TEXTO 1
- Leia o texto abaixo e responda à questão..
EUCLIDES DA CUNHA
Autor de “Os sertões” era, antes de tudo, um órfão sem
casa, um adolescente poeta e um cadete rebelde.
Entenda como sua formação única contribuiu para a
criação de um clássico.
No dia 4 de novembro de 1888, um domingo, o
ministro da Guerra de Dom Pedro II passava em revista as
tropas da Escola Militar da Praia Vermelha quando um
cadete tentou quebrar o próprio sabre e gritou: “Infames!
A mocidade livre, cortejando um ministro da monarquia!”
O rebelde republicano foi expulso, mas recebeu um
convite para escrever no jornal “A província de São Paulo”
(futuro “O Estado de S. Paulo”), onde ficaria célebre seu
nome, Euclides Rodrigues Pimenta da Cunha (1866-1909).
Homenageado da 17ª Festa Literária Internacional de
Paraty (Flip), que começa na quarta-feira (10/07/19),
Euclides é autor de uma das mais potentes interpretações
do Brasil: “Os sertões” (1902). Baseado em reportagens do
autor, o livro narra o confronto entre soldados da jovem
República e sertanejos monarquistas liderados pelo beato
Antônio Conselheiro no interior da Bahia. Após quatro
expedições, o exército dizimou o arraial de Canudos, onde
viviam 25 mil pessoas.
Misto de ensaio, tratado científico e análise social com
caudalosa prosa poética, “Os sertões” é um livro que só
Euclides poderia escrever, graças à sua trajetória e a
interesses únicos. Como explica a crítica literária e
professora emérita da USP Walnice Nogueira Galvão,
estudiosa do autor:
—Ele é um escritor de estilo naturalista com
incrustações de parnasianismo, sobretudo nas descrições
da paisagem. O romantismo é fortíssimo nele e vem de
submersões literárias. É por isso que “Os sertões” é um
livro tão apaixonado.
UNIVERSIDADE NO QUARTEL
—Nascido em Cantagalo, no interior do Rio, o menino
Euclides pulou de casa em casa depois de perder a mãe,
aos anos. Primeiro, morou com uma tia, em Teresópolis.
Quando ela morreu, foi acolhido na fazenda de outra tia,
em São Fidélis, onde iniciou os estudos no Instituto
Colegial Fidelense. Aos 11 anos, morou com a avó paterna
em Salvador.
Euclides aportou no Rio em 1879, aos 13 anos, para
viver com um tio. Matriculou-se no Colégio Aquino, onde
teve Benjamin Constant como professor de matemática.
Veterano da Guerra do Paraguai, republicano e positivista
fervoroso, Constant colaboraria com o golpe que derrubou
a monarquia e foi ministro da Guerra e da Instrução
Pública no governo provisório. Suas lições transformaram
Euclides num republicano irredutível.
Mas nem tudo era militância. No Aquino, Euclides leu
os poetas românticos Fagundes Varela e Castro Alves. Seu
pai, que era guarda-livros, publicara versos em
homenagem ao poeta de “O navio negreiro”. Ainda
adolescente, Euclides preencheu um caderno com poemas.
Fã das imagens marítimas do francês Victor Hugo, deu-lhe
o título de “Ondas”. Mais tarde, publicou poemas na
revista editada pelos alunos da Praia Vermelha. Que fique
claro: os versos nem de longe lembram a beleza da prosa
de “Os sertões”:
—Euclides era um bom avaliador dos próprios méritos
e renegou sua poesia — conta Walnice Nogueira Galvão.
As leituras românticas compensavam a aridez da ciência
positivista.
—Virou lugar-comum associá-lo ao positivismo, mas
sua grande influência foi o romantismo —afirma Francisco
Foot Hardman, professor da Unicamp. — Ele pensava num
diálogo entre criação literária e conhecimento científico.
Esse diálogo vinha da Escola Militar. No Brasil imperial
e escravocrata, ela formava soldados comprometidos com
a República, a abolição e a filosofia positivista. Um dos
professores mais populares da Praia Vermelha era,
novamente, Benjamin Constant.
—Os próprios alunos chamavam a Escola Militar de
Tabernáculo da Ciência. Para eles, ciência era o positivismo
de Comte e os evolucionismos e biologismos de Darwin,
Spencer e Haeckel—diz o historiador José Murilo de
Carvalho, autor de “Forças armadas e política no Brasil”,
que tem um capítulo sobre o autor. — Era uma
universidade dentro de um quartel.
Um ano após aquele incidente dos gritos contra o
ministro monarquista a República foi proclamada e,
Euclides, reincorporado ao Exército. Em 1891, ingressou na
Escola Superior de Guerra. Na imprensa, defendia a
consolidação da República — mas não deixou de censurar
o mestre Constant, que, ao ser nomeado ministro,
distribuiu cargos a parentes. “Perdeu a auréola, desceu à
vulgaridade de um político qualquer”, denunciou, em carta
ao pai.
—Euclides era um republicano puro. A realidade da
política logo o levou a se desencantar com o novo regime e
com o próprio Constant – diz Carvalho. — E o crime
cometido em Canudos pelo Exército foi a gota d’água.
REVENDO CONCEITOS
Quando estourou a Guerra de Canudos, Euclides
considerava os sertanejos inimigos da ordem e do
progresso republicanos. Comparou o povo de Canudos aos
camponeses rebeldes que se opuseram à Revolução
Francesa.
Mudou de opinião depois de assistir ao massacre dos
sertanejos pelas forças republicanas. Em “Os sertões”,
registrou ou últimos defensores de Canudos: “eram quatro
apenas: um velho, dois homens feitos e uma criança, na
frente dos quais rugiam raivosamente 5 mil soldados”.
O sucesso de “Os sertões” possibilitou o ingresso em
instituições que o credenciavam como homem da ciência e
da arte: o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB)
e a Academia Brasileira de Letras (ABL). Passou a colaborar
com revistas científicas e literárias e, entre 1904 e 1906,
incursionou pela Amazônia como chefe da Comissão Mista
Brasil-Peru.
O sucesso, porém, durou pouco. Em 15 de agosto de
1909, Euclides invadiu a casa do tenente Dilermando de
Assis, amante de sua mulher, Anna, para vingar sua honra.
Acertou dois tiros no rival, que revidou e o matou
imediatamente. Notícias da Tragédia da Piedade
alastraram-se por todo o país. E o episódio virou até série
da Globo. Agora, 110 anos depois, o próprio autor e sua
obra ganham novos olhares.
GABRIEL, Ruan de Souza. O Globo, 06/07/2019, Segundo
Caderno, p. 1.
Para caracterizar o estilo e a grandeza literária de Euclides
da Cunha, o autor do texto 1, parte da afirmativa: “Misto
de ensaio, tratado científico e análise social com caudalosa
prosa poética, ‘Os sertões’ é um livro que só Euclides
poderia escrever, graças à sua trajetória e a interesses
únicos” (3º §), além de recorrer ao testemunho de
proeminentes professores. Com base nas informações
contidas no texto, quanto ao gênero literário, está correto
definir “
Os sertões” no gênero: