SóProvas


ID
1434472
Banca
IBFC
Órgão
HEMOMINAS
Ano
2013
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

A pipoca
Rubem Alves


A culinária me fascina. De vez em quando eu até me até atrevo a cozinhar. Mas o fato é que sou mais competente com as palavras do que com as panelas

Por isso tenho mais escrito sobre comidas que cozinhado. Dedico-me a algo que poderia ter o nome de "culinária literária". Já escrevi sobre as mais variadas entidades do mundo da cozinha: cebolas, ora-pro-nobis, picadinho de carne com tomate feijão e arroz, bacalhoada, suflês, sopas, churrascos.

Cheguei mesmo a dedicar metade de um livro poético- filosófico a uma meditação sobre o filme A Festa de Babette, que é uma celebração da comida como ritual de feitiçaria. Sabedor das minhas limitações e competências, nunca escrevi como chef. Escrevi como filósofo, poeta, psicanalista e teólogo
- porque a culinária estimula todas essas funções do pensamento.
As comidas, para mim, são entidades oníricas.
Provocam a minha capacidade de sonhar. Nunca.
imaginei, entretanto, que chegaria um dia em que a pipoca iria me fazer sonhar. Pois foi precisamente isso que aconteceu.

A pipoca, milho mirrado, grãos redondos e duros, me pareceu uma simples molecagem, brincadeira deliciosa, sem dimensões metafísicas ou psicanalíticas. Entretanto, dias atrás, conversando com uma paciente, ela mencionou a pipoca. E algo inesperado na minha mente aconteceu. Minhas ideias começaram a estourar como pipoca. Percebi, então, a relação metafórica entre a pipoca e o ato de pensar. Um bom pensamento nasce como uma pipoca que estoura, de forma inesperada e imprevisível.

A pipoca se revelou a mim, então, como um extraordinário objeto poético. Poético porque, ao pensar nelas, as pipocas, meu pensamento se pôs a dar estouros e pulos como aqueles das pipocas dentro de uma panela. Lembrei-me do sentido religioso da pipoca. A pipoca tem sentido religioso? Pois tem. Para os cristãos, religiosos são o pão e o vinho, que simbolizam o corpo e o sangue de Cristo, a mistura de vida e alegria (porque vida, só vida, sem alegria, não é vida...). Pão e vinho devem ser bebidos juntos. Vida e alegria devem existir juntas.

Lembrei-me, então, de lição que aprendi com a Mãe Stella, sábia poderosa do Candomblé baiano: que a pipoca é a comida sagrada do Candomblé...

A pipoca é um milho mirrado, subdesenvolvido. Fosse eu agricultor ignorante, e se no meio dos meus milhos graúdos aparecessem aquelas espigas nanicas, eu ficaria bravo e trataria de me livrar delas. Pois o fato é que, sob o ponto de vista de tamanho, os milhos da pipoca não podem competir com os milhos normais. Não sei como isso aconteceu, mas o fato é que houve alguém que teve a ideia de debulhar as espigas e colocá- las numa panela sobre o fogo, esperando que assim os grãos amolecessem e pudessem ser comidos.

Havendo fracassado a experiência com água, tentou a gordura. O que aconteceu, ninguém jamais poderia ter imaginado.

Repentinamente os grãos começaram a estourar, saltavam da panela com uma enorme barulheira. Mas o extraordinário era o que acontecia com eles: os grãos duros quebra-dentes se transformavam em flores brancas e macias que até as crianças podiam comer. O estouro das pipocas se transformou, então, de uma simples operação culinária, em uma festa, brincadeira, molecagem, para os risos de todos, especialmente as crianças. É muito divertido ver o estouro das pipocas!

E o que é que isso tem a ver com o Candomblé? É que a transformação do milho duro em pipoca macia é símbolo da grande transformação porque devem passar os homens para que eles venham a ser o que devem ser. O milho da pipoca não é o que deve ser. Ele deve ser aquilo que acontece depois do estouro. O milho da pipoca somos nós: duros, quebra-dentes, impróprios para comer, pelo poder do fogo podemos, repentinamente, nos transformar em outra coisa - voltar a ser crianças! Mas a transformação só acontece pelo poder do fogo.

