SóProvas


ID
1122652
Banca
FUMARC
Órgão
PC-MG
Ano
2013
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

O mais terrível não era a menina me chamando de "tio" e pedindo um trocado, ela de pé no chão no asfalto e eu no meu carro de bacana. O mais terrível não era eu escolhendo a cara e a voz para dizer que não tinha trocado, desculpe, como se a vergonha tivesse um protocolo que a absolvesse. O mais terrível foi nem a naturalidade com que ela cuspiu na minha cara. O mais terrível foi que ela era tão pequena que a cusparada não me atingiu.

Somos boas pessoas, bons cidadãos e bons pais, mas somos tios relapsos. Nossas sobrinhas e nossos sobrinhos enchem as ruas de nossas cidades, cercam nossos carros, invadem nossas vidas e insistem que são nossa família, e não temos nada para lhes dar ou dizer, além de esmola ou "desculpe". Na família brasileira "tios" e sobrinhos têm um diálogo de ameaça e medo, revolta e remorso, e poucas palavras. Nenhum consolo possível, nenhuma esperança, nenhuma explicação. O que dizer a uma sobrinha cuja cabeça mal chega à janela do carro e tenta cuspir na cara do tio? Feio. Falta de educação. Papai do céu castiga. Paciência, minha filha, este é apenas um ciclo econômico e a nossa geração foi escolhida para este vexame, você aí desse tamanho pedindo esmola e eu aqui sem nada para te dizer, agora afasta que abriu o sinal. Não pergunte ao titio quem fez a escolha, é tudo muito complicado e, mesmo, você não entenderia a teoria. Vá cheirar cola, para passar. Vá morrer, para esquecer. Ou vá crescer, para me matar na próxima esquina.

A história, dizem, terminou, e os mocinhos ganharam. Os realistas, os antiutópicos, os racionais. Ficou provado que a solidariedade é antinatural e que cada um deve cuidar dos apetites dos seus. Ou seja: ninguém é "tio" de ninguém. A família humana é um mito, o sofrimento alheio é um estorvo e se a miséria à tua volta te incomoda, compra uma antena parabólica. Ninguém é insensível, dizem os mocinhos, mas a compaixão não funciona. Todos esses anos de convivência com a dor dos outros, que deviam ter nos educado para a compaixão, nos educaram para a autodefesa, para cuspir primeiro. Os bons sentimentos faliram, dizem os mocinhos. Confiemos o futuro ao mercado, que não tem sentimentos, que tritura gerações entre seus dedos invisíveis, pra que se envolver? Afasta do carro que abriu o sinal.

Mas mais terrível do que tudo é eu ficar aqui, escolhendo frases para encher o papel, até cuidando o estilo, já que é domingo. Como se fizesse alguma diferença. Como se isso fosse nos salvar, o tio da sua impotência e cumplicidade e a sobrinha anônima do seu destino. Desculpe.

A alternativa que melhor justifica o pedido de “desculpas” do autor é:

Alternativas
Comentários
  • que questao mais besta. se ele nao tinha trocado,justifica o pedido de desculpas por nao ter o que dizer. nada a ver com o seu oficio de escritor...

  • Ele pede desculpas no final do texto tbm e é sobre isso que a questão trata.

  • Mas mais terrível do que tudo é eu ficar aqui, escolhendo frases para encher o papel, até cuidando o estilo, já que é domingo. Como se fizesse alguma diferença. Como se isso fosse nos salvar, o tio da sua impotência e cumplicidade e a sobrinha anônima do seu destino. Desculpe. 

  • Ronaldo, o único momento em que o autor pede desculpas é no fim do texto.

    "Nossas sobrinhas e nossos sobrinhos enchem as ruas de nossas cidades, cercam nossos carros, invadem nossas vidas e insistem que são nossa família, e não temos nada para lhes dar ou dizer, além de esmola ou "desculpe". Nesse primeiro trecho, ele apenas narra uma situação que acontece cotidianamente, com todos nós. O "desculpe" assume apenas o papel de substantivo, assim como "esmola".

    Já no último parágrafo, o próprio autor se desculpa pela sua impotência: "Mas mais terrível do que tudo é eu ficar aqui, escolhendo frases para encher o papel, até cuidando o estilo, já que é domingo. Como se fizesse alguma diferença. Como se isso fosse nos salvar, o tio da sua impotência e cumplicidade e a sobrinha anônima do seu destino. Desculpe."

  • O português dessa banca não é compreensível...da Bug !

  • A questão requer interpretação textual em que, a partir das ideias contidas no texto, podemos compreender a intencionalidade do autor.



    ALTERNATIVA (A) INCORRETA – O pedido de “desculpas" não tem relação econômica, mas uma relação de incapacidade por não se sentir capaz de mudar a situação das crianças de rua.



    ALTERNATIVA (B) INCORRETA – Embora o problema da menina seja um resultado de políticas sociais, o pedido de “desculpas" do narrador é por conta de sua impotência diante dos problemas alheios.



    ALTERNATIVA (C) CORRETA – Ele percebe que escrever não vai fazer diferença alguma para mudar a situação, por isso o pedido de desculpas.



    ALTERNATIVA (D) CORRETA – Penso que esta alternativa também possa ser possível, pois, no primeiro e no segundo parágrafo, o narrador sentindo-se impotente diante da situação, pede desculpas. Então, acredito que as “desculpas" sejam a única comunicação possível naquele momento.


    A meu ver, esta questão deveria ser anulada por ter duas alternativas passíveis de serem a resposta correta, porém a Banca optou por manter o gabarito letra (C).



    GABARITO DA PROFESSORA: Possibilidade de duplo gabarito (C/D).
    GABARITO DA BANCA: Letra C.

  • A meu ver, o gabarito mais apropriado para essa questão é a letra D.

    Atentem para o trecho: Nossas sobrinhas e nossos sobrinhos enchem as ruas de nossas cidades, cercam nossos carros, invadem nossas vidas e insistem que são nossa família, e não temos nada para lhes dar ou dizer, além de esmola ou "desculpe".

    Fica claro que, diante da situação, há apenas duas possibilidades: dar esmola ou pedir desculpas. Assim, o pedido de desculpas é a única comunicação possível.

    A alternativa C também não está errada, porém dá a entender que o autor exerce a profissão de escritor, o que não se pode afirmar com base no texto. Como a questão pede a alternativa que melhor justifica o pedido de “desculpas” do autor, a alternativa D me parece mais acertada.