SóProvas


ID
1473169
Banca
COMPERVE
Órgão
UFRN
Ano
2015
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

Antes que elas cresçam

Affonso Romano de Sant'Anna

Há um período em que os pais vão ficando órfãos dos próprios filhos.

É que as crianças crescem. Independentes de nós, como árvores, tagarelas e pássaros estabanados, elas crescem sem pedir licença. Crescem como a inflação, independente do governo e da vontade popular. Entre os estupros dos preços, os disparos dos discursos e o assalto das estações, elas crescem com uma estridência alegre e, às vezes, com alardeada arrogância.

Mas não crescem todos os dias, de igual maneira; crescem, de repente.

Um dia se assentam perto de você no terraço e dizem uma frase de tal maturidade que você sente que não pode mais trocar as fraldas daquela criatura.

Onde e como andou crescendo aquela danadinha que você não percebeu? Cadê aquele cheirinho de leite sobre a pele? Cadê a pazinha de brincar na areia, as festinhas de aniversário com palhaços, amiguinhos e o primeiro uniforme do maternal?

Ela está crescendo num ritual de obediência orgânica e desobediência civil. E você está agora ali, na porta da discoteca, esperando que ela não apenas cresça, mas apar eça. Ali estão muitos pais, ao volante, esperando que saiam esfuziantes sobre patins, cabelos soltos sobre as ancas. Essas são as nossas filhas, em pleno cio, lindas potrancas.

Entre hambúrgueres e refrigerantes nas esquinas, lá estão elas, com o uniforme de sua geração: incômodas mochilas da moda nos ombros ou, então com o suéter amarrado na cintura. Está quente, a gente diz que vão estragar o suéter, mas não tem jeito, é o emblema da geração.

Pois ali estamos, depois do primeiro e do segundo casamento, com essa barba de jovem executivo ou intelectual em ascensão, as mães, às vezes, já com a primeira plástica e o casamento recomposto. Essas são as filhas que conseguimos gerar e amar, apesar dos golpes dos ventos, das colheitas, das notícias e da ditadura das horas. E elas crescem meio amestradas, vendo como redigimos nossas teses e nos doutoramos nos nossos erros.

Há um período em que os pais vão ficando órfãos dos próprios filhos.

Longe já vai o momento em que o primeiro mênstruo foi recebido como um impact o de rosas vermelhas. Não mais as colheremos nas portas das discotecas e festas, quando surgiam entre gírias e canções. Passou o tempo do balé, da cultura francesa e inglesa. Saíram do banco de trás e passaram para o volante de suas próprias vidas. Só nos resta dizer “bonne route, bonne route” 1 , como naquela canção francesa narrando a emoção do pai quando a filha oferece o primeiro jantar no apartamento dela.

Deveríamos ter ido mais vezes à cama delas ao anoitecer para ouvir sua alma respirando conversas e confidências entre os lençóis da infância, e os adolescentes cobertores daquele quarto cheio de colagens, pôsteres e agendas coloridas de “pilot”. Não, não as levamos suficientemente ao maldito “drive-in” 2 , ao Tablado para ver “Pluft” 3 , não lhes demos suficientes hambúrgueres e cocas, não lhes compramos todos os sorvetes e roupas merecidas.
Elas cresceram sem que esgotássemos nelas todo o nosso afeto.

No princípio subiam a serra ou iam à casa de praia entre embrulhos, comidas, engarrafamentos, natais, páscoas, piscinas e amiguinhas. Sim, havia as brigas dentro do carro, a disputa pela janela, os pedidos de sorvetes e sanduíches infantis. Depois chegou a idade em que subir para a casa de campo com os pais começou a ser um esforço, um sofrimento, pois era imp ossível deixar a turma aqui na praia e os primeiros namorados. Esse exílio dos pais, esse divórcio dos filhos, vai durar sete anos bíblicos. Agora é hora de os pais na montanha terem a solidão que queriam, mas, de repente, exalarem contagiosa saudade daquelas pestes.

O jeito é esperar. Qualquer hora podem nos dar netos. O neto é a hora do carinho ocioso e estocado, não exercido nos próprios filhos e que não pode morrer conosco. Por isso, os avós são tão desmesurados e distribuem tão incontrolável afeição. Os netos são a última oportunidade de reeditar o nosso afeto.

Por isso, é necessário fazer alguma coisa a mais, antes que elas cresçam.

Disponível em: < http://www.releituras.com/arsant_antes.asp.>. Acesso em: 07.02.2015. [Adaptado]

Glossário:
1. Bonne route, bonne route: a expressão em francês faz menção a um pequeno trecho da música francesa
“Ma fille” e significa: bom caminho, bom caminho...
2. Drive in: Estabelecimento (cinema, restaurante, lanchonete) onde os seus cl ientes podem permanecer em
seus automóveis.
3. Pluft: peça teatral infantil, escrita por Maria Clara Machado.

A oração em destaque no período “Essas são as filhas que conseguimos gerar e amar [...]" tem a mesma classif icação da oração sublinhada em:

Alternativas
Comentários
  • Gabarito: letra B (para aqueles que só leem 10 por dia)

    "FUNÇÕES DA PALAVRA 'QUE' "

    *Substantivo:

    Quando na função de um substantivo, será sempre acentuada graficamente:

    Este caso tem um quê de mistério.