Milho de pipoca que não passa pelo fogo continua a ser milho de pipoca, para sempre.

Assim acontece com a gente. As grandes transformações acontecem quando passamos pelo fogo. Quem não passa pelo fogo fica do mesmo jeito, a vida inteira. São pessoas de uma mesmice e dureza assombrosa. Só que elas não percebem. Acham que o seu jeito de ser é o melhor jeito de ser.

Mas, de repente, vem o fogo. O fogo é quando a vida nos lança numa situação que nunca imaginamos. Dor. Pode ser fogo de fora: perder um amor, perder um filho, ficar doente, perder um emprego, ficar pobre. Pode ser fogo de dentro. Pânico, medo, ansiedade, depressão - sofrimentos cujas causas ignoramos. Há sempre o recurso aos remédios. Apagar o fogo. Sem fogo o sofrimento diminui. E com isso a possibilidade da grande transformação.

Imagino que a pobre pipoca, fechada dentro da panela, lá dentro ficando cada vez mais quente, pense que sua hora chegou: vai morrer. De dentro de sua casca dura, fechada em si mesma, ela não pode imaginar destino diferente. Não pode imaginar a transformação que está sendo preparada. A pipoca não imagina aquilo de que ela é capaz. Aí, sem aviso prévio, pelo poder do fogo, a grande transformação acontece: PUF!!
- e ela aparece como outra coisa, completamente diferente, que ela mesma nunca havia sonhado. É a lagarta rastejante e feia que surge do casulo como borboleta voante.

Na simbologia cristã, o milagre do milho de pipoca está representado pela morte e ressurreição de Cristo: a ressurreição é o estouro do milho de pipoca. É preciso deixar de ser de um jeito para ser de outro.

"Morre e transforma-te!" - dizia Goethe.

Em Minas, todo mundo sabe o que é piruá. Falando sobre os piruás com os paulistas, descobri que eles ignoram o que seja. Alguns, inclusive, acharam que era gozação minha, que piruá é palavra inexistente. Cheguei a ser forçado a me valer do Aurélio para confirmar o meu conhecimento da língua. Piruá é o milho de pipoca que se recusa a estourar.

Meu amigo William, extraordinário professor pesquisador da Unicamp, especializou-se em milhos e desvendou cientificamente o assombro do estouro da pipoca. Com certeza ele tem uma explicação científica para os piruás. Mas, no mundo da poesia, as explicações científicas não valem.

Por exemplo: em Minas "piruá" é o nome que se dá às mulheres que não conseguiram casar. Minha prima, passada dos quarenta, lamentava: "Fiquei piruá!" Mas acho que o poder metafórico dos piruás é maior.

Piruás são aquelas pessoas que, por mais que o fogo esquente, se recusam a mudar. Elas acham que não pode existir coisa mais maravilhosa do que o jeito delas serem.

Ignoram o dito de Jesus: "Quem preservar a sua vida perdê-la-á". A sua presunção e o seu medo são a dura casca do milho que não estoura. O destino delas é triste. Vão ficar duras a vida inteira. Não vão se transformar na flor branca macia. Não vão dar alegria para ninguém. Terminado o estouro alegre da pipoca, no fundo a panela ficam os piruás que não servem para nada. Seu destino é o lixo.

Quanto às pipocas que estouraram, são adultos que voltaram a ser crianças e que sabem que a vida é uma grande brincadeira...

"Nunca imaginei que chegaria um dia em que a pipoca iria me fazer sonhar. Pois foi precisamente isso que aconteceu".

Assinale a alternativa que indica outra forma correta de se reescrever o período abaixo:

Lembrei-me, então, de lição que aprendi com a Mãe Stella.

Alternativas
Comentários
  • ESQUECER – LEMBRAR 
    - Lembrar algo – esquecer algo
    - Lembrar-se de algo – esquecer-se de algo (pronominal)

    No 1º caso, os verbos são transitivos diretos, ou seja exigem complemento sem preposição.

    - Ele esqueceu o livro.

    No 2º caso, os verbos são pronominais (-se, -me, etc) e exigem complemento com a preposição “de”. São, portanto, transitivos indiretos.

    - Ele se esqueceu do caderno.
    - Eu me esqueci da chave.
    - Eles se esqueceram da prova.
    - Nós nos lembramos de tudo o que aconteceu.

    http://www.infoescola.com/portugues/regencia-verbal/

  • Resposta Letra B.

    Verbos lembrar, esquecer e recordar - sem pronome, sem preposição.

    A letra A está errada, porque não se começa a frase com o pronome oblíquo átono(Me).

  • Verbo Lembrar

    VTD: se não for pronominal

    VTI: se for pronominal ( preposição "de")

     

     a) Me lembrei, então, de lição que aprendi com a Mãe Stella [não pode começar frase com próclise]

     b) Lembrei, então, a lição que aprendi com a Mãe Stella [correta]

     c) Lembrei-me, então, lição que aprendi com a Mãe Stella. [Faltou preposição, correto seria: "Lembrei-me, então, da lição..."]

     d) Lembrei , então, de lição que aprendi com a Mãe Stella. [Usou preposição, errado, correto seria: " Lembrei , então, a lição.."]

  • Não concordo com a análise da questão, nenhuma das questões está correta porque houve mudança de sentido na letra B

     

    Lembrei-me, então, de lição que aprendi com a Mãe Stella.

    Lembrou a si próprio

     

    Lembrei, então, a lição que aprendi com a Mãe Stella

    Pode ter lembrado pra outra pessoa

     

     

     

     

  • Pensei da mesma forma, Augusto Carrera.Vi que o sentido mudava e não encontrei resposta certa...

  • o verbo lembrar pede preposição "de" como pode a letra b ser a correta?

  • Quem lembra, lembra algo

    Quem se lembra, lembra-se de algo

     

    Gab: B

  • GAB: B                                                                                                                                                                                                                                     Rumo a PM PB!!!                                                                                                                                                                                                                        Foco Força e Fé!!!

  • VERBO LEMBRAR/ESQUECER SÃO VTD, NÃO EXIGEM PREPOSIÇÃO.

    OBS: QUANDO PREPOSICIONADOS, EXIGEM A PREPOSIÇÃO.

    EU LEMBRO TUDO.

    EU LEMBRO-ME DE TUDO.

     

  • REGÊNCIAS DO VERBO LEMBRAR:

    QUANDO EMPREGADO SEM PRONOME OBLÍQUO ÁTONO - VTD

    EX: LEMBREI A LIÇÃO QUE APRENDI COM A MÃE STELLA.

    (QUEM LEMBRA, LEMBRA ALGUMA COISA.)

    QUANDO EMPREGADO COM PRONOME OBLÍQUO ÁTONO -ME - VTI EXIGINDO PREPOSIÇÃO ''DE''

    EX: LEMBREI-ME DA LIÇÃO QUE APRENDI COM A MÃE STELLA.

    OBS: ESSA MESMA REGRA TAMBÉM É APLICADA NO VERBO ESQUECER!

  • Verbo " lembrar" sem pronome/ sem preposição. Com pronome/ com preposição "De"

  • a prática leva a perfeição !

  • Otima questão para revisão do verbo lembrar

  • Lembrar e Esquecer

    >na mesma pessoa do verbp : coisa lembrada/esquecida: OI

    > em pessoa diferente do verbo: coisa lembrada/esquecida: sujeito

    EX: Esqueci (VTD) o livro (OD)

    Esqueci (VTI)-me(PIV) do livro (OI)

    Esqueceu (VTI) -me(OI) o livro (sujeito)

  • LeREsA

    LEMBRAR, RECORDAR, ESQUECER, ADMIRAR--> NÃO PRONOMINAL: VTD

    PRONOMINAL: VTI