O texto a seguir serve de base para a questão.
O GRITO
Não sei o que está acontecendo comigo, diz a paciente para o psiquiatra.
Ela sabe.
Não sei se gosto mesmo da minha namorada, diz um amigo para outro.
Ele sabe.
Não sei se quero continuar com a vida que tenho, pensamos em silêncio.
Sabemos, sim.
Sabemos tudo o que sentimos porque algo dentro de nós grita. Tentamos abafar este grito com
conversas tolas, elocubrações, esoterismo, leituras dinâmicas, namoros virtuais, mas não
importa o método que iremos utilizar para procurar uma verdade que se encaixe nos nossos
planos: será infrutífero. A verdade já está dentro, a verdade se impõe, fala mais alto que nós,
ela grita.
Sabemos se amamos ou não alguém, mesmo que esteja escrito que é um amor que não serve,
que nos rejeita, um amor que não vai resultar em nada. Costumamos desviar este amor para outro amor, um amor aceitável, fácil, sereno. Podemos dar todas as provas ao mundo de que
não amamos uma pessoa e amamos outra, mas sabemos, lá dentro, quem é que está no controle.
A verdade grita. Provoca febres, salta aos olhos, desenvolve úlceras. Nosso corpo é a casa da
verdade, lá de dentro vêm todas as informações que passarão por uma triagem particular:
algumas verdades a gente deixa sair, outras a gente aprisiona. Mas a verdade é só uma: ninguém
tem dúvida sobre si mesmo.
Podemos passar anos nos dedicando a um emprego sabendo que ele não nos trará recompensa
emocional. Podemos conviver com uma pessoa mesmo sabendo que ela não merece confiança.
Fazemos essas escolhas por serem as mais sensatas ou práticas, mas nem sempre elas estão de
acordo com os gritos de dentro, aquelas vozes que dizem: vá por este caminho, se preferir, mas
você nasceu para o caminho oposto. Até mesmo a felicidade, tão propagada, pode ser uma
opção contrária ao que intimamente desejamos. Você cumpre o ritual todinho, faz tudo como o
esperado, e é feliz, puxa, como é feliz. E o grito lá dentro: mas você não queria ser feliz, queria
viver!
Eu não sei se teria coragem de jogar tudo para o alto.
Sabe.
Eu não sei por que sou assim.
Sabe.
Martha Medeiros MEDEIROS, M. Montanha Russa. Porto Alegre: L&PM Editores, 2003.
No texto a autora chega a uma conclusão a respeito das “verdades” que as pessoas têm dentro
de si. “Mas a verdade é só uma: ninguém tem dúvida sobre si mesmo.”. Como se estrutura, do
ponto de vista sintático, esse período conclusivo?