No princípio era o caderno
Quando mocinhas, elas podiam escrever seus pensamentos e estados d’alma (em prosa e verso) nos diários de capa acetinada com vagas pinturas representando flores ou pombinhos brancos levando um coração no bico. Nos diários mais simples, cromos coloridos de cestinhos floridos ou crianças abraçadas a um cachorro. Depois de casadas, não tinha mais sentido pensar sequer em guardar segredos, que segredo de mulher casada só podia ser bandalheira. Restava o recurso do cadernão do dia a dia, onde, de mistura com os gastos da casa cuidadosamente anotados e somados no fim do mês, elas ousavam escrever alguma lembrança ou uma confissão que se juntava na linha adiante com o preço do pó de café e da cebola.
Minha mãe guardava um desses cadernos que pertencera à minha avó Belmira. Me lembro da capa dura, recoberta
com um tecido de algodão preto. A letrinha vacilante, bem
desenhada, era menina quando via minha mãe recorrer a
esse caderno para conferir uma receita de doce ou a receita
de um gargarejo. “Como mamãe escrevia bem! – Observou
ela mais de uma vez. – Que pensamentos e que poesias,
como era inspirada!”.
Vejo nas tímidas inspirações desse cadernão (que se
perdeu num incêndio) um marco das primeiras arremetidas
da mulher brasileira na chamada carreira de letras – um ofício
de homem.
(A disciplina do amor. Rocco, 1998.)
Pelas ideias apresentadas, é correto afirmar que o texto é