O examinador explora, na presente questão, o conhecimento do candidato
acerca do que prevê o ordenamento jurídico brasileiro sobre o instituto da Responsabilidade Civil, cujo tratamento legal específico se dá nos artigos 927 e seguintes do Código Civilista. Para tanto, pede-se a alternativa que contempla as afirmações CORRETAS:
I
- CORRETA. Na hipótese de deterioração ou destruição da coisa alheia, ou lesão a
pessoa, a fim de remover perigo iminente, a pessoa lesada, ou o dono da
coisa, se não forem culpados do perigo, têm direito à indenização do
prejuízo que sofreram.
A alternativa está correta, pois encontra-se em harmonia com o que prevê o Código Civilista. Senão vejamos:
Art. 188. Não constituem atos ilícitos:
II - a deterioração ou destruição da coisa alheia, ou a lesão a pessoa, a fim de
remover perigo iminente.
Art. 929. Se a pessoa lesada, ou o dono da coisa, no caso do inciso II do art. 188,
não forem culpados do perigo, assistir-lhes-á direito à indenização do prejuízo que
sofreram.
Segundo a doutrina, este artigo assegura ao prejudicado o direito à indenização mesmo que o ato praticado seja havido como lícito, porque praticado em estado de necessidade, que é uma das excludentes da responsabilidade, conforme o art. 188, II, do Código.
Verifica-se no estado de necessidade um conflito de interesses, em que uma pessoa, para evitar lesão a direito seu, atinge direito alheio. Embora haja certa semelhança com a legítima defesa, dela o estado de necessidade se distingue, já que naquela há uma agressão ou ameaça de agressão à pessoa ou a seus bens, enquanto neste não há agressão, mas uma situação de fato, em que a pessoa vê um bem seu na iminência de sofrer um dano. É para evitar o dano que a pessoa deteriora ou destrói coisa alheia. Esse ato seria ilícito, mas é justificado pela lei desde que sua prática seja absolutamente necessária para a remoção do perigo (v. Caio Mário da Silva Pereira, Responsabilidade civil, 9. ed.,Rio de Janeiro, Forense, 1998, p. 297).
Por outras palavras, se o único meio de evitar um mal é causar um mal menor, há estado de necessidade. Vê-se, assim, que cessa a justificativa do ato quando o direito sacrificado é hierarquicamente superior àquele que se pretende proteger.
II - CORRETA. Aquele que ressarcir o dano causado
por outrem pode reaver o que houver pago daquele por quem pagou, salvo
se o causador do dano for descendente seu, absoluta ou relativamente
incapaz.
A alternativa está correta, pois prevê a literalidade do artigo 934 do Código Civilista:
Art. 934. Aquele que ressarcir o dano causado por outrem pode reaver o que houver pago
daquele por quem pagou, salvo se o causador do dano for descendente seu, absoluta ou
relativamente incapaz.
Sobre o tema, Flávio Tartuce leciona:
Aquele que ressarcir o dano causado por outrem pode reaver o que tiver pago daquele por quem pagou, salvo se o causador do dano for seu descendente, absoluta ou relativamente incapaz (art. 934 do CC). Esse dispositivo consagra o direito de regresso do responsável contra o culpado. Somente nas relações entre ascendentes e descendentes incapazes não há o mencionado direito de regresso, pois, quando o Código Civil foi elaborado, pensava-se ser imoral uma demanda regressiva entre tais familiares.
Complementando a norma, determina o Enunciado n. 44 do CJF/STJ:
“Na hipótese do art. 934, o empregador e o comitente somente poderão agir regressivamente contra o empregado ou o preposto se estes tiverem causado o dano com dolo ou culpa".
III - INCORRETA. O empregador ou comitente é responsável pela
reparação civil decorrente de dano causado por seus empregados,
serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em
razão dele. Nessa hipótese, fica excluída a responsabilidade do
empregado, salvo se agiu com dolo.
A alternativa está incorreta, pois a responsabilidade será sempre solidária, ou seja, quando na mesma obrigação
concorre mais de um credor, ou mais de um devedor, cada um com direito, ou
obrigado, à dívida toda (art. 264, CC) Senão vejamos:
Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil:
III - o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no
exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele;
Art. 942 Parágrafo único. São solidariamente responsáveis com os autores os co-autores e as
pessoas designadas no art. 932.
IV - CORRETA. Aquele que demandar por
dívida já paga, no todo ou em parte, sem ressalvar as quantias recebidas
ou pedir mais do que for devido, ficará obrigado a pagar ao devedor, no
primeiro caso, o dobro do que houver cobrado e, no segundo, o
equivalente do que dele exigir, salvo se houver prescrição. A não ser
que o réu prove ter sofrido algum prejuízo, a indenização não será
devida se o autor desistir da ação antes da contestação.
A alternativa está correta, pois encontra-se de acordo com os artigos 940 e 941 do diploma Civil, que assim determina:
Art. 940. Aquele que demandar por dívida já paga, no todo ou em parte, sem ressalvar
as quantias recebidas ou pedir mais do que for devido, ficará obrigado a pagar ao
devedor, no primeiro caso, o dobro do que houver cobrado e, no segundo, o equivalente do
que dele exigir, salvo se houver prescrição.
Art. 941. As penas previstas nos arts. 939 e 940 não se aplicarão quando o autor
desistir da ação antes de contestada a lide, salvo ao réu o direito de haver
indenização por algum prejuízo que prove ter sofrido.
Veja que tais dispositivos são formas de liquidação do dano acarretado por cobrança indevida, que é havido como ato ilícito. Segundo tais dispositivos presume-se a culpa do agente na prática desse ilícito, cuja indenização é preestabelecida. Registra-se por oportuno, que o Código Civil inova ao assegurar ao demandado (réu), mesmo diante da desistência da ação pelo demandante (autor), o pleito indenizatório pelos danos que comprove ter sofrido.
V - INCORRETA. Os
bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem ficam
sujeitos à reparação do dano causado, mas a obrigação se extingue com a
morte do autor do dano; se a ofensa tiver mais de um autor, a morte de
um deles não exime o coautor de responder integralmente pela reparação.
A alternativa está incorreta, pois a obrigação não se extingue com a morte do autor, transmitindo-se com a herança. Vejamos:
Art. 942. Os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem ficam
sujeitos à reparação do dano causado; e, se a ofensa tiver mais de um autor, todos
responderão solidariamente pela reparação.
Art. 943. O direito de exigir reparação e a obrigação de prestá-la transmitem-se
com a herança.
Desta forma, temos que a obrigação de exigir a reparação e de prestá-la transmite-se por sucessão causa mortis, e registra-se, é limitada, quanto à responsabilidade do sucessor, às forças da herança. Tal dispositivo deve então ser interpretado com atenção às restrições constantes das outras regras:
Art. 1.792. O herdeiro não responde por encargos superiores às forças da herança; incumbe-lhe a prova do excesso, salvo se houver inventário, que o escuse, demonstrando o valor dos bens herdados.
Art. 1.997. A herança responde pelo pagamento das dívidas do falecido; mas, feita a partilha, só respondem os herdeiros, cada qual em proporção da parte que na herança lhe coube.
Assim, estão corretas apenas as afirmações I, II e IV.
Gabarito do Professor: letra "E".
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Código Civil - Lei n° 10.406, de 10 de janeiro de 2002, disponível no site
Portal da Legislação - Planalto.
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade civil, 9. ed.,Rio de Janeiro, Forense, 1998, p. 297.
TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil: volume único – 10. ed. [livro
eletrônico] – Rio de Janeiro: Forense, 2020, p. 825.
Art. 929. Se a pessoa lesada, ou o dono da coisa, no caso do inciso II do art. 188, não forem culpados do perigo, assistir-lhes-á direito à indenização do prejuízo que sofreram.
Art. 930. No caso do inciso II do art. 188, se o perigo ocorrer por culpa de terceiro, contra este terá o autor do dano ação regressiva para haver a importância que tiver ressarcido ao lesado.
Parágrafo único. A mesma ação competirá contra aquele em defesa de quem se causou o dano (art. 188, inciso I).
Conseqüências cíveis dos atos praticados em estado de necessidade, cuja previsão se encontra no art.188, II do Código Civil:
Tal dispositivo consagra o estado de necessidade como excludente de ilicitude, pois não são considerados ilícitos os atos que visem “a deterioração ou destruição da coisa alheia, ou a lesão a pessoa, a fim de remover perigo iminente”.
Para que tal excludente de ilicitude seja aplicada exige o Código Civil (parágrafo único do art.188) “que circunstâncias o tornarem absolutamente necessário, não excedendo os limites do indispensável para a remoção do perigo”
Entretanto, em que pese o ato praticado em estado de necessidade (ato necessitado) tenha sua ilicitude excluída pela lei conforme o mencionado acima, o Código Civil, de forma aparentemente contraditória, assegura à vitima o direito de indenização no art. 929. Vejamos:
Art. 929. Se a pessoa lesada, ou o dono da coisa, no caso do inciso II do art. 188, não forem culpados do perigo, assistir-lhes-á direito à indenização do prejuízo que sofreram.
Assim, no ESTADO DE NECESSIDADE existe verdadeiro caso de RESPONSABILIDADE CIVIL POR ATO LÍCITO, implicando na existência de uma norma que permite a prática do ato (art. 188, II do CC), entretanto, por outro lado, uma outra norma sanciona a prática de tal conduta ao imputar responsabilidade civil (art. 929 do CC).
Vale ressaltar que, em contrapartida, o autor do fato necessitado, que veio a causar o dano, poderá propor ação regressiva contra o terceiro causador do perigo, nos termos do art. 930 do CC.
PORTANTO, O ATO EM ESTADO DE NECESSIDADE NAO CONSTITUI ATO ILICITO. NO ENTANTO, MESMO NAO SENDO ATO ILICITO DEVERÁ QUEM O FEZ INDENIZAR O LESADO, SE ELE (LESADO) NÃO FOI O CULPADO PELO ATO .