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ID
115744
Banca
CESPE / CEBRASPE
Órgão
AGU
Ano
2007
Provas
Disciplina
Direito Internacional Público
Assuntos

Em outubro de 1998, o general Augusto Pinochet, ex-presidente do Chile, foi preso em Londres por autoridades britânicas após a decisão de um magistrado espanhol. Em outubro do mesmo ano, uma corte inglesa decidiu sobre a prisão de Pinochet analisando a questão da imunidade de chefe de Estado, os crimes de tortura e genocídio por ele perpetrados quando presidente do Chile e os tratados internacionais dos quais a Inglaterra é signatária. Ainda de acordo com a doutrina e a legislação pertinente, e com base no texto acima, julgue o item a seguir.

Em tese, teria sido possível a prisão de Pinochet no Brasil, em decorrência de o país aceitar, atendidos determinados requisitos, o princípio da justiça universal, expressão do princípio da extraterritorialidade na persecução penal.

Alternativas
Comentários
  • Item "certo"

    PRINCÍPIO DA JUSTIÇA UNIVERSAL, pois atinge interesse da humanidade. Pune-se o infrator onde ele for encontrado.

    Obs: O princípio da territorialidade pode ser absoluto (aplica a territorialidade sem exceções) ou relativo (admite-se exceção). Diferentemente do CPP, o CP adotou a territorialidade RELATIVA ou TEMPERADA PELA INTRATERRITORIALIDADE (“sem prejuízo de convenções, tratados e regras de direito internacional”), por isso Pinochet poderia ser preso no Brasil atendento o princípio da justiça universa.

  • Princípio da justiça universal no Brasil: de todas as hipóteses de extraterritorialidade incondicionada (CP, art. 7.o, I) apenas uma delas se relaciona com o princípio da justiça universal, que é a descrita na alínea d, do art. 7.º, I, do CP: "genocídio, quando o agente for brasileiro ou domiciliado no Brasil". Outra hipótese de incidência do princípio citado, na nossa legislação, está contida no art. 7.º, II, do mesmo Código: crimes que, por tratado ou convenção, o Brasil se obrigou a reprimir. A diferença entre as duas situações está em que, na primeira, a extraterritorialidade é incondicionada (não depende de nenhuma condição), e na segunda ela é condicionada (depende do concurso de uma série de condições, previstas no art. 7.º, 2.º, do CP: a. entrar o agente no território brasileiro não importa que depois tenha saído; b. ser o fato punível também no país em que foi praticado; c. estar o crime incluído entre aqueles pelos quais a lei brasileira autoriza a extradição; d. não ter sido o agente absolvido no estrangeiro ou não ter aí cumprido a pena leia-se: se o agente foi só processado no estrangeiro, não está impedido o processo no Brasil; de outro lado, se o agente foi condenado no estrangeiro e ainda não cumpriu a pena, também pode ser processado no Brasil; e. não ter sido o agente perdoado no estrangeiro ou, por outro motivo, não estar extinta a punibilidade, segundo a lei mais favorável).

    Embora vigente entre nós o princípio da justiça universal, por que o Brasil não tem tido grande protagonismo internacional nesse campo? O que ocorre é que fora do caso do genocídio cometido por brasileiro ou agente domiciliado no Brasil (que é uma situação muito rara), nossa legislação (em relação aos crimes previstos nos tratados internacionais) impõe uma série de condições difíceis de serem concretizadas.

  • Qual país vinha ganhando destaque absoluto nessa área? Tratava-se da Espanha. Por quê? A Justiça espanhola, até o advento de uma recente reforma legislativa (15.10.09), abriu processos para apurar crimes ocorridos no Tibet, na Guatemala, em El Salvador, Chile, Israel, Ruanda etc. No ano de 2009 chegou a instaurar seu décimo terceiro processo, desta feita contra os Estados Unidos, para investigar os crimes ocorridos na prisão de Guantánamo. O órgão jurisdicional competente para esses processos, na Espanha, é a Audiência Nacional (que conta com jurisdição universal). Um março histórico dessa espécie de justiça universal foi a prisão do ex-presidente chileno, AUGUSTO PINOCHET, na Inglaterra, prisão essa decretada pelo juiz espanhol (da Audiência Nacional) BALTAZAR GARZÓN. PINOCHET chegou a ser levado ao tribunal chileno, mas a punibilidade acabou sendo extinta em razão da sua morte (em 2006).

    O fundamento ético dessa jurisdição universal reside na imperiosa necessidade de apuração e condenação, em qualquer lugar do planeta, dos bárbaros delitos cometidos com violação dos direitos humanos[1]. Inicialmente nascido para os casos de pirataria e, posteriormente, para os casos de crimes de guerra, o princípio da jurisdição universal vem se consolidando paulatinamente, estando ainda (pode-se dizer) em processo de formação. Ao menos já se consolidou o entendimento de que aqueles que detêm o poder e causam graves violações de direitos humanos não podem ficar impunes, porque essa impunidade afeta profundamente o regime democrático de Estado.  

  • (CONT. PARTE III).

