Primavera 
  1     A  primavera  chegará,  mesmo  que  ninguém  mais saiba seu nome, nem acredite no calendário, nem  possua  jardim  para  recebê-la. A  inclinação  do  sol  vai  marcando  outras  sombras;  e  os  habitantes  da  mata,  essas  criaturas  naturais  que  ainda  circulam  pelo  ar  e  pelo  chão,  começam  a  preparar  sua  vida  para  a  primavera que chega. 
2     Finos clarins que não ouvimos devem soar por  dentro da  terra, nesse mundo confidencial das  raízes,  - e arautos sutis acordarão as cores e os perfumes e  a alegria de nascer, no espírito das flores. 
3     Há bosques de  rododendros que eram verdes  e  já  estão  todos  cor-de-rosa,  como  os  palácios  de  Jaipur.  Vozes  novas  de  passarinhos  começam  a  ensaiar as árias  tradicionais de  sua  nação. Pequenas  borboletas  brancas  e  amarelas  apressam-se  pelos  ares,  -  e  certamente  conversam:  mas  tão  baixinho  que não se entende. 
4     Oh! Primaveras  distantes,  depois  do  branco  e  deserto  inverno,  quando  as  amendoeiras  inauguram  suas  flores,  alegremente,  e  todos  os  olhos  procuram  pelo céu o primeiro raio de sol. 
5     Esta é uma primavera diferente, com as matas  intactas,  as  árvores  cobertas  de  folhas,  -  e  só  os  poetas,  entre  os  humanos,  sabem  que  uma  Deusa  chega,  coroada  de  flores,  com  vestidos  bordados  de  flores,  com  os  braços  carregados  de  flores,  e  vem  dançar neste mundo cálido, de incessante luz. 
6 Mas é certo que a primavera chega. É certo
que a vida não se esquece, e a terra maternalmente se
enfeita para as festas da sua perpetuação.
7     Algum  dia,  talvez,  nada  mais  vai  ser  assim.  Algum  dia,  talvez,  os  homens  terão  a  primavera  que  desejarem,  no  momento  em  que  quiserem,  independentes  deste  ritmo,  desta  ordem,  deste  movimento  do  céu.  E  os  pássaros  serão  outros,  com  outros cantos e outros hábitos, - e os ouvidos que por  acaso os ouvirem não terão nada mais com tudo aquilo  que, outrora, se entendeu e amou.
8     Enquanto  há  primavera,  esta  primavera  natural,  prestemos  atenção  ao  sussurro  dos  passarinhos  novos,  que  dão  beijinhos  para  o  ar  azul.  Escutemos  estas  vozes  que  andam  nas  árvores,  caminhemos por estas estradas que ainda conservam  seus  sentimentos  antigos:  lentamente  estão  sendo  tecidos  os manacás  roxos  e  brancos;  e  a  eufórbia  se  vai tornando pulquérrima, em cada coroa vermelha que  desdobra.  Os  casulos  brancos  das  gardênias  ainda  estão sendo enrolados em  redor do perfume. E  flores  agrestes acordam com suas roupas de chita multicor. 
9     Tudo  isto  para  brilhar  um  instante,  apenas,  para ser  lançado ao vento, - por  fidelidade à obscura  semente,  ao  que  vem,  na  rotação  da  eternidade.  Saudemos a primavera, dona da vida - e efêmera. 
(MEIRELES,  Cecília.  "Cecília  Meireles  -  Obra  em  Prosa?,  Vol.  1.  Nova Fronteira: Rio de Janeiro, 1998, p. 366.)
"Algum dia, talvez, os homens terão a primavera  que desejarem, no momento em que quiserem..." (§ 7) 
Das  alterações  feitas  na  passagem  acima,  está  INADEQUADA  a  correlação  entre  os  tempos  verbais   em: