Uma das coisas mais bonitas e importantes da arte do cineasta
Eduardo Coutinho, mestre dos documentários, morto em
2014, está em sua recusa aos paradigmas que atropelam nossa
visão de mundo. Em vez de contemplar a distância grupos,
classes ou segmentos, ele vê de perto pessoa por pessoa, surpreendendo-a,
surpreendendo-se, surpreendendo-nos. Não lhe
dizem nada expressões coletivistas como “os moradores do Edifício”,
os “peões de fábrica”, “os sertanejos nordestinos”: os famigerados
“tipos sociais”, usualmente enquadrados por chavões,
dão lugar ao desafio de tomar o depoimento vivo de quem
ocupa aquela quitinete, de investigar a fisionomia desse operário que está falando, de repercutir as palavras e os silêncios do
morador de um povoado da Paraíba.
Essa dimensão ética de discernimento e respeito pela
condição singular do outro deveria ser o primeiro passo de toda
política. Nem paternalismo, nem admiração prévia, nem sentimentalismo:
Coutinho vê e ouve, sabendo ver e ouvir, para conhecer
a história de cada um como um processo sensível e inacabado,
não para ajustar ou comprovar conceitos. Sua obsessão
pela cena da vida é similar à que tem pela arte, o que torna
quase impossível, para ele, distinguir uma da outra, opor personagem
a pessoa, contrapor fato a perspectiva do fato.
Fazendo dessa obsessão um eixo de sua trajetória, Coutinho
viveu como um homem/artista crítico para quem já existe arte
encarnada no corpo e suspensa no espírito do outro: fixa a
câmera, abre os olhos e os ouvidos, apresenta-se, mostra-se,
mostra-o, mostra-nos.
(Armindo Post, inédito)
Está plenamente adequado o emprego de ambos os elementos
sublinhados na seguinte frase: