Para Dejours (1992) , alienação no sentido em que Marx a compreendia nos manuscritos de 1844, isto é, a tolerância graduada segundo os trabalhadores de uma organização do trabalho, que vai contra seus desejos, suas necessidades e sua saúde. Alienação no sentido psiquiátrico também, de substituição da vontade própria do Sujeito pela do Objeto. Nesse caso, trata-se de uma alienação, que passa pelas ideologias defensivas, de modo que o trabalhador acaba por confundir com seus desejos próprios a injunção organizacional que substituiu seu livre arbítrio. Vencido pela vontade contida na organização do trabalho, ele acaba por usar todos os seus esforços para tolerar esse enxerto contra sua natureza, ao invés de fazer triunfar sua própria vontade. Instalado o circuito, é a fadiga que assegura sua perenidade, espécie de chave, necessária para fechar o cadeado do círculo vicioso.
A fadiga, o esgotamento do corpo (mesmo sem considerar as fortes exigências físicas provenientes das regras da economia psicossomática) são uma peça necessária, embora insuficiente, da alienação pela organização do trabalho. Assim, a alienação é mais fácil de ser obtida com os operários cansados, mais fácil no fim do ano do que após as férias, e mais durante a semana do que perto do fim de semana.
A alienação seria, talvez, a etapa necessária e primeira, da qual falamos, a propósito da sujeição do corpo. A organização do trabalho aí aparece como veículo da vontade de um outro, a tal ponto poderosa que, no fim, o trabalhador se sente habitado pelo estranho.
Se o conceito de alienação não for pertinente a nível da análise econômica, isso não quer dizer que ele não seja válido no nível subjetivo e vivido. A alienação é uma verdade clínica que, no caso do trabalho, toma a forma de um conflito onde o desejo do trabalhador capitulou frente à injunção patronal. Se deve haver uma luta por novas relações sociais, ela deveria passar por um processo de desalie-lação. Por não ter sido objeto de um trabalho específico, a alienação corre o risco — a experiência histórica o mostra — de ser transposta tal qual. Podemos nos perguntar em que medida a prevalência concedida à mudança das relações de produção arrisca passar por cima da alienação, sem transtorná-la. Podemos também nos perguntar se o desmantelamento dos mecanismos da alienação não é uma condição necessária, embora insuficiente, para um projeto de transformação social.
Na perspectiva marxista, o trabalho é a transformação da natureza para benefício do homem, com intenções e desejos; por outro lado, na lógica capitalista, a matéria-prima do trabalho deixa de ser a natureza e passa a ser o próprio trabalhador, a sua força de trabalho. Nessa lógica o trabalho não atende aos interesses e desejos do trabalhador, mas aos do mercado e do capital. As consequências desse processo são a alienação do trabalho, a desvalorização, o estranhamento do trabalhador ao produto do seu trabalho e a perda da liberdade. O trabalhador é tanto menos importante quanto mais valorizado for o produto. A compartimentalização do trabalho se intensifica na mesma medida da alienação (Marx, 1844/2004). Assim o trabalho, compreendido como categoria central, mediação da sociabilidade, criador de riquezas e possibilitador da transformação humana, provoca, contraditoriamente, a desumanização
fonte:http://www.scielo.br/pdf/pe/v16n2/a07v16n2