SóProvas


ID
1122643
Banca
FUMARC
Órgão
PC-MG
Ano
2013
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

O mais terrível não era a menina me chamando de "tio" e pedindo um trocado, ela de pé no chão no asfalto e eu no meu carro de bacana. O mais terrível não era eu escolhendo a cara e a voz para dizer que não tinha trocado, desculpe, como se a vergonha tivesse um protocolo que a absolvesse. O mais terrível foi nem a naturalidade com que ela cuspiu na minha cara. O mais terrível foi que ela era tão pequena que a cusparada não me atingiu.

Somos boas pessoas, bons cidadãos e bons pais, mas somos tios relapsos. Nossas sobrinhas e nossos sobrinhos enchem as ruas de nossas cidades, cercam nossos carros, invadem nossas vidas e insistem que são nossa família, e não temos nada para lhes dar ou dizer, além de esmola ou "desculpe". Na família brasileira "tios" e sobrinhos têm um diálogo de ameaça e medo, revolta e remorso, e poucas palavras. Nenhum consolo possível, nenhuma esperança, nenhuma explicação. O que dizer a uma sobrinha cuja cabeça mal chega à janela do carro e tenta cuspir na cara do tio? Feio. Falta de educação. Papai do céu castiga. Paciência, minha filha, este é apenas um ciclo econômico e a nossa geração foi escolhida para este vexame, você aí desse tamanho pedindo esmola e eu aqui sem nada para te dizer, agora afasta que abriu o sinal. Não pergunte ao titio quem fez a escolha, é tudo muito complicado e, mesmo, você não entenderia a teoria. Vá cheirar cola, para passar. Vá morrer, para esquecer. Ou vá crescer, para me matar na próxima esquina.

A história, dizem, terminou, e os mocinhos ganharam. Os realistas, os antiutópicos, os racionais. Ficou provado que a solidariedade é antinatural e que cada um deve cuidar dos apetites dos seus. Ou seja: ninguém é "tio" de ninguém. A família humana é um mito, o sofrimento alheio é um estorvo e se a miséria à tua volta te incomoda, compra uma antena parabólica. Ninguém é insensível, dizem os mocinhos, mas a compaixão não funciona. Todos esses anos de convivência com a dor dos outros, que deviam ter nos educado para a compaixão, nos educaram para a autodefesa, para cuspir primeiro. Os bons sentimentos faliram, dizem os mocinhos. Confiemos o futuro ao mercado, que não tem sentimentos, que tritura gerações entre seus dedos invisíveis, pra que se envolver? Afasta do carro que abriu o sinal.

Mas mais terrível do que tudo é eu ficar aqui, escolhendo frases para encher o papel, até cuidando o estilo, já que é domingo. Como se fizesse alguma diferença. Como se isso fosse nos salvar, o tio da sua impotência e cumplicidade e a sobrinha anônima do seu destino. Desculpe.

Sobre o Texto 1, NÃO é correto afirmar que

Alternativas
Comentários
  • Fonte: VERÍSSIMO, Luis Fernando; FONSECA, Joaquim da. Traçando Porto Alegre. Porto Alegre: Artes e Ofícios, 1995, p. 87-88.

     

    Gabarito: A.

     

    O autor não sugere nenhuma medida para tirar os menores da rua.

  • A questão requer interpretação textual em que, a partir das ideias contidas no texto, podemos compreender a intencionalidade do autor.


    É necessário nos atentarmos para a palavra “não", no enunciado, a fim de assinalarmos a alternativa cujas ideias não correspondam às do texto.


    ALTERNATIVA (A) – Não há, em nenhum momento do texto, sugestões para tirar os menores da rua, há apenas reflexões e críticas a essa triste realidade.


    ALTERNATIVA (B) – Embora o texto seja uma narrativa fictícia, a intenção discursiva é fazer com que nós – leitores – reflitamos sobre a realidade histórica, social e econômica que vive a maioria da população brasileira, crianças marginalizadas pela sociedade, esquecidas por aqueles os quais deveriam, realmente, cuidar para que esse cenário possa mudar.


    ALTERNATIVA (C) – Retrata a triste situação do cotidiano urbano: crianças que, ao invés de estarem estudando, brincando, vivem de pedir esmolas, e o narrador ainda percebe que a sociedade fecha os olhos para essa realidade.


    ALTERNATIVA (D) – O narrador faz uma crítica ao perceber que esse cenário acontece diariamente e a sociedade fica indiferente e insensível à situação, é como se nada estivesse acontecendo. Isso pode ser comprovado nos segundo e terceiro parágrafos.


    GABARITO DA PROFESSORA: ALTERNATIVA (A).

  • QUE TEXTO!

  • (A)

    ALTERNATIVA (B) – Embora o texto seja uma narrativa fictícia, a intenção discursiva é fazer com que nós – leitores – reflitamos sobre a realidade histórica, social e econômica que vive a maioria da população brasileira, crianças marginalizadas pela sociedade, esquecidas por aqueles os quais deveriam, realmente, cuidar para que esse cenário possa mudar.

    ALTERNATIVA (C) – Retrata a triste situação do cotidiano urbano: crianças que, ao invés de estarem estudando, brincando, vivem de pedir esmolas, e o narrador ainda percebe que a sociedade fecha os olhos para essa realidade.

    ALTERNATIVA (D) – O narrador faz uma crítica ao perceber que esse cenário acontece diariamente e a sociedade fica indiferente e insensível à situação, é como se nada estivesse acontecendo. Isso pode ser comprovado nos segundo e terceiro parágrafos.

    Fonte QC