De acordo com a jurisprudência, não se deve declarar a união
estável entre duas pessoas que celebrem expressamente contrato de namoro no
qual esclareçam o propósito de não viverem em união estável, sob pena de se
violar a boa-fé da parte inocente.
O contrato de namoro é aquele em que as partes se manifestam de
forma expressa que não estão vivendo em união estável, visando assegurar que
não há um comprometimento no sentido de constituir família, bem como para
impedir a incomunicabilidade do patrimônio.
Em complemento, não se
pode confundir a união estável com um namoro longo, tido como um namoro qualificado. No último
caso há um objetivo de família futura, enquanto na união estável a família já
existe (animus familiae). Para a configuração dessa intenção de
família no futuro ou no presente, entram em cena o tratamento dos companheiros (tractatus), bem como o reconhecimento
social de seu estado (reputatio). Nota-se,
assim, a utilização dos clássicos critérios para a configuração da posse de
estado de casados também para a união estável. Esses critérios e o projeto
presente ou futuro igualmente servem para diferenciar a união estável de um
noivado. (Tartuce, Flávio. Manual de direito civil: volume único. 6. ed.
rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2016).
Assim decidiu o Superior Tribunal de Justiça,
em entendimento recente, no REsp 1.454.643/RJ, em 03/03/2015:
“2. Não se denota, a partir dos fundamentos
adotados, ao final, pelo Tribunal de origem (por ocasião do julgamento dos
embargos infringentes), qualquer elemento que evidencie, no período anterior ao
casamento, a constituição de uma família, na acepção jurídica da palavra, em
que há, necessariamente, o compartilhamento de vidas e de esforços, com
integral e irrestrito apoio moral e material entre os conviventes. A só
projeção da formação de uma família, os relatos das expectativas da vida no
exterior com o namorado, a coabitação, ocasionada, ressalta-se, pela
contingência e interesses particulares de cada qual, tal como esboçado pelas
instâncias ordinárias, afiguram-se insuficientes à verificação da affectio
maritalis e, por conseguinte, da configuração da união estável.
O propósito de constituir família,
alçado pela lei de regência como requisito essencial à constituição da união
estável - a distinguir, inclusive, esta entidade familiar do denominado
"namoro qualificado" -, não consubstancia mera proclamação, para o
futuro, da intenção de constituir uma família. É mais abrangente. Esta deve se
afigurar presente durante toda a convivência, a partir do efetivo
compartilhamento de vidas, com irrestrito apoio moral e material entre os
companheiros. É dizer: a família deve, de fato, restar constituída. (grifamos).
2.2. Tampouco a coabitação, por si,
evidencia a constituição de uma união estável (ainda que possa vir a
constituir, no mais das vezes, um relevante indício), especialmente se
considerada a particularidade dos autos, em que as partes, por contingências e
interesses particulares (ele, a trabalho; ela, pelo estudo) foram, em momentos
distintos, para o exterior, e, como namorados que eram, não hesitaram em
residir conjuntamente. Este comportamento, é certo, revela-se absolutamente
usual nos tempos atuais, impondo-se ao Direito, longe das críticas e dos
estigmas, adequar-se à realidade social.
3. Da análise acurada dos autos,
tem-se que as partes litigantes, no período imediatamente anterior à celebração
de seu matrimônio (de janeiro de 2004 a setembro de 2006), não vivenciaram uma
união estável, mas sim um namoro qualificado, em que, em virtude do
estreitamento do relacionamento projetaram para o futuro - e não para o
presente -, o propósito de constituir uma entidade familiar, desiderato que,
posteriormente, veio a ser concretizado com o casamento. (grifamos). (STJ. REsp
1454643 RJ 2014/0067781-5. 3ª Turma. Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze.
Julgamento 03/03/2015. DJe 10/03/2015).
Se, porém, duas pessoas, ainda que celebrem contrato expresso de
namoro, no qual esclareçam o propósito de não viverem em união estável, mas
contiver os requisitos da união estável, quais sejam, convivência pública,
contínua e duradoura, estabelecida com o propósito de constituir família,
conforme artigo 1.723 do CC, deve-se sim, declarar a união estável entre essas
duas pessoas.
Gabarito – ERRADO.
Jurisprudência completa (ano de 2015):
RECURSO ESPECIAL E RECURSO ESPECIAL ADESIVO. AÇÃO DE
RECONHECIMENTO E DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL, ALEGADAMENTE COMPREENDIDA NOS
DOIS ANOS ANTERIORES AO CASAMENTO, C.C. PARTILHA DO IMÓVEL ADQUIRIDO NESSE
PERÍODO.
1. ALEGAÇÃO DE NÃO COMPROVAÇÃO DO FATO CONSTITUTIVO DO DIREITO DA
AUTORA. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA.
2. UNIÃO ESTÁVEL. NÃO CONFIGURAÇÃO. NAMORADOS QUE, EM VIRTUDE DE
CONTINGÊNCIAS E INTERESSES PARTICULARES (TRABALHO E ESTUDO) NO EXTERIOR,
PASSARAM A COABITAR. ESTREITAMENTO DO RELACIONAMENTO, CULMINANDO EM NOIVADO E,
POSTERIORMENTE, EM CASAMENTO.
3. NAMORO QUALIFICADO. VERIFICAÇÃO. REPERCUSSÃO PATRIMONIAL.
INEXISTÊNCIA.
