Atenção: Para responder a questão considere o texto abaixo.
Ler um livro é desinteressar-se a gente deste mundo co- mum e objetivo para viver noutro mundo. A janela iluminada noi- te adentro isola o leitor da realidade da rua, que é o sumidouro da vida subjetiva. Árvores ramalham. De vez em quando pas- sam passos. Lá no alto estrelas teimosas namoram inutilmente a janela iluminada. O homem, prisioneiro do círculo claro da lâmpada, apenas ligado a este mundo pela fatalidade vegetativa do seu corpo, está suspenso no ponto ideal de uma outra di- mensão, além do tempo e do espaço. No tapete voador só há lugar para dois passageiros: Leitor e autor. O leitor ingênuo é simplesmente ator. Quero dizer que, num folhetim ou num romance policial, procura o reflexo dos seus sentimentos imediatos, identificando-se logo com o pro- tagonista ou herói do romance. Isto, aliás, se dá mais ou menos com qualquer leitor, diante de qualquer livro; de modo geral, nós nos lemos através dos livros. Mas no leitor ingênuo, essa lei dos reflexos toma a forma de um desinteresse pelo livro como obra de arte. Pouco importa a impressão literária, o sabor do estilo, a voz do autor. Quer di- vertir-se, esquecer as pequenas misérias da vida, vivendo ou- tras vidas desencadeadas pelo bovarismo da leitura. E tem ra- zão. Há dentro dele uma floração de virtualidades recalcadas que, não encontrando desimpedido o caminho estreito da ação, tentam fugir pela estrada larga do sonho. Assim éramos nós então, por não sabermos ler nas en- trelinhas. E daquela primeira fase de educação sentimental, que parecia inevitável como as espinhas, passava quase sempre o jovem monstro para uma crise de hipercrítica. Devido à neces- sidade de um restabelecimento de equilíbrio, o excesso engen- drava o excesso contrário. A pouco e pouco os românticos per- diam terreno em proveito dos naturalistas. Dava-se uma verda- deira subversão de valores na escala da sensibilidade e a fanta- sia comprazia-se em derrubar os antigos ídolos. Formava-se muitas vezes, coincidindo com manifestações mórbidas que são do domínio da psicanálise, um pedantismo da clarividência, tão nocivo como a intemperança imaginosa ou sentimental, e talvez mais ingênuo, pois refletia um ressentimento de namorado ain- da ferido nas suas primeiras ilusões.
(Adaptado de: MEYER, Augusto. “Do Leitor”, In: À sombra da estante, Rio de Janeiro, José Olympio, 1947, p. 11-19)
O segmento que pode ser transposto para a voz passiva encontra-se em: