SóProvas


ID
127696
Banca
FCC
Órgão
TCM-CE
Ano
2010
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

A rotina e a quimera (excerto)

Sempre se falou mal de funcionários, inclusive dos que
passam a hora do expediente escrevinhando literatura. Não sei
se esse tipo de burocrata-escritor ainda existe. A racionalização
do serviço público, ou o esforço para essa racionalização, trouxe
modificações sensíveis ao ambiente de nossas repartições, e
é de crer que as vocações literárias manifestadas à sombra de
processos se hajam ressentido desses novos métodos de
trabalho.

E por que se maldizia tanto o literato-funcionário? Porque
desperdiçava os minutos de seu dia, reservados aos interesses
da Nação, no trato de quimeras pessoais. A Nação pagava-
lhe para estudar papéis obscuros e emaranhados, ordenar
casos difíceis, promover medidas úteis, ouvir com benignidade
as "partes". Em vez disso, nosso poeta afinava a lira, nosso
romancista convocava suas personagens, e toca a povoar o
papel da repartição com palavras. Figuras e abstrações que em
nada adiantam à sorte do público. É bem verdade que esse
público, logo em seguida, ia consolar-se de suas penas na trova
do poeta ou no mundo imaginado pelo ficcionista.

O certo é que um e outro são inseparáveis, ou antes, o
funcionário determina o escritor. O emprego do Estado concede
com que viver, de ordinário sem folga, e essa é condição ideal
para bom número de espíritos: certa mediania que elimina os
cuidados imediatos, porém não abre perspectiva de ócio absoluto.
O indivíduo tem apenas a calma necessária para refletir na
mediocridade de uma vida que não conhece a fome nem o
fausto; sente o peso dos regulamentos, que lhe compete observar
ou fazer observar; o papel barra-lhe a vista dos objetos
naturais, como uma cortina parda. É então que intervém a
imaginação criadora, para fazer desse papel precisamente o
veículo de fuga, sorte de tapete mágico, em que o funcionário
embarca, arrebatando consigo a doce ou amarga invenção, que
irá maravilhar outros indivíduos, igualmente prisioneiros de
outras rotinas, por este vasto mundo de obrigações não escolhidas.

(Carlos Drummond de Andrade, Passeios na ilha)

Está clara e correta a redação deste livre comentário sobre o texto:

Alternativas
Comentários
  • A) Sendo também ele próprio funcionário público e escritor, Carlos Drummond de Andrade escreveu uma crônica aonde (ONDE) fala de tal caso [ERRADA]

    B) Boa parte dos nossos maiores escritores, como Machado de Assis e José de Alencar,testemunham a tese de cuja [DE QUE]trata a presente crônica.


    C) O aparente ócio de que [QUE]reveste a vida nas repartições pode dissimular o labor de um funcionário, inclusive do pendor criativo de um  escritor.

    D) CORRETA

    E) O fato de haver tanta rotina numa repartição não implica de que [QUE]um funcionário não deixe de cumprir seu ofício de escritor criativo
  • a) Sendo também ele próprio funcionário público e escritor, Carlos Drummond de Andrade escreveu uma crônica aonde fala de tal caso. Alternativa incorreta. Como o onde não está sendo empregado no sentido de lugar, melhor substituir por “em que”.
    Falar. vtd evti 2 Manifestar idéias acerca de; conversar, discorrer:Falamos literatura e cinema. Falar de, ou em, ou sobre um assunto.
    Obs: Segundo a professora Flávia Rita, o onde só pode ser usado para se referir a lugares. Ele funciona sempre como adjunto adverbial de lugar. 
    b) Boa parte dos nossos maiores escritores, como Machado de Assis e José de Alencar, testemunham a tese de cuja trata a presente crônica. Alternativa incorreta. O termo conseqüente é um verbo “tratar” o que já deixa a alternativa errada. tratar. vti 21Discorrer, falando ou escrevendo: Só tratam de futebol. Só tratou comigo de coisas passadas. Melhor substituir por: de que trata a presente crônica.
    Obs: pronomes relativos: são aqueles que representam nomes já mencionados anteriormente e com os quais se relacionam. Introduzem as orações subordinadas adjetivas. Segundo a professora Flávia Rita: são mecanismos de coesão, evita a repetição de palavras. Ele é conector porque liga duas orações e é remissivo porque retoma termo anterior (anafórico). Todo pronome relativo substitui um termo antecedente com o qual mantém relações de sentido. Todo pronome que tem caráter possessivo ele não concorda com a palavra que ele substitui, ele concorda com o termo conseqüente.
    Cujo o cuja: palavra conseqüente pergunta “de quem”? Ex: A criação do imposto cuja decretação (de quem? = do imposto) ocorreu ontem levou anos.
    Resumo: o pronome cujo e suas variações vem entre dois substantivos. Indica posse. Concordam com o conseqüente e substituem o antecedente.
  • c) O aparente ócio de que reveste a vida nas repartições pode dissimular o labor de um funcionário, inclusive do pendor criativo de um escritor. Alternativa incorreta.Revestir. vtd 12Assumir:Ele revestia então o caráter de simples mensageiro. (dicionário Michaelis online). Achei esse sentido parecido com o da frase, se não for me corrijam please. Portanto, a frase ficaria: O aparente ócio que reveste a vida... 
    d) O cronista sugere que mesmo o tédio que marca a vida de uma repartição pública pode ser um impulso para a criação literária. Alternativa CORRETA.
    e) O fato de haver tanta rotina numa repartição não implica de que um funcionário não deixe de cumprir seu ofício de escritor criativo. Alternativa incorreta.Implicar. vtd 5 Dar a entender, fazer supor: Seus atos implicam um nobre caráter. (dicionário Michaelis online). A frase ficaria: O fato de haver tanta rotina numa repartição não implica que um funcionário...
    Espero ter contribuído de alguma forma.