Altos e baixos na política
(Milton Santos)
É pelo menos insólita a insistência dos nossos
círculos oficiais em querer separar, de modo absoluto,
o que é político do que não é. Assim, toda a ação
sindical, toda reclamação da igreja, em suma, todo
movimento social, ao postular mudanças, é criticado
como inadequado e até mesmo hostil à democracia, já
que não lhe cabe fazer o que chamam de política. Ao
contrário, as atividades dos lobbies e as exigências de
reforma do Estado feitas pelas empresas não são tidas
como atividades políticas. Essa parcialidade é tanto
mais gritante quando todos sabemos que o essencial
na produção da política do Estado tem como atores
principais as grandes empresas, cabendo aos políticos
propriamente ditos e ao aparelho do Estado um papel
de figurantes secundários, quando não de meros porta–
vozes.
A política se caracteriza como exercício de uma
ação ou defesa de uma ideia destinada a mudar o curso
da história. No mundo da globalização, onde a técnica
e o discurso são dados obrigatórios das atividades
hegemônicas, o induzimento à política é exponencial.
O mundo da técnica cientificizada é também o mundo
das regras, de cujo uso adequado depende da maior ou
menor eficácia dos instrumentos disponíveis. [...]
(Folha de São Paulo, 1/10/2000)
Em “Essa parcialidade é tanto mais gritante
quando todos sabemos” (1º§), ocorre um
exemplo de concordância ideológica
denominada silepse. Esse recurso da
linguagem também está presente na seguinte
frase: