Quando se lê ou se ouve falar sobre fomes coletivas, sobre angustiadas massas humanas atacadas de epidemias de fome, definhando e morrendo à falta de um pouco de comida, as primeiras imagens que assaltam a nossa consciência de homens civilizados são imagens típicas do Extremo Oriente. Imagens evocativas das superpovoadas terras asiáticas com seus enxames humanos se agitando numa estéril e perpétua luta contra o ameaçador espectro da fome. Massas pululantes de esquálidos coolies chineses. Manchas compactas de ascéticos indianos envolvidos em suas longas túnicas, lembrando uma procissão de múmias. Desesperadas multidões comprimidas nas sinuosas ruelas das cidades orientais, atoladas na lama imunda dos arrozais, asfixiadas de poeira nas estradas da China, estorricadas pelas secas periódicas. Multidões famintas que revelam em seus rostos, em seus gestos e em suas atitudes fatigadas a marca sinistra da fome. Tais são os cenários e os personagens a que nossa imaginação sempre recorreu para dar vida aos dramas da fome coletiva.
Hoje, àquelas clássicas imagens se vêm juntar outras de maior atualidade. Imagens dos campos de concentração e das cidades e dos campos europeus devastados pela tirania nazi durante a última guerra mundial. Imagens de homens, mulheres e crianças perambulando como fantasmas num mundo perdido, com os olhos esbugalhados flutuando fora das órbitas e com os molambos de vestuários balançando grotescamente sobre a armação dos esqueletos saltando à flor da pele.
Para aqueles que têm conhecimento da fome apenas através do noticiário dos jornais, reduzem-se a estas duas grandes regiões geográficas – o Oriente exótico e a Europa devastada – as áreas de distribuição da fome, atuando como calamidade social. Na realidade, a fome coletiva é um fenômeno social bem mais generalizado. É um fenômeno geograficamente universal, não havendo nenhum continente que escape à sua ação nefasta. Toda a terra dos homens tem sido também até hoje terra da fome. Mesmo nosso continente, chamado o da abundância e simbolizado até hoje nas lendas do Eldorado, sofre intensamente o flagelo da fome. E, se os estragos desse flagelo na América não são tão dramáticos como sempre foram no Extremo Oriente, nem tão espetaculares como se apresentaram nos últimos anos na Europa, nem por isso são menos trágicos, visto que, entre nós, esses estragos se fazem sentir mais sorrateiramente, minando a nossa riqueza humana numa persistente ação destruidora, geração após geração.
É preciso que se confesse corajosamente que a terra da promissão, para a qual foram atraídos, só no século passado, cem milhões de imigrantes europeus, que procuravam fugir às garras da pobreza, também é uma terra onde se passa fome, onde se vive lutando contra a fome, onde milhões de indivíduos morrem de fome. A pouca gente que habita continentes distantes poderia ocorrer a ideia de que a América, com suas enormes reservas naturais, na maior parte inexploradas, com tanta terra à disposição de tão pouca gente e com uma larga faixa do território ocupada pelo povo mais industrioso e ativo do mundo – os americanos do norte – não dispõe do mínimo indispensável de alimentos para satisfazer as necessidades de cada um dos seus 350 milhões de habitantes. No entanto, a verdade é que estamos muito longe deste ideal.
DE CASTRO, J. Geografia da fome. Casa do Estudante do Brasil, 1952.
Considerando a leitura do texto, bem como as orientações da prescrição gramatical no que se refere a textos escritos na modalidade padrão da Língua Portuguesa, analise as assertivas abaixo.
I. Pela formulação frasal ao final do terceiro parágrafo, torna-se possível omitir o termo “esses estragos”, sem que isso implique prejuízo para o sentido ou para a organização sintática do trecho.
II. A repetição do termo “fome”, no primeiro período do último parágrafo, é desnecessária, por isso deveria ter sido evitada, por exemplo, enumeração dos verbos e o uso da palavra “fome” apenas uma vez, ao final da frase.
III. O “A” presente na expressão “A pouca gente” (último parágrafo) seguirá não levando crase se o termo “pouca” for trocado por “essa” e por “toda”.
É correto o que se afirma em