SóProvas


ID
5489986
Banca
IUDS
Órgão
IF-RJ
Ano
2021
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

Olhos d’água (Fragmento)
Sendo a primeira de sete filhas, desde cedo, busquei dar conta de minhas próprias dificuldades, cresci rápido, passando por uma breve adolescência. Sempre ao lado de minha mãe aprendi conhecê-la. Decifrava o seu silêncio nas horas de dificuldades, como também sabia reconhecer em seus gestos, prenúncios de possíveis alegrias. Naquele momento, entretanto, me descobria cheia de culpa, por não recordar de que cor seriam os seus olhos. Eu achava tudo muito estranho, pois me lembrava nitidamente de vários detalhes do corpo dela. Da unha encravada do dedo mindinho do pé esquerdo... Da verruga que se perdia no meio da cabeleira crespa e bela... Um dia, brincando de pentear boneca, alegria que a mãe nos dava quando, deixando por uns momentos o lava-lava, o passa-passa das roupagens alheias, se tornava uma grande boneca negra para as filhas, descobrimos uma bolinha escondida bem no couro cabeludo ela. Pensamos que fosse carrapato. A mãe cochilava e uma de minhas irmãs aflita, querendo livrar a boneca-mãe daquele padecer, puxou rápido o bichinho. A mãe e nós rimos e rimos e rimos de nosso engano. A mãe riu tanto das lágrimas escorrerem. Mas, de que cor eram os olhos dela?
Eu me lembrava também de algumas histórias da infância de minha mãe. Ela havia nascido em um lugar perdido no interior de Minas. Ali, as crianças andavam nuas até bem grandinhas. As meninas, assim que os seios começavam a brotar, ganhavam roupas antes dos meninos. Às vezes, as histórias da infância de minha mãe confundiam-se com as de minha própria infância. Lembro-me de que muitas vezes, quando a mãe cozinhava, da panela subia cheiro algum. Era como se cozinhasse ali, apenas o nosso desesperado desejo de alimento. As labaredas, sob a água solitária que fervia na panela cheia de fome, pareciam debochar do vazio do nosso estômago, ignorando nossas bocas infantis em que as línguas brincavam a salivar sonho de comida. E era justamente nos dias de parco ou nenhum alimento que ela mais brincava com as filhas. Nessas ocasiões a brincadeira preferida era aquela em que a mãe era a Senhora, a Rainha. Ela se assentava em seu trono, um pequeno banquinho de madeira. Felizes colhíamos flores cultivadas em um pequeno pedaço de terra que circundava o nosso barraco. Aquelas flores eram depois solenemente distribuídas por seus cabelos, braços e colo. E diante dela fazíamos reverências à Senhora. Postávamos deitadas no chão e batíamos cabeça para a Rainha. Nós, princesas, em volta dela, cantávamos, dançávamos, sorríamos. A mãe só ria, de uma maneira triste e com um sorriso molhado... Mas de que cor eram os olhos de minha mãe? Eu sabia, desde aquela época, que a mãe inventava esse e outros jogos para distrair a nossa fome. E a nossa fome se distraía.
Conceição Evaristo (Olhos d’água, p. 15-19)

Quanto ao verbo lembrar e sua regência, pode-se afirmar que na oração, abaixo, não está correta a alternativa:
Lembro-me de que muitas vezes, quando a mãe cozinhava, da panela subia cheiro algum.

Alternativas
Comentários
  • O verbo "lembrar-se" pode ser usado sem o pronome também, né? No caso, sem o uso de preposição como complemento. Eu não achei que a letra C está gramaticalmente errada. Mas eu posso está completamente errada, corrijam-me, por favor.

  • CUIDADO

    A questão não possui gabarito

    A forma verbal "lembrar" pode possuir diferentes transitividades, das quais duas interessam à questão em comento:

    Como transitivo indireto e pronominal, indicando o ato de recordar, caso em que será conjugado com a presença simultânea do pronominal oblíquo e da preposição que acompanha o objeto indireto;

    "Lembrei-me de deixar o lixo ao lado da placa."

    Como transitivo direto, indicando o ato de trazer algo à memoria, sugerir, ser semelhante;

    "Este lugar lembra minha antiga cidade."

    Dito isso, solicita-se julgamento das assertivas sobre a regência do verbo "lembrar" nas construções:

    A) Andando pela velha casa, lembrava-me da minha infância.

    Correta. O verbo está empregado como transitivo indireto e pronominal, com sentido de recordar.

    B) Ninguém se lembrava do que tinha acontecido. 

    Correta. O verbo está empregado como transitivo indireto e pronominal, com sentido de recordar.

    C) Essa casa lembra o meu tempo de criança sapeca.

    Correta. O verbo está empregado como transitivo direto, com sentido de ser semelhante, sugerir.

    D) Como nós não nos lembramos do que se passou?

    Correta. O verbo está empregado como transitivo indireto e pronominal, com sentido de recordar.

    Gabarito da banca na alternativa C

    Gabarito correto ausente

  • Essa casa lembra o meu tempo de criança sapeca.

    quem lembra , lebra de alguma coisa logo se pede preposição . Fé em deus

  • O posicionamento do colega Ivan está correto, e a questão não possui gabarito.

    Leia-se o trecho e façamos uma observação acerca de uma particularidade do verbo "lembrar(-se)".

    "Lembro-me de que muitas vezes, quando a mãe cozinhava, da panela subia cheiro algum."

    É imperioso tomarem cuidado com memorizações sistemáticas e combater fortemente a arbitrariedade de bancas de concursos. Explico-me por que motivo. Consoante lição de Celso Pedro Luft, em Dicionário Prático de Regência Verbal, p.351, quando o verbo destacado acima for pronominal (lembrar-se, lembrar-me, lembrar-nos, lembrar-vos, etc.) e seguido de conjunção subordinativa integrante "que", poderá ser VTD ou VTI, havendo a possibilidade de elipse da preposição "de". Isso nos leva a concluir que a reescritura a seguir encontra-se em perfeita harmonia com a norma culta:

    "Lembro-me que muitas vezes, quando a mãe cozinhava, da panela subia cheiro algum."

    O caro aluno deve perguntar-se: "mas esse 'que' é conjunção integrante?" A resposta é sim. É conjunção. Os termos estão em ordem alterada, fora da posição natural. Veja um fragmento de uma possível reescritura, pois ficará claro a natureza da partícula "que":

    "Lembro-me que subia cheiro algum (...)"

    Pois bem, em análise às alternativas, verifica-se quase que de imediato inexistir erro de regência no verbo "lembrar(-se)": em todas as ocorrência ele tem a mesma acepção e apresenta adequada regência: quando dispensa pronome oblíquo (me, te, se, lhe, etc.) é transitivo direto (lembrar); quando exige, transitivo direto e indireto (lembrar-se de...).

  • Mas que assunto chato, esse de regência.

  • eu não entendi o que a questão queria...

  • Esquecer/lembrar

    Quando não forem pronominais: sem preposição - VTD.

    Ex.: Esqueci o casaco dele. 

    Quando forem pronominais: preposição de - VTI.

    Ex.: Lembrei-me de todas as respostas