    *Pronome adjetivo interrogativo:

    Liga-se a substantivos em frases interrogativas, podendo ser substituídos por: qual, quais, exercendo a função de adjunto adnominal:

    Que funcionários não compareceram à reunião?

    Que presente você comprou para o aniversariante?

    *Pronome substantivo interrogativo:

    Liga-se a verbos em frases interrogativas, exercendo a função de substantivo:

    Que relatas sobre o passeio?

    Em que acreditar se tudo parece perdido?

    *Pronome adjetivo indefinido:

    Liga-se a substantivos em frases exclamativas, desempenhando a função de adjunto adnominal.

    Que calor faz nesta cidade!

    Que disposição tem aqueles atletas!

    (...)

  • Parte 2:

    "*Pronome relativo:

    Refere-se a um termo antecedente, equivalendo-se a o qual, a qual, os quais, as quais. Introduz uma oração subordinada adjetiva e pode exercer funções sintáticas distintas como:

    *Sujeito:

    Convocaram os docentes que ministrarão os cursos de capacitação.

    {Os docentes ministrarão os cursos de capacitação}

    *Objeto direto:

    Este é o serviço que você deverá executar.

    {Você deverá executar este serviço}

    *Objeto indireto:

    Encontrei o amigo a que ela se referiu.

    {Ela se referiu ao amigo}

    *Complemento Nominal:

    Aquelas são as pessoas de que tenho receio.

    {Tenho receio daquelas pessoas}

    *Predicativo do sujeito:

    O responsável que o garoto é, já conquistou sua vaga na empresa.

    {O garoto é responsável}

    *Agente da passiva:

    Era mentirosa a pessoa por que você foi traído.

    {Você foi traído pela pessoa}

    *Adjunto adverbial

    Não me esqueço do traje com que você se apresentou.

    {Você se apresentou com o traje}.

    *Advérbio de intensidade:

    Relaciona-se a um adjetivo ou advérbio, assumindo o valor de quão e exercendo a função de adjunto adverbial de intensidade:

    Que lindo está seu penteado!

    *Preposição

    Equivalendo a “de” liga dois verbos em locução:

    Temos que resolver a lista de exercícios.

    *Interjeição:

    Quando exprime de maneira sintética e inarticulada um sentimento, uma emoção:

    Quê! Não acredito que você não irá à festa!

    *Partícula expletiva ou de realce:

    Neste caso poderá ser retirado da frase sem que haja alteração de sentido da mesma. Geralmente é representado pela locução é que:

    Quantas surpresas que a vida nos traz.

    Vocês é que são os interessados no assunto.

    (...)

  • Parte 3:

    "

    *Conjunção:

    Como tal, caracteriza-se ora como coordenativa, ora como subordinativa. Trata-se de um mero conectivo, o qual não exerce nenhuma função sintática:

    * Coordenada aditiva – possui valor de “e”:

    Pensa que pensa, mas não consegue encontrar uma solução.

    * Coordenada adversativa – valor de “mas”:

    Todos, que não ele, são culpados pelo incidente.

    * Coordenada explicativa – valor de “pois”:

    Estudem bastante, que o conteúdo programático está complexo.

    * Subordinativa integrante – introduz a oração subordinada substantiva:

    Desejo que você consiga atingir suas metas.

    * Subordinativa final – possui valor de “para que”, “a fim de que”:

    Avisei-lhe com antecedência que preparasse tudo carinhosamente.

    * Subordinativa causal – possui valor de “porque”, “já que”:

    Apressados que estávamos, não pudéramos esperar.

    * Subordinativa comparativa – equivale à expressão “do que”:

    A sua vontade é maior que sua possibilidade.

    * Subordinativa temporal – assume o valor de “desde que”, “desde quando”:

    Fazia dois anos que ele chegara.

    * Subordinativa concessiva – apresenta sentido equivalente a “embora”, “ainda que”:

    Insignificante que seja a proposta, precisamos analisá-la.

    * Subordinativa consecutiva - admite a posposição da locução em consequência:

    Era tão sem compromisso que (em consequência) foi demitido do trabalho.

    (http://www.bancodeconcursos.com/)

  • Resposta: Anulada (Erro material).

    Em resposta a recursos, a Banca Examinadora argumentou: "A questão '05' foi ANULADA, conforme justificativa abaixo. // No período 'Essas são as filhas que conseguimos gerar e amar [...]', a oração subordinada 'que conseguimos gerar e amar [...]' deveria ter vindo destacada, a fim de que o candidato pudesse estabelecer equiparação sintática com uma das alternativas apresentadas. Nesse sentido, há uma falha no comando da questão que interfere na compreensão plena da mesma".

    Evidentemente, corrigindo-se o erro material, identifica-se a Letra B como correta, visto que o trecho destacado nessa proposição corresponde a oração adjetiva restritiva, similarmente à oração grifada no enunciado.

    Espero ter contribuído...

    Abraços!

  • Não entendo as bancas... nessa questão, mesmo sem destaque, dava para perceber que ela queria, dentre as alternativas, a opção que também apresentasse uma oração subordinada adjetiva restritiva.. daí, algumas vezes, ele não anula uma questão com um excelente recurso..