SóProvas


ID
5566690
Banca
INSTITUTO AOCP
Órgão
FUNPRESP-JUD
Ano
2021
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

Conto de você fica ressoando na memória


De: Carlos Drummond de Andrade

Para: Lygia Fagundes Telles


Contemporâneo de Lygia Fagundes Telles e 21 anos mais velho que ela, Drummond pôde acompanhar a trajetória de uma das maiores contistas da literatura brasileira e tecer considerações sobre a obra da amiga. É o que faz nesta carta em que comenta os contos de O jardim selvagem, publicado no ano anterior.


Rio de Janeiro, 28 [de] janeiro [de] 1966

Lygia querida,


    Sabe que ganhei de Natal […] um livro de contos [1] no qual o meu santo nome aparece no ofertório de uma das histórias mais legais, intitulada “A chave”, em que por trás da chave há um casal velho-com-moça e uma outra mulher na sombra, tudo expresso de maneira tão sutil que pega as mínimas ondulações do pensamento do homem, inclusive esta, feroz: chateado de tanta agitação animal da esposa, com o corpo sempre em movimento, o velho tem um relâmpago: “A perna quebrada seria uma solução…” Por sinal que comparei o texto do livro com o texto do jornal de há três anos, e verifiquei o minucioso trabalho de polimento que o conto recebeu. Parece escrito de novo, mais preciso e ao mesmo tempo mais vago, essa vaguidão que é um convite ao leitor para aprofundar a substância, um dizer múltiplo, quase feito de silêncio. Sim, ficou ainda melhor do que estava, mas alguma coisa da primeira versão foi sacrificada, e é esse o preço da obra acabada: não se pode aproveitar tudo que veio do primeiro jato, o autor tem de escolher e pôr de lado alguma coisa válida.

    O livro está perfeito como unidade na variedade, a mão é segura e sabe sugerir a história profunda sob a história aparente. Até mesmo um conto passado na China[2] você consegue fazer funcionar, sem se perder no exotismo ou no jornalístico. Sua grande força me parece estar no psicologismo oculto sob a massa de elementos realistas, assimiláveis por qualquer um. Quem quer simplesmente uma estória tem quase sempre uma estória. Quem quer a verdade subterrânea das criaturas, que o comportamento social disfarça, encontra-a maravilhosamente captada por trás da estória. Unir as duas faces, superpostas, é arte da melhor. Você consegue isso. 

    Ciao, amiga querida. Desejo para você umas férias tranquilas, bem virgilianas. O abraço e a saudade do

    Carlos

[1] N.S.: Trata-se de O jardim selvagem, livro de contos de Lygia publicado em 1965. [2] N.S.: Referência ao conto “Meia-noite em ponto em Xangai”, incluído em O jardim selvagem.


Adaptado de https://www.correioims.com.br/carta/conto-de-vocefica-ressoando-na-memoria/. Acesso em 20/09/2021. 

Considerando os aspectos linguísticos do texto de apoio e os sentidos por eles expressos, julgue o seguinte item.


No trecho “[…] com o texto do jornal de há três anos […]”, o verbo poderia ser substituído por a, desde que o advérbio “atrás” fosse acrescido ao final da expressão, mantendo-se, assim, as relações de sentido pretendidas pelo texto original.

Alternativas
Comentários
  • NUNCA use numa mesma frase “há… atrás“. Fica redundante, porque você está usando duas palavras que indicam o tempo passado. 

  • Há – forma verbal do verbo haver

    ·        Sentido de existir ou tempo passado.

    A – Substantivo definido

    ·        Indicação de distância

    ·        Indicar ação futura

    Sentido irá mudar.

  • ERRADO ...de três anos atrás... (sem o "a")
  • Há 3 anos ou 3 anos atrás = Certo

    A 3 anos atrás = Errado

  • A questão requer conhecimento sobre a diferença entre e a (palavras homônimas homófonas).


    Em referência a tempo, o verbo haver indica passado, devendo apenas se flexionar na 3ª pessoa do singular, visto que se trata de uma oração sem sujeito. Já a preposição a usa-se para tempo futuro.


    Diante disso, a substituição não manteria o mesmo sentido.


    Gabarito da Professora: ERRADO.

  • Há= passado.

    A= futuro.

  • Há - verbo haver, quando indica tempo passado.

    Ex: Há muitos meses não vejo João.

    Ex: Isso ocorreu há muito e muito tempo

    Obs: A ocorrência do advérbio "atrás" junto à forma verbal "há" é considerada pleonasmo vicioso.

    Ex: Há um tempo atrás ele procurou Maria.

    A - preposição, empregada nos casos específicos de regência e para indicar tempo futuro ou distância. 

    Ex: Daqui a pouco ele vai dizer que não teve culpa!

    Ex: O cinema fica a poucas quadras da minha casa.