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ID
1174147
Banca
VUNESP
Órgão
PRODEST-ES
Ano
2014
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

A pátria de ponteiros


       Numa demonstração de inequívoca coragem, Fritz pediu uma feijoada. Eu comentei que, aparentemente, ele não estava tendo dificuldades de adaptação. O alemão disse que não.
       Por conta do seu trabalho, viajava o mundo todo. A única coisa que lhe incomodava, no Brasil, era nunca saber quando as pessoas chegariam aos encontros. “O pessoa manda mensagem, diz ‘tô chegando!’, mas pessoa chega só quarenta minutos depois”. Então me fez a pergunta que só poderia vir de um compatriota de Emanuel Kant*: “Quando a brasileiro diz ‘tô chegando!’, em quanto tempo brasileiro chega?”
       Pensei em mentir, em dizer que uns atrasam, mas outros aparecem rapidinho. Achei, porém, que em nome de nossa dignidade - ali, naquela mesa, eu era a “pátria de ponteiros” - o melhor seria falar a verdade: “Fritz, é assim: quando o brasileiro diz ‘tô chegando!’ é porque, na real, ele tá saindo”. Tentei atenuar o assombro do alemão: veja, não é exatamente mentira, afinal, ao pôr o pé pra fora de casa dá-se início ao processo de chegada, assim como ao sair do útero se começa a caminhar para a cova. É só uma questão de perspectiva.
       “Mas e quando o pessoa diz ‘tô saindo!’?” Expliquei que as declarações do brasileiro, no que tange ao atraso, estão sempre uma etapa à frente da realidade. Se a pessoa diz que está chegando, é porque tá saindo, e se diz que tá saindo, é porque ainda precisa tomar banho, tirar a roupa da máquina e botar comida pro cachorro.
  Fritz ficou pensativo. “E o ‘cinco minutinhos’?”
       Já o “cinco minutinhos!” é um pouco mais vago. Pode significar tanto que o brasileiro está a cem metros do destino quanto a 27 quilômetros. Às vezes, cinco minutinhos demoram muito mais do que quinze, mais do que uma hora; há casos, até, em que a pessoa a cinco minutinhos jamais aparece.
       Fritz ficou olhando o chope, imaginando, talvez, na espuma branca, a tomografia multicolor desses cérebros tropicais. Senti que era o momento de mudar de assunto, de mostrar ressonâncias, digamos, mais magnéticas do nosso país. Chamei o garçom. “Chefe, a gente pediu uma feijoada, já faz um tempinho...” “Tá chegando, amigo, tá chegando!”  

(Antonio Prata. Folha de S.Paulo, 23.02.2014. Adaptado)

* Emanuel Kant: filósofo de origem alemã

De acordo com o texto, em seu diálogo com Fritz, o narrador.

Alternativas
Comentários
  • Letra C

    ‘tô saindo!’?” Expliquei que as declarações do brasileiro, no que tange ao atraso, estão sempre uma etapa à frente da realidade. Se a pessoa diz que está chegando, é porque tá saindo, e se diz que tá saindo, é porque ainda precisa tomar banho, tirar a roupa da máquina e botar comida pro cachorro.

  • Belo texto. A resenha da parte do texto: “Chefe, a gente pediu uma feijoada, já faz um tempinho...” “Tá chegando, amigo, tá chegando!”  kkkkkkkkkkkkkk

  • Cheguei a conclusão daresposta certa quando lí este parágrafo:

    " Pensei em mentir, (elimina alternativa D) em dizer que uns atrasam, mas outros aparecem rapidinho. Achei, porém, que em nome de nossa dignidade - (elimina a alternativa A) ali, naquela mesa, eu era a “pátria de ponteiros” - o melhor seria falar a verdade: “Fritz, é assim: .........." (elimina a questão E, e ressalta  a questão C)

    Espero ter ajudado!




  • Letra E.

    "Expliquei (explicou ao amigo alemão) que as declarações do brasileiro (como os brasileiros), no que tange ao atraso, estão sempre uma etapa à frente da realidade (se comportam). Se a pessoa diz que está chegando, é porque tá saindo, e se diz que tá saindo, é porque ainda precisa tomar banho, tirar a roupa da máquina e botar comida pro cachorro (por meio da descrição de situações cotidianas)"

  • Adorei o texto, hahahaha!

    Letra C

    “Fritz, é assim: quando o brasileiro diz ‘tô chegando!’ é porque, na real, ele tá saindo”. Tentei atenuar o assombro do alemão: veja, não é exatamente mentira, afinal, ao pôr o pé pra fora de casa dá-se início ao processo de chegada, assim como ao sair do útero se começa a caminhar para a cova. É só uma questão de perspectiva.


  • a) sentiu-se envergonhado e pediu desculpas a Fritz pela falta de civilidade que, infelizmente, é prática corriqueira no Brasil.
    Em momento algum o narrador pede desculpas a Fritz.

     b)empregou linguagem formal e ininteligível para definir a pontualidade dos brasileiros, visto que seu objetivo era ludibriar Fritz.
    O narrador não usou linguagem formal, muito menos ininteligível...

     c)explicou ao amigo alemão, por meio da descrição de situações cotidianas, como os brasileiros se comportam em relação a horários e compromissos.
    Alternativa correta. O narrador realmente utiliza-se de situações cotidianas:
     Fritz, é assim: quando o brasileiro diz ‘tô chegando!’ é porque, na real, ele tá saindo”
     Se a pessoa diz que está chegando, é porque tá saindo, e se diz que tá saindo, é porque ainda precisa tomar banho, tirar a roupa da máquina e botar comida pro cachorro.
    Essa situações são tão comuns, que aposto que todos que leram o texto se identificaram.

    d)optou por mentir ao amigo estrangeiro ao dar sua resposta, pois, afinal, precisava defender e representar a “pátria de ponteiros”
    O narrador não mentiu: "Pensei em mentir, em dizer que uns atrasam, mas outros aparecem rapidinho. Achei, porém, que em nome de nossa dignidade - ali, naquela mesa, eu era a “pátria de ponteiros” - o melhor seria falar a verdade:"

    e)tentou convencer o alemão de que o respeito à pontualidade é um exagero, recomendando a Fritz ser menos perfeccionista no trabalho.
    Alternativa absurda....

  • Sensacional o texto.

    Resp. C

  • muito bom o texto. o interessante é que, quando pegamos um texto assim, nos concentramos mais e consequentemente temos de fazer menos leituras do mesmo para responder a questão.

    agora a vuvu me vem com poemas de 635 figuras de linguagem, ai é embaçado.

  • Assertiva C

    explicou ao amigo alemão, por meio da descrição de situações cotidianas, como os brasileiros se comportam em relação a horários e compromissos.

    Fda