SóProvas


ID
5045803
Banca
FACET Concursos
Órgão
Prefeitura de Capim - PB
Ano
2020
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

Leia o texto abaixo e, em seguida, responda a questão pertinente:

Louco amor
(Ferreira Gullar)

    Era dado a paixões, desde menino. Na escola, aos oito anos, sentava-se ao lado de Nevinha, que tinha a mesma idade que ele e uns olhos que pareciam fechados: dois traços no rosto redondo e sorridente. Quando se vestia, de manhã cedo, para ir à escola, pensava nela e queria ir correndo encontrá-la. Puxava conversa a ponto da professora ralhar. Mas, chegaram as férias de dezembro, perguntou onde ela ia passá-las. “No inferno”, respondeu. Ele se espantou, ela riu. “É como minha mãe chama o sítio de meus avós em Codó.” No ano seguinte, sua mãe o matriculou numa escola mais perto de sua casa e ele nunca mais viu Nevinha.
    Na nova escola, enamorou-se de Teca, que tinha duas tranças compridas caídas nos ombros. Era engraçada e sapeca, brincava com todo mundo e não dava atenção a ele. Já no ginásio, foi a Lúcia, de olhos fundos, silenciosa, quase não ria. Amor à distância. Uma vez ela deixa cair o estojo de lápis e ele, prestimoso, o juntou no chão, e lhe entregou. Ela riu, agradecida.
    Enlouqueceu mesmo foi pela Paula, de 15 anos, quando ele já tinha 22 e se tornara pintor. Era filha de Bonetti, seu professor na Escola de Belas Artes e cuja casa passou a frequentar, bem como outros colegas de turma. A coisa nasceu sem que ele se desse conta, já que a via como uma menina. Mas, certo dia, acordou com a lembrança dela na mente, o perfil bem desenhado, o nariz, os lábios, os olhos inteligentes. Ela era muito inteligente, falava francês, já que vivera com os pais em Paris e lá estudara. A partir daquela manhã, quando visitava o professor era, na verdade, para revê-la. De volta a seu quarto, no Catete, sentia sua falta e inventava pretextos para visitas. Ficava a olhá-la, o coração batendo forte, louco para tomar-lhe as mãos e dizer-lhe: “Eu te amo, Paula”.
    Mas não se atrevia, embora já não conseguisse pintar nem sair com os amigos sem pensar no momento em que declararia a ela o seu amor. Mas não o fazia e já agora custava a dormir e, quando dormia, sonhava com ela. Mas eis que, numa das visitas à casa do professor, não a encontrou. Puxou conversa com a mãe dela e soube que havia ido ao cinema com um primo. Quando chegou, foi em companhia dele, de mãos dadas. Era o Eduardo, que chegara dos Estados Unidos, onde se formara.
    Sentiu que o mundo ia desabar sobre sua cabeça, mal conseguia ver os dois, sentados no divã da sala, cochichando e rindo, encantados um com o outro.
    Agora, acordar de manhã era um suplício, já que a lembrança dela não lhe saía da cabeça. Evitava agora ir à casa de Bonetti, que, entranhando-lhe a ausência, telefonava para convidá-lo. Temia ir lá, mas terminava indo, porque pelo menos podia revê-la, mas voltava para casa arrasado. Muitas vezes nem entrava em casa, com medo de se defrontar com a insuportável realidade. Ficava pela rua andando à toa, até altas horas da noite. Decidiu entregar-se totalmente a sua pintura, comprou telas novas, tintas novas, mas postado em frente ao cavalete, tudo o que conseguia era pensar nela. “Então, vou fazer dela o tema de meus quadros”, decidiu-se e iniciou uma série de retratos dela, que eram antes alegorias patéticas e dolorosas. Os colegas gostaram e contaram ao Bonetti, que pediu para vê-los. Levou-lhe alguns dos quadros, que mereceram dele entusiasmados elogios. Paula, depois de elogiá-los, observou: “Ela parece comigo!”. Ele a fitou nos olhos: “Ela é você”. Sem entender, ela sorriu lisonjeada.
    Paula e o primo se casaram e foram morar nos Estados Unidos. Júlio ganhou um prêmio de viagem ao exterior e foi conhecer os museus da Europa, fixando-se em Paris, que era na época o centro irradiador de arte e literatura. De volta ao Brasil, conheceu Camila, com quem se casou e teve dois filhos, uma menina e um menino, que hoje estão casados e lhe deram netos. Quanto a Paula, de que nunca mais tivera notícias, soube que se separara do marido e voltara ao Brasil, indo morar em São Paulo.
    Júlio e Bonetti continuaram amigos. Já sem a mesma frequência, ia visitá-lo naquele mesmo apartamento de Botafogo, onde viveu com a mesma mulher, mãe de Paula. Morreu dormindo, como queria. Júlio foi ao velório, no Cemitério de São João Batista, onde ele encontrou Paula, quarenta anos depois.
    Ela estava sentada junto ao caixão, ao lado de uma moça. “Júlio foi amigo de meu pai a vida toda... Me conheceu menina.”
    Falou aquilo com toda a naturalidade. “Que estranha é a vida”, pensou ele, fitando o rosto da mocinha que jamais poderia ter sido filha sua.

Gullar, Ferreira. A alquimia na quitanda: artes, bichos e barulhos nas melhores crônicas do poeta. São Paulo: Três Estrelas, 2016.

Marque a opção CORRETA, de acordo com o texto:

Alternativas
Comentários
  • A questão é de interpretação de texto e quer que marquemos a opção CORRETA de acordo com o texto. Vejamos:

     . 

    A) Júlio teve a mesma intensidade de paixão por todas as mulheres que conheceu.

    Errado. As paixões de Júlio não tiveram a mesma intensidade. De acordo com o texto, em relação a Nevinha, Júlio "pensava nela e queria ir correndo encontrá-la"; por Teca ele "enamorou-se"; por Lúcia foi "amor a distância"; enlouqueceu mesmo foi pela Paula"; "conheceu Camila, com quem se casou e teve dois filhos".

     . 

    B) Júlio se apaixonou, mais ardentemente, por Paula, que marcou toda a sua vida.

    Certo. De acordo com o texto, Júlio "enlouqueceu mesmo foi pela Paula".

     . 

    C) Lúcia foi a mulher que despertou a mais forte das paixões em Júlio.

    Errado. De acordo com o texto, Paula foi a mulher que despertou a mais forte das paixões em Júlio. Lúcia foi um "amor a distância".

     . 

    D) Camila, com quem Júlio acabou se casando, foi verdadeiramente a mulher por quem se apaixonou.

    Errado. De acordo com o texto, Júlio se casou com Camila, mas "enlouqueceu mesmo foi pela Paula".

     . 

    E) Nevinha foi a maior paixão da vida de Júlio.

    Errado. De acordo com o texto, Paula foi a maior paixão da vida de Júlio. Nevinha foi uma rápida paixão que Júlio teve aos oito anos de idade.

     . 

    Gabarito: Letra B

  • Que bonito esse texto, bem poético !

    Gabarito B

  • Marque a opção CORRETA, de acordo com o texto:

    Alternativas

    A

    Júlio teve a mesma intensidade de paixão por todas as mulheres que conheceu.

    B

    Júlio se apaixonou, mais ardentemente, por Paula, que marcou toda a sua vida.

    C

    Lúcia foi a mulher que despertou a mais forte das paixões em Júlio.

    D

    Camila, com quem Júlio acabou se casando, foi verdadeiramente a mulher por quem se apaixonou.

    E

    Nevinha foi a maior paixão da vida de Júlio.