SóProvas


ID
1656478
Banca
FUNCAB
Órgão
MPOG
Ano
2015
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

Os laços de família

    A mulher e a mãe acomodaram-se finalmente no táxi que as levaria à Estação. A mãe contava e recontava as duas malas tentando convencer-se de que ambas estavam no carro. Afilha, com seus olhos escuros, a que um ligeiro estrabismo dava um contínuo brilho de zombaria e frieza assistia.
 - Não esqueci de nada? perguntava pela terceira vez a mãe
-  Não, não, não esqueceu de nada, respondia a filha divertida, com paciência.

     Ainda estava sob a impressão da cena meio cômica entre sua mãe e seu marido, na hora da despedida. Durante as duas semanas da visita da velha, os dois mal se haviam suportado; os bons-dias e as boas-tardes soavam a cada momento com uma delicadeza cautelosa que a fazia querer rir. Mas eis que na hora da despedida, antes de entrarem no táxi, a mãe se transformara em sogra exemplar e o marido se tornara o bom genro. “Perdoe alguma palavra mal dita”, dissera a velha senhora, e Catarina, com alguma alegria, vira Antônio não saber o que fazer das malas nas mãos, a gaguejar - perturbado em ser o bom genro. “Se eu rio, eles pensam que estou louca”, pensara Catarina franzindo as sobrancelhas. “Quem casa um filho perde um filho, quem casa uma filha ganha mais um”, acrescentara a mãe, e Antônio aproveitara sua gripe para tossir. Catarina, de pé, observava com malícia o marido, cuja segurança se desvanecera para dar lugar a um homem moreno e miúdo, forçado a ser filho daquela mulherzinha grisalha... Foi então que a vontade de rir tornou-se mais forte. Felizmente nunca precisava rir de fato quando tinha vontade de rir: seus olhos tomavam uma expressão esperta e contida, tornavam-se mais estrábicos - e o riso saía pelos olhos. Sempre doía um pouco ser capaz de rir. Mas nada podia fazer contra: desde pequena rira pelos olhos, desde sempre fora  estrábica.
[...]
- Não esqueci de nada..., recomeçou a mãe, quando uma freada súbita do carro lançou-as uma contra a outra e fez despencarem as malas. — Ah! ah! - exclamou a mãe como a um desastre irremediável, ah! dizia balançando a cabeça em surpresa, de repente envelhecida e pobre. E Catarina?
     Catarina olhava a mãe, e a mãe olhava a filha, e também a Catarina acontecera um desastre? seus olhos piscaram surpreendidos, ela ajeitava depressa as malas, a bolsa, procurando o mais rapidamente possível remediar a catástrofe. Porque de fato sucedera alguma coisa, seria inútil esconder:
Catarina fora lançada contra Severina, numa intimidade de corpo há muito esquecida, vinda do tempo em que se tem pai e mãe. Apesar de que nunca se haviam realmente abraçado ou beijado. Do pai, sim. Catarina sempre fora mais amiga. Quando a mãe enchia-lhes os pratos obrigando-os a comer demais, os dois se olhavam piscando em cumplicidade e a mãe nem notava. Mas depois do choque no táxi e depois de se ajeitarem, não tinham o que falar - por que não chegavam logo à Estação?
- Não esqueci de nada, perguntou a mãe com voz resignada.
Catarina não queria mais fitá-la nem responder-lhe
Tome suas luvas! disse-lhe, recolhendo-as do chão

    - Ah! ah! minhas luvas! exclamava a mãe perplexa. Só se espiaram realmente quando as malas foram dispostas no trem, depois de trocados os beijos: a cabeça da mãe apareceu na janela.
Catarina viu então que sua mãe estava envelhecida e tinha os olhos brilhantes.
    O trem não partia e ambas esperavam sem ter o que dizer. A mãe tirou o espelho da bolsa e examinou-se no seu chapéu novo, comprado no mesmo chapeleiro da filha. Olhava-se compondo um ar excessivamente severo onde não faltava alguma admiração por si mesma. A filha observava divertida. Ninguém mais pode te amar senão eu, pensou a mulher rindo pelos olhos ; e o peso da responsabilidade deu-lhe à boca um gosto de sangue. Como se “mãe e filha” fosse vida e repugnância. Não, não se podia dizer que amava sua mãe. Sua mãe lhe doía, era isso. A velha guardara o espelho na bolsa, e fitava-a sorrindo.
LISPECTOR, Clarice. In: Os melhores contos de Clarice Lispector. Seleção de Walnice Nogueira Galvão. São Paulo:Global,1996.p 70-7.

Observe as frases:

I. “Mas NADA podia fazer contra"

II. Não esqueci DE NADA?''

Sobre elas pode-se afirmar que, no contexto:


Alternativas
Comentários
  • acho que o erro está em "particularização", acho que não está particularizando, destacando, especificando uma coisa apenas, a frase está no máximo está restringindo, limitando, a um pequeno universo ou conjunto de coisas, quais sejam as coisas dela. assim eu entendi, os nerds ai que expliquem.

  • Letra B. Correta. Isto porque, na primeira expressão I - Mas NADA podia fazer contra, dá uma ideia mais abrangente, onde ao mesmo tempo não delimita o que realmente deseja expressar, isto é ambiguidade,  ou seja, impõe uma ideia de dúvida, vazio, inexatidão, logo não especifica ao certo o que gostaria de fazer, enquanto, a segunda expressão DE NADA nos dá a ideia de algo palpável, material, um objeto talvez que a personagem pudesse ter esquecido.

    Em relação a Letra A. É totalmente o inverso, pois o NADA na expressão da questão impõe algo subjetivo, bem como, o DE NADA do segundo fragmento trás a ideia de algo ou algum objeto que se perdeu, pois se tiramos da expressão a preposição DE apenas abrangerá a ideia de algo que tenha esquecido não sendo apenas um objeto p. ex, mas algo mais abrangente, atentando-se ainda, para pontuação, pois na verdade a personagem faz uma indagação (pergunta) e não uma afirmação, o que poderia nos levar a erro, o que torna a letra B incorreta.

    Em relação as demais apenas se tratam de extrapolações e ainda de exageros, pois não reproduzem verdadeiramente o significado das expressões 

    Sucesso para todos nós. 

  • A letra B está errada pois:

    Frase II. A expressão "de nada" está se referindo a alguma coisa: Não esqueci DE ALGUMA COISA? Observa-se que é em sentido amplo "qualquer coisa" e não estrito, definido, particularizado, como se refere a questão. Se assim o fosse, seria: Não esqueci DOS SAPATOS?

    Frase I. O pronome indefinido "nada" apenas se opõe a tudo na oração e não nega TUDO que existe!

    A correta é a letra C mesmo. Sendo que sintagma é uma unidade sintática composta de um ou mais vocábulos que forma orações.