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ID
1567975
Banca
COSEAC
Órgão
UFF
Ano
2015
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

1     (...) a democracia moderna, regime que admite conflitos, também gera um certo teor de conflito que poderia não existir. Quando um cargo é colocado em disputa, no âmbito público, aparecem candidatos. Ora, não é óbvio que sempre haja divergências, justificando candidaturas opostas. Mas é o que acontece. E, desde que os partidos foram considerados pilares da democracia representativa, a tendência deles é se diferenciarem, oporem-se. Então, a democracia não se limita a retratar divergências existentes na sociedade: ela aprofunda algumas, acentua-as, até mesmo as agrava.

2    Crítica parecida, por sinal, foi feita por sucessivos inimigos da “democracia dos partidos", que é a principal forma moderna de democracia – desde os totalitários até o presidente francês de Gaulle e pensadores marxistas não autoritários. Mas o regime democrático também cumpre um papel mais reconhecido, mais alardeado, que é a menina dos olhos de quem o defende: ele aceita um teor de conflito na sociedade. Admite como normal que haja tensões entre pessoas ou grupos. Pela primeira vez na história do mundo, desobriga os humanos de viver num todo harmônico, equilibrado. Porque a harmonia é uma empulhação. Na Ásia, o discurso confuciano, assentado na ideia de que a sociedade se organiza como uma família, leva a entender a discórdia como traição. No Ocidente, a comparação do Estado a um corpo harmônico e saudável autorizou considerar o divergente um membro gangrenado ou doente, que deve ser amputado. Quem não obedece ao amor do príncipe não é apenas um divergente, uma pessoa livre para pensar de outra forma: é um traidor, um ingrato, um infame.

3    Diante dessa representação hipócrita das relações sociais como amorosas e da conversão do amor em autoritarismo – porque quem não retribui o amor do ditador obedecendo-lhe em todas as coisas atrai o castigo –, a democracia simplesmente deixa as coisas acontecerem. Discorda? É um direito seu. Haverá regras para dizer a discordância e, mesmo, submetê-las ao voto. A democracia cria procedimentos para garantir o direito de oposição – que também reduzem o teor dos confrontos. 

4    Isso quer dizer que o conflito político não pode ser excessivo, e geralmente não o é. Primeiro, porque a política é a substituição da guerra. Em vez de armas, brigamos com votos. Eles não matam. O adversário não é inimigo. Não está em jogo, ao contrário do que pretendia Carl Schmidt, a extinção do outro. Pelo menos não se quer sua eliminação física, como na guerra, como com o inimigo. Segundo, porque a política se dá com palavras, que manejam emoções que se expressam no voto. Lembremos o que é “voto": o significado deste termo se vê em “votos de felicidade" ou de “feliz ano-novo". Votos são desejos. Expressamos nosso desejo em palavras, as do debate político, elaborando a decisão de votar em Fulano ou Beltrano.

5   Assim, a democracia representativa de partidos gera necessariamente conflitos, mas não os deixa transbordar para a forma bélica. Ela exige um certo teor de conflito, mas não excessivo. Não vive sem conflitos, mas morre se o conflito se exacerbar.

                                                                               (RIBEIRO, Renato Janine. Rev. Filosofia: set., 2014, p. 82.)



Com a mudança de posição do termo em destaque, altera-se o sentido fundamental do enunciado em:

Alternativas
Comentários
  • Gabrito letra C

     

    A 1º  frase é adversativa e a segunda é aditiva( Mas também,..). Acredito que seja isso. 

  •  

    a)“ENTÃO, a democracia não se limita a retratar divergências existentes na sociedade” (§ 1) / A democracia não se limita, ENTÃO, a retratar divergências existentes na sociedade.  Ambas com ideia de conclusão.

     

    b)“Crítica parecida, POR SINAL, foi feita por sucessivos inimigos da „democracia dos partidos‟” (§ 2) / POR SINAL, crítica parecida foi feita por sucessivos inimigos da “democracia dos partidos”.  Elemento de coesão que retoma à ideia anterior. Pode ser substituído por : por falar nisso.

     

    c)“Mas o regime democrático TAMBÉM cumpre um papel mais reconhecido, mais alardeado” (§ 2)(valor semântico de adição, pois quando ele diz que o regime democrático TAMBÉM cumpre...é complementar à ideia do parágrafo anterior em que " a democracia não se limita a retratar divergências existentes na sociedade...mas TAMBÉM cumpre..." ou seja adiciona outra característica.)/ Mas TAMBÉM o regime democrático cumpre um papel mais reconhecido, mais alardeado. (adversativa).

     

    d) “PELO MENOS não se quer sua eliminação física, como na guerra, como com o inimigo” (§ 4) / Não se quer PELO MENOS sua eliminação física, como na guerra, como com o inimigo.  Em ambas o sentido é o mesmo.

     

    e)“ASSIM, a democracia representativa de partidos gera necessariamente conflitos” (§ 5) / A democracia representativa de partidos gera, ASSIM, necessariamente conflitos.  Elementos de coesão e em ambos o sentido é o mesmo, o de conclusão.

     

     

    Gab C. É importante notar que as conjunções nem sempre assumem um valor para todo contexto. Por exemplo :

     

    1) Aditivas: ligam orações ou palavras, expressando ideia de acrescentamento ou adição. São elas: e, nem (= e não), não só... mas também, não só... como também, bem como, não só... mas ainda. Por exemplo:

    A sua pesquisa é clara e objetiva.

    Ela não só dirigiu a pesquisa como também escreveu o relatório.