe a ocorrência da preposição “a” regendo um nome ou um verbo, estando a preposição em crase com o artigo definido feminino. Considerando-se essa explicação, pode-se afirmar que, das frases abaixo, aquela em que há ERRO de regência,

Alternativas
Comentários
  • Alguém explica

  • regência verbal trata da transitividade de verbo, que pode ser intransitivo (dispensa complementos verbais), transitivo direto (requer complemento verbal direto), transitivo indireto (requer complemento verbal indireto) ou ainda bitransitivo (requer concomitantemente um complemento verbal direto e outro indireto). Nestas duas últimas, o verbo reclama preposição (a, de, em, por, sobre, etc.)

    Por seu turno, a regência nominal difere da verbal, pois o teor é tratar da relação entre termos regentes (adjetivo, advérbio e substantivo) e regidos (complementos), feita também por meio de preposições.

    a) A obra de Cecília é comparável à dos melhores escritores.

    Correto. De acordo com Celso Pedro Luft, em Dicionário Prático de Regência Nominal, p.105, o adjetivo "comparável" rege duas mais usuais preposições: "a" e "com". É oportuno citar que o fenômeno crásico foi marcado porque se ocultara o substantivo "obra" a fim de evitar a repetição deste: "A obra de Cecília é comparável à (obra) dos melhores escritores";

    b) As obras favoreciam às escritoras em razão dos direitos autorais.

    Incorreto. O verbo "favorecer", no contexto em tela, é transitivo direto e não rege preposição "a". Note ter havido fusão de "a" preposição com "as" artigo determinante do substantivo "escritoras", ou seja, considerou-se esse verbo transitivo indireto. Corrigindo: "As obras favoreciam as escritoras (...)";

    c) Assistia às escritoras exercer o direito autoral.

    Correto. Consoante Celso Pedro Luft, em Dicionário Prático de Regência Verbal, p.79, o verbo "assistir" é transitivo indireto na acepção de caber, pertencer e rege preposição "a". Esta se fundiu com o artigo "as" determinante do substantivo "escritoras" e resultou na crase: assistia a + as escritoras = assistia às escritoras;

    d) Drummond referiu-se às obras mais importantes de Cecília.

    Correto. Celso Pedro Luft, em Dicionário Prático de Regência Verbal, p.441, ensina que o verbo "referir-se", quando pronominal, rege preposição "a". Esta se fundiu com o artigo "as" determinante do substantivo "obras" e resultou na crase: referiu-se a + as obras = referiu-se às obras;

    e) O leitor não estava alheio às imagens poéticas do texto.

    Correto. Ainda evocando Celso Pedro Luft, em Dicionário Prático de Regência Nominal, p.44, o adjetivo "alheio" rege duas preposições "de", menos usada, e "a", mais comum. Esta última se fundiu com o artigo "as" determinante do substantivo "imagens" e resultou na crase: alheio a + as imagens = alheio às imagens.

    Letra B

  • Mas que droga de pergunta. Quer dizer que a letra A está correta? Tem uso de crase no singular e uma palavra posterior no plural, isso está realmente correto? Acho que a questão deveria avaliar toda a frase

  • GABARITO - B

    Regências do verbo assistir :

    No sentido de Ajudar = VTD

    Assistia o necessitado

    No sentido de ver = VTI ( A)

    Assistia ao Jogo enquanto bebia.

    No sentido de Morar = VI ( Em )

    Assiste em Jeri

    No sentido de ter competência = VTI (A)

    Assiste ao técnico a escalação do Fortaleza.

    Bons estudos!

  • Questão A incorreta também, pois é um dos casos proibidos de crase.

  • GAB= B

    Alguns verbos transitivos diretos são tratados como transitivos indiretos com alguma frequência. É esse o caso de "favorecer", "prejudicar", "ajudar" e "beneficiar", por exemplo.

  • VERBO FAVORECER É TRANSITIVO DIRETO NÃO EXIGE COMPLEMENTO PREPOSICIONADO