O espírito das leis
- O mais difícil, em certos processos, não é julgar os fatos expostos. É julgar os fatos ocultos.
Foi o que ouvi, há muito tempo, quando eu ainda pensava em fazer Direito, de um parente juiz. Estranhei a expressão “fatos ocultos”, que me cheirou a esoterismo, mas ele explicou:
- A gente costuma estudar um caso, avaliar as razões das partes, pesar os dados levantados, consultar minuciosamente a legislação e a jurisprudência, para, enfim, dar a sentença. Mas há situações em que a intuição e a experiência de um juiz fazem-no sentir que a verdade profunda do caso não foi exposta. Por vezes, ao ouvir os litigantes, esse sentimento cresce ainda mais. Aí a tarefa fica difícil. Objetivamente, um juiz não pode ignorar o que está nos autos; subjetivamente, no entanto, ele sabe que há mais complexidade na situação a ser julgada do que fazem ver as palavras do processo. Esses são os fatos ocultos; essa é a verdade que sofreu um processo de camuflagem da parte do impetrante, do impetrado ou de ambos.
- E o que faz você numa situação dessa?
- Ele parou de falar por um tempo, dando a impressão de que não iria responder. Mas acabou esclarecendo:
- Aplico a lei, naturalmente. É tudo o que devo e posso fazer. No entanto, para isso preciso também sentir o que se entende por espírito da lei, aquilo que nem sempre está nela explicitado com todas as letras, mas constitui, sem qualquer dúvida, o que a justifica e a legitima em sua profundidade. Como vê, às vezes julgo fatos ocultos com o concurso do espírito...
Foi uma manifestação de bom humor, não um gracejo; foi uma lição que me ficou, que me parece útil para muitas situações da nossa vida.
(Etelvino Corrêa e Souza, inédito)
Na frase essa é a verdade que sofreu um processo de camuflagem, o segmento sublinhado tem sentido equivalente ao da expressão: