- ID
- 1767049
- Banca
- Prefeitura do Rio de Janeiro - RJ
- Órgão
- CGM - RJ
- Ano
- 2015
- Provas
- Disciplina
- Português
- Assuntos
Texto: A civilização contra o porrete
Recentemente, a 20 quilômetros da cidade de Frankfurt, Alemanha,
pesquisadores encontraram um sítio arqueológico de sete
mil anos, onde uma aldeia inteira teria sido exterminada por vizinhos
inimigos enquanto dormia. Além dos golpes fatais na cabeça de
cada um, havia, nesses restos mortais, sinais de torturas variadas
espalhados pelos corpos das vítimas. Para começar, todos tinham
as pernas quebradas, provavelmente para que não pudessem escapar
à tortura.
Como os agrupamentos humanos do neolítico não passavam
de algumas dezenas de pessoas, o número de mortos massacrados
a porrete, incluindo crianças, seria equivalente a algo em torno
de 40 milhões de brasileiros, se sofrêssemos hoje um ataque das
mesmas proporções. Diante disso, Hiroshima e Nagasaki não teriam
passado de um entrevero desimportante, sem maiores pretensões
e consequências.
Não deve ser, portanto, verdade que o homem nasce bom e se
torna mau, que nasce puro e a sociedade o corrompe com seus
hábitos, com seu desenvolvimento e progresso. Mesmo que não
existisse o semelhante, o homem encontraria onde exprimir sua
violência. O bon sauvage que Jean-Jacques Rousseau, um precursor
da democracia moderna, anunciou no século XVIII, nunca
existiu. O homem sempre foi violento e essa violência nunca foi
provocada apenas por necessidades incontroláveis como a fome.
Na verdade, a violência apenas como fruto de necessidades é, ao
contrário, uma característica dos outros animais.
A violência é uma perversão da natureza humana. Ela está na
origem da espécie, em sua luta pela sobrevivência, mas também no
desejo de se impor ao outro. O homem é, por exemplo, o único
animal capaz de torturar um seu igual, o único a fazer da violência
uma manifestação cultural.
Grande parte dos crimes cometidos em nossas ruas é
provocada por um desejo incontrolável produzido por nós mesmos,
sem que a vítima tenha nada a ver com isso. Na maior parte das
vezes, esse desejo tem origem em nosso exibicionismo, na necessidade
de conquistarmos o que o outro já tem, fruto da propaganda
que nos fala todo dia das maravilhas que não estão a nosso alcance.
Só a educação pode evitar essa prática criminosa do desejo. Ou
a civilização.
A civilização, ao contrário do que certos naturistas querem,
inclusive alguns pais do Iluminismo, como o próprio Rousseau, é um
conjunto de arranjos impostos às relações humanas para evitar a
inevitável violência que não temos individualmente forças para conter.
É como se fossem regras restritivas e sucessivas, criadas pela
consciência humana por medo de sua própria violência. Um jeito de
conviver com seu semelhante, sem necessidade de se impor pelo
porrete.
É provável que nunca consigamos extinguir a violência entre
os homens; mas essa fatalidade não justifica sermos solidários ou
mesmo complacentes com ela. O papel da civilização será sempre o
de domesticar a violência, criar condições para que ela não seja
admissível e muito menos indispensável, seja na forma de guerras
coletivas, seja na de conflitos individuais. Nenhum de seus formatos
é justo, mesmo que exercido em nome de ideologias, de programas
políticos, de lutas pelo poder. Se as ideias exigem violência para se
concretizarem, elas devem estar erradas.
Cacá Diegues. O Globo, 30/08/2015. Fragmento.
Disponível em: http://oglobo.globo.com/opiniao/a-civilizacao-contra-porrete-17344948#ixzz3kiZVuJ3E
“sem necessidade de se impor pelo porrete". O verbo em destaque encontra-se na forma nominal do infinitivo. Segundo as normas gramaticais para a língua padrão, essa mesma forma preenche corretamente a lacuna existente em: