SóProvas


ID
5344201
Banca
IDIB
Órgão
Prefeitura de Verdejante - PE
Ano
2021
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

TEXTO I

Felicidade nas telas


    Uma amiga inventou um jeito de curtir a fossa. Depois de um dia de trabalho, de volta para casa, ela se enfia na cama, abre o laptop e entra no Facebook. Não procura amigos e conhecidos para aliviar o clima solitário e deprê do fim do dia. Essa talvez tenha sido a intenção nas primeiras vezes, mas, hoje, experiência feita, ela entra no facebook, à noite, como disse, para curtir sua fossa. De que forma?

    Visitando as páginas de amigos e conhecidos, ela descobre que todos estão muito bem: namorando (finalmente), prestes a casar, renovando o apartamento que sempre desejaram remodelar, comprando a casa de praia que tanto queriam, conseguindo a bolsa para passar dois anos no exterior, sendo promovidos no emprego ou encontrando um novo job fantasticamente interessante. E todos vivem essas bem-aventuranças circundados de amigos maravilhosos, afetuosos, alegres, festeiros e sempre presentes, como aparece nas fotografias postadas.

    Minha amiga, em suma, sente-se excluída da felicidade geral da nação facebookiana: só ela não foi promovida, não encontrou um namorado fabuloso, não mudou de casa, não ganhou nesta rodada da loto. É mesmo um bom jeito de aprofundar e curtir a fossa: a sensação de um privilégio negativo, pelo qual nós seríamos os únicos a sofrer enquanto o resto do mundo se diverte.

    Numa dessas noites de fossa e curtição, ao voltar para a sua própria página no Facebook, minha amiga deu-se conta de que a página dela não era diferente das outras. Ou seja, quem a visitasse acharia que ela estava numa época de grandes realizações e contentamentos. Ela comentou: “As fotos das minhas férias, por exemplo, esbanjam alegria; não passaram por nenhum Photoshop, acontece que são três ou quatro fotos ‘felizes’ entre as mais de quinhentas que eu tirei”.

    Nesses dias, acabei de ler Perché Siamo Infelici [Porque somos infelizes], organizado por P. Crepet (Einaudi). São textos de seis psiquiatras e psicanalistas (e um geneticista) tentando nos explicar “por que somos infelizes” e, em muitos casos, porque não deveríamos nos queixar disso. Por exemplo, a infelicidade é uma das motivações essenciais; sem ela nos empurrando, provavelmente ficaríamos parados no tempo, no espaço e na vida. Ou ainda: a infelicidade é indissociável da razão e da memória, pois a razão nos repete que a significação de nossa existência só pode ser ilusória e a memória não para de fazer comparações desvantajosas entre o que alcançamos e o que desejávamos inicialmente.

    Não faltam no livro trivialidades moralistas sobre o caráter insaciável de nosso desejo nem evocações saudosistas do sossego de algum passado rural. Em matéria de infelicidade, é sempre fácil (e um pouco tolo) culpar a sociedade de consumo e sua propaganda, que viveriam à custa de nossa insatisfação. Anotei na margem: mas quem disse que a infelicidade é a mesma coisa que a insatisfação? E se a infelicidade fosse, ao contrário, o efeito de uma saciedade muito grande, capaz de estancar nosso desejo, mais parecida com o tédio de viver do que com a falta de gratificação? Você é infeliz porque ainda não conseguiu tudo o que queria ou porque parou de querer e isso torna a vida muito chata? Seja como for, lendo o livro e me lembrando da fossa de minha amiga no Facebook, ocorreu-me que talvez uma das fontes da infelicidade seja a necessidade de parecermos felizes. Por que precisaríamos mostrar ao mundo uma cara (ou uma careta) de felicidade?

    1. A felicidade dá status, assim como a riqueza. Por isso, os sinais aparentes de felicidade podem ser mais relevantes do que a íntima sensação de bem-estar;

    2. além disso, somos cronicamente dependentes do olhar dos outros. Consequência: para ter certeza de que sou feliz, preciso constatar que os outros enxergam a minha felicidade. Nada grave, mas isso leva a algo mais chato: a prova da minha felicidade é a inveja dos outros.

    O resultado dessa necessidade de parecermos felizes é que a felicidade é este paradoxo: uma grande impostura da qual receamos não fazer parte e que, por isso mesmo, não conseguimos denunciar.


CALLIGARIS, Contardo. Todos os reis estão nus. São Paulo: Três Estrelas, 2014

Assinale a alternativa em que o vocábulo destacado é classificado como conjunção.

Alternativas
Comentários
  • a) “...ela se enfia na cama, abre o laptop e entra no Facebook”.

    Incorreto. O "se" é pronome;

    b) “...minha amiga deu-se conta de que a página dela não era diferente das outras”.

    Incorreto. O "se" é parte integrante do verbo. Vide Dicionário Prático de Regência Verbal, de Celso Pedro Luft;

    c) “E se a infelicidade fosse, ao contrário, o efeito de uma saciedade muito grande...”

    Correto. O "se" é uma conjunção de valor condicional;

    d) “Minha amiga, em suma, sente-se excluída da felicidade geral da nação facebookiana...”.

    Incorreto. O "se" é parte integrante do verbo — para Celso Pedro Luft, em Dicionário Prático de Regência Verbal, p. 479, esse "se" é um objeto direto fossilizado, ou seja, que não se desprende do verbo.

    Letra C

  • Gabarito na alternativa C

    Solicita-se construção na qual o termo "se" classifique-se como conjunção.

    A) “...ela se enfia na cama, abre o laptop e entra no Facebook”.

    Incorreto. O termo possui natureza pronominal, agindo na construção como pronome reflexivo.

    B) “...minha amiga deu-se conta de que a página dela não era diferente das outras”.

    Incorreto. O termo acompanha verbo acidentalmente pronominal, caracterizando parte integrante do verbo.

    C) “E se a infelicidade fosse, ao contrário, o efeito de uma saciedade muito grande...”

    Correto. O termo é conjunção condicional, introduzindo na construção integra uma oração subordinada adverbial condicional.

    D) “Minha amiga, em suma, sente-se excluída da felicidade geral da nação facebookiana...”.

    Incorreto. O termo acompanha verbo acidentalmente pronominal, caracterizando parte integrante do verbo.

  • Quando os "comentaristas de plantão" irão aprender que nós concurseiros queremos ler o menos possível? Ponham o suficiente, amigos. Chega de textão!

  • gab: C

    trata - se de uma conjunção condicional.

    Exemp:

     Se, caso, quando, conquanto que, salvo se, sem que, dado que, desde que, a menos que, a não ser que