    É justamente o exercício (legítimo) dessa jurisdição universal que vinha destacando a justiça espanhola, visto que ela podia (por lei) julgar inúmeros delitos (genocídio, terrorismo, pirataria e apoderamento de aeronaves, falsificação de moeda etc.), independentemente do local da infração e das qualidades da vítima ou do agente (ou seja: não era preciso que o agente ou a vítima fosse espanhol, não era preciso que o delito afetasse interesses diretos da Espanha etc.).

    A Corte Constitucional da Espanha, no ano de 2009, contrariando decisão do Tribunal Supremo, confirmou a constitucionalidade da lei que previa a jurisdição universal da Audiência Nacional. O fundamento jurídico dessa chamada "justiça universal", portanto, residia, tanto na lei como nos tratados firmados pelo país ibérico. [...]

    Mas claro que nem tudo era um mar de rosas: era muito difícil a colheita de provas, o custo desses processos era bastante elevado, a complexidade dessas causas era enorme e ainda existiam as delicadíssimas questões diplomáticas (v.g., China e Israel já ameaçaram romper relações com Espanha caso prosseguissem os processos instaurados contra integrantes dos respectivos governos).

    No último dia 15.10.09 o Parlamento espanhol, sucumbindo às pressões internacionais, aprovou a reforma da Lei Orgânica do Poder Judicial no que diz respeito à jurisdição universal. Importantes restrições foram impostas e, dessa forma, os juízes (espanhóis) já não podem aplicar o princípio da justiça universal de forma ampla, geral e irrestrita. [...]

    A jurisdição universal, doravante, neste país, só pode ter incidência quando autor do fato esteja no território espanhol ou que existam vítimas de nacionalidade espanhola ou que se constate alguma conexão relevante com a Espanha. De outro lado, a persecução só é possível se inexistir algum outro processo contra o imputado. O princípio da justiça universal na Espanha, como se vê, ganhou os mesmos contornos dos seus países vizinhos (e, agora, já não se distingue tanto do que vale no Brasil).

    GOMES, Luiz Flávio. Princípio da Justiça Universal: Espanha estringe sua aplicação. Disponível em http://www.lfg.com.br - 26 outubro. 2009.

  • Princípio da justiça universal (art.7.º,II, a) preconiza o poder de cada Estado de punir qualquer crime, seja qual for a nacionalidade do delinqüente e da vitima, ou o local da sua prática.
    Art. 7º - Ficam sujeitos à lei brasileira, embora cometidos no estrangeiro:
    II - os crimes:  (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

            a) que, por tratado ou convenção, o Brasil se obrigou a reprimir;

  • Alguém sabe como fica, nesses casosm, a questão da imunidade do chefe de Estado?
  • Elisa, a imunidade do Chefe de Estado é desconsiderada em face do princípio da irrelevância da qualidade oficial, consagrado pelo art. 27 do Estatuto de Roma - norma fundamental do Tribunal Penal Internacional, o qual o Brasil faz parte (Decreto nº 4.388/2002). Neste sentido, o Informativo 554 do STF (transcrições - editado):

    "Submete-se, ao Supremo Tribunal Federal, o exame de pedido de cooperação judiciária que objetiva a detenção – para ulterior entrega ao Tribunal Penal Internacional – de determinado Chefe de Estado estrangeiro, em pleno exercício de suas funções como Presidente da República de um país africano. Em face do que estabelece o Estatuto de Roma em seu Artigo 27 (princípio da irrelevância da qualidade oficial), que a condição política de Chefe de Estado, como sucede no caso em exame, não se qualifica como causa excludente da responsabilidade penal do agente nem fator que legitime a redução da pena cominada aos crimes de genocídio, contra a humanidade, de guerra e de agressão."

    Por sua vez, o referido art. 27, I do Estatuto de Roma diz o seguinte:
    "O presente Estatuto será aplicável de forma igual a todas as pessoas sem distinção alguma baseada na qualidade oficial. Em particular, a qualidade oficial de Chefe de Estado ou de Governo, de membro de Governo ou do Parlamento, de representante eleito ou de funcionário público, em caso algum eximirá a pessoa em causa de responsabilidade criminal nos termos do presente Estatuto, nem constituirá de per se motivo de redução da pena."

    Bons estudos!
  • Gabarito: Certo.
    Código Penal:
    Art. 7º - Ficam sujeitos à lei brasileira, embora cometidos no estrangeiro:
    II - os crimes:
    a) que, por tratado ou convenção, o Brasil se obrigou a reprimir;
    § 2º - Nos casos do inciso II, a aplicação da lei brasileira depende do concurso das seguintes condições:
    a) entrar o agente no território nacional;
    b) ser o fato punível também no país em que foi praticado;  
    c) estar o crime incluído entre aqueles pelos quais a lei brasileira autoriza a extradição;
    d) não ter sido o agente absolvido no estrangeiro ou não ter aí cumprido a pena;
    e) não ter sido o agente perdoado no estrangeiro ou, por outro motivo, não estar extinta a punibilidade, segundo a lei mais favorável.
    OBS: trata-se de hipótese de extraterritorialidade condicionada.