SóProvas


ID
1263622
Banca
FUNCAB
Órgão
PRF
Ano
2014
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

Texto 1

Inauguração da Avenida

      [...]
      Já lá se vão cinco dias. E ainda não houve aclamações, ainda não houve delírio. O choque foi rude demais. Acalma ainda não renasceu.
      Mas o que há de mais interessante na vida dessa mó de povo que se está comprimindo e revoluteando na Avenida, entre a Prainha e o Boqueirão, é o tom das conversas, que o ouvido de um observador apanha aqui e ali, neste ou naquele grupo.
      Não falo das conversas da gente culta, dos “doutores” que se julgam doutos.
Falo das conversas do povo - do povo rude, que contempla e critica a arquitetura dos prédios: “Não gosto deste... Gosto mais daquele... Este é mais rico... Aquele tem mais arte... Este é pesado... Aquele é mais elegante...”.
      Ainda nesta sexta-feira, à noite, entremeti-me num grupo e fiquei saboreando uma dessas discussões. Os conversadores, à luz rebrilhante do gás e da eletricidade, iam apontando os prédios: e - cousa consoladora - eu, que acompanhava com os ouvidos e com os olhos a discussão, nem uma só vez deixei de concordar com a opinião do grupo. Com um instintivo bom gosto subitamente nascido, como por um desses milagres a que os teólogos dão o nome de “mistérios da Graça revelada” - aquela simples e rude gente, que nunca vira palácios, que nunca recebera a noção mais rudimentar da arte da arquitetura, estava ali discernindo entre o bom e o mau, e discernindo com clarividência e precisão, separando o trigo do joio, e distinguindo do vidro ordinário o diamante puro.
      É que o nosso povo - nascido e criado neste fecundo clima de calor e umidade, que tanto beneficia as plantas como os homens - tem uma inteligência nativa, exuberante e pronta, que é feita de sobressaltos e relâmpagos, e que apanha e fixa na confusão as ideias, como a placa sensibilizada de uma máquina fotográfica apanha e fixa, ao clarão instantâneo de uma faísca de luz oxídrica, todos os objetos mergulhados na penumbra de uma sala...
      E, pela Avenida em fora, acotovelando outros grupos, fui pensando na revolução moral e intelectual que se vai operar na população, em virtude da reforma material da cidade.
      A melhor educação é a que entra pelos olhos. Bastou que, deste solo coberto de baiucas e taperas, surgissem alguns palácios, para que imediatamente nas almas mais incultas brotasse de súbito a fina flor do bom gosto: olhos, que só haviam contemplado até então betesgas, compreenderam logo o que é a arquitetura. Que não será quando da velha cidade colonial, estupidamente conservada até agora como um pesadelo do passado, apenas restar a lembrança?
      [...]
      E quando cheguei ao Boqueirão do Passeio, voltei-me, e contemplei mais uma vez a Avenida, em toda sua gloriosa e luminosa extensão. [...]

Gazeta de Notícias - 19 nov.1905. Bilac, Olavo. Vossa Insolência: crônicas. São Paulo: Companhia de Letras, 1996, p. 264-267.

Vocabulário:
baiuca: local de última categoria, malfrequentado.
betesga: rua estreita, sem saída,
: do latim “mole” , multidão; grande quantidade,
revolutear: agitar-se em várias direções,
tapera: lugar malconservado e de mau aspecto

Texto 2

O ciclista


      Curvado no guidão lá vai ele numa chispa. Na esquina dá com o sinal vermelho e não se perturba - levanta  voo bem na cara do guarda crucificado. No labirinto urbano persegue a morte com o trim-trim da campainha: entrega sem derreter sorvete a domicílio. 
      É a sua lâmpada de Aladino a bicicleta e, ao sentar-se no selim, liberta o gênio acorrentado ao pedal. Indefeso homem, frágil máquina, arremete impávido colosso, desvia de fininho o poste e o caminhão; o ciclista por muito favor derrubou o boné. 
      Atropela gentilmente e, vespa furiosa que morde, ei-lo defunto ao perder o ferrão. Guerreiros inimigos trituram com chio de pneus o seu diáfano esqueleto. Se não se estrebucha ali mesmo, bate o pó da roupa e - uma perna mais curta - foge por entre nuvens, a bicicleta no ombro. 
      Opõe o peito magro ao para-choque do ônibus. Salta a poça d’água no asfalto. Num só corpo, touro e toureiro, golpeia ferido o ar nos cornos do guidão. Ao fim do dia, José guarda no canto da casa o pássaro de viagem. Enfrenta o sono trim-trim a pé e, na primeira esquina, avança pelo céu na contramão, trim-trim. 

Trevisan, Dalton. In: Bosi, Alfredo (Org.). O conto brasileiro contemporâneo. 14" Ed. São Paulo: Cultrix, 1997. p. 189. 


O termo destacado está corretamente analisado em:

Alternativas
Comentários
  • Letra A seria adjunto adverbial

    Letra B seria objeto direto

    Letra C é a correta

    Letra D Predicativo do sujeito

    Letra E fiquei na dúvida

  • C adjunto adverbial de modo

  • Entendo a E como adjunto adverbial de modo.

  • Letra B objeto direto???? Dá não equipara-se ao verbo deparar no enunciado "ele dá = ele depara-se" Logo, não seria objeto indireto o termo "com o sinal vermelho" ???

  • A opção B também está correta. No caso verbo dar significa: encontrar. E está preposicionado.Poder-se-ia substituir por: encontra com. Não é objeto direto preposicionado. Examinador barato dá nisso, fruto de um país que não valoriza, ainda, a qualidade na educação escolar. É aprovado o candidato Mega Sena na vez daquele que merece. 

  • Segundo a explicação da Professora, a letra B é realmente objeto indireto, pois o verbo "dar" está com sentido de "se deparar com". Questão passível de anulação, mas parece que isso não aconteceu!

    O gabarito ficou letra C mesmo. 

  • O MODO QUE ELE DESVIOU, " DE FININHO".

  • c) “ ...desvia DE FININHO o poste e o caminhão...” / adjunto adverbial de modo. Descreve o modo como o verbo desempenha sua ação

  • A) Objeto indireto ( O verbo “Trituram” no contexto é transitivo direto e indireto, sendo o termo “com chio de pneus” o seu objeto indireto e o termo “o seu diáfano esqueleto” o seu objeto direto.
    B) Objeto indireto ( Sentido de se deparar com algo, sendo assim o verbo “dá” é transitivo indireto.
    C) Adjunto adverbial ( modo como ele desviou)
    D) “Ferido” é predicativo do sujeito, porém “o ar” é objeto direto.
    E) Adjunto adverbial ( tem sentido de causa. Ele derrubou o boné por muito favor.)

  • A alternativa "C" foi a única considerada CORRETA, mas veremos que esta questão deveria ter sido ANULADA.

     

    Esta questão trata das funções sintáticas. Devemos indicar a opção cujo elemento destacado tenha sido analisado corretamente. Vamos lá?

     

    b) “Na esquina dá COM O SINAL VERMELHO e não se perturba...” / objeto indireto.

    CORRETO. Gente, esse verbo "dar" foi empregado com sentido de "encontrar", "deparar-se com". Quando empregado com esse sentido, o verbo "dar" é transitivo indireto: dar com alguma coisa. Assim, o elemento é, SIM, objeto indireto. Os dicionários de regência registram esse sentido do verbo "dar", portanto ele deveria ter sido considerado pela Banca.

    Infelizmente isso não aconteceu, e a banca manteve o gabarito (letra "C"), o que é extremamente lamentável. Pior que cometer esse equívoco é não ter a humildade de reparar a situação, para que se tenha um resultado justo. Errar é humano, mas precisamos reconhecer esses erros, não é? 

    c) “ ...desvia DE FININHO o poste e o caminhão...” / adjunto adverbial.

    CORRETO. Estamos diante de um adjunto adverbial de modo que modifica o verbo "desviar". Veja que o elemento destacado indica a forma como o ciclista desvia. Mais uma alternativa certa, e apenas ela foi considerada pela Banca.