4. CELEBRAÇÃO DE CASAMENTO, COM ELEIÇÃO DO REGIME DA COMUNHÃO
PARCIAL DE BENS. TERMO A PARTIR DO QUAL OS ENTÃO NAMORADOS/NOIVOS, MADUROS QUE
ERAM, ENTENDERAM POR BEM CONSOLIDAR, CONSCIENTE E VOLUNTARIAMENTE, A RELAÇÃO
AMOROSA VIVENCIADA, PARA CONSTITUIR, EFETIVAMENTE, UM NÚCLEO FAMILIAR, BEM COMO
COMUNICAR O PATRIMÔNIO HAURIDO. OBSERVÂNCIA . NECESSIDADE.
5. RECURSO ESPECIAL PROVIDO, NA PARTE CONHECIDA; E RECURSO ADESIVO
PREJUDICADO.
1. O conteúdo normativo constante dos arts. 332 e 333, II, da lei
adjetiva civil, não foi objeto de discussão ou deliberação pela instância
precedente, circunstância que enseja o não conhecimento da matéria, ante a
ausência do correlato e indispensável prequestionamento.
2. Não se denota, a partir dos fundamentos adotados, ao final,
pelo Tribunal de origem (por ocasião do julgamento dos embargos infringentes),
qualquer elemento que evidencie, no período anterior ao casamento, a constituição
de uma família, na acepção jurídica da palavra, em que há, necessariamente, o
compartilhamento de vidas e de esforços, com integral e irrestrito apoio moral
e material entre os conviventes. A só projeção da formação de uma família, os
relatos das expectativas da vida no exterior com o namorado, a coabitação,
ocasionada, ressalta-se, pela contingência e interesses particulares de cada
qual, tal como esboçado pelas instâncias ordinárias, afiguram-se insuficientes
à verificação da affectio maritalis e, por conseguinte, da configuração da
união estável.
2.1 O propósito de constituir família, alçado pela lei de regência
como requisito essencial à constituição
da união estável - a distinguir, inclusive, esta entidade familiar do
denominado "namoro qualificado" -, não consubstancia mera
proclamação, para o futuro, da intenção de constituir uma família. É mais
abrangente. Esta deve se afigurar presente durante toda a convivência, a partir
do efetivo compartilhamento de vidas, com irrestrito apoio moral e material
entre os companheiros. É dizer: a família deve, de fato, restar constituída.
2.2. Tampouco a coabitação, por si, evidencia a constituição
de uma união estável (ainda que possa vir a constituir, no mais das vezes, um
relevante indício), especialmente se considerada a particularidade dos autos,
em que as partes, por contingências e interesses particulares (ele, a trabalho;
ela, pelo estudo) foram, em momentos distintos, para o exterior, e, como
namorados que eram, não hesitaram em residir conjuntamente. Este comportamento,
é certo, revela-se absolutamente usual nos tempos atuais, impondo-se ao
Direito, longe das críticas e dos estigmas, adequar-se à realidade social. 3.
Da análise acurada dos autos, tem-se que as partes litigantes, no período
imediatamente anterior à celebração de seu matrimônio (de janeiro de 2004 a
setembro de 2006), não vivenciaram uma união estável, mas sim um namoro
qualificado, em que, em virtude do estreitamento do relacionamento projetaram
para o futuro - e não para o presente -, o propósito de constituir uma entidade
familiar, desiderato que, posteriormente, veio a ser concretizado com o
casamento. 4. Afigura-se relevante anotar que as partes, embora pudessem, não
se valeram, tal como sugere a demandante, em sua petição inicial, do instituto
da conversão da união estável em casamento, previsto no art. 1.726 do Código Civil. Não se trata
de renúncia como, impropriamente, entendeu o voto condutor que julgou o recurso
de apelação na origem. Cuida-se, na verdade, de clara manifestação de vontade
das partes de, a partir do casamento, e não antes, constituir a sua própria
família. A celebração do casamento, com a eleição do regime de comunhão parcial
de bens, na hipótese dos autos, bem explicita o termo a partir do qual os então
namorados/noivos, maduros que eram, entenderam por bem consolidar, consciente e
voluntariamente, a relação amorosa vivenciada para constituir, efetivamente, um
núcleo familiar, bem como comunicar o patrimônio haurido. A cronologia do
relacionamento pode ser assim resumida: namoro, noivado e casamento. E, como é
de sabença, não há repercussão patrimonial decorrente das duas primeiras
espécies de relacionamento. 4.1 No contexto dos autos, inviável o
reconhecimento da união estável compreendida, basicamente, nos dois anos
anteriores ao casamento, para o único fim de comunicar o bem então adquirido
exclusivamente pelo requerido. Aliás, a aquisição de apartamento, ainda que
tenha se destinado à residência dos então namorados, integrou, inequivocamente,
o projeto do casal de, num futuro próximo, constituir efetivamente a família
por meio do casamento. Daí, entretanto, não advém à namorada/noiva direito à
meação do referido bem. 5. Recurso especial provido, na parte conhecida.
Recurso especial adesivo prejudicado. (STJ. REsp 1454643 RJ 2014/0067781-5.
Relator Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE. Julgamento 03/03/2015. Terceira Turma.
DJe 10/03/2015).