SóProvas


ID
1774711
Banca
FUNCAB
Órgão
Faceli
Ano
2015
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

                             As intermitências da morte

                                          (Fragmento) 

      A morte conhece tudo a nosso respeito, e talvez por isso seja triste. Se é certo que nunca sorri, é só porque lhe faltam os lábios, e esta lição anatômica nos diz que, ao contrário do que os vivos julgam, o sorriso não é uma questão de dentes. Há quem diga, com humor menos macabro que de mau gosto, que ela leva afivelada uma espécie de sorriso permanente, mas isso não é verdade, o que ela traz à vista é um esgar de sofrimento, porque a recordação do tempo em que tinha boca, e a boca língua, e a língua saliva, a persegue continuamente. Com um breve suspiro, puxou para si uma folha de papel e começou a escrever a primeira carta deste dia, Cara senhora, lamento comunicar-lhe que a sua vida terminará no prazo irrevogável e improrrogável de uma semana, desejo-lhe que aproveite o melhor que puder o tempo que lhe resta, sua atenta servidora, morte. Duzentas e noventa e oito folhas, duzentos e noventa e oito sobrescritos, duzentas e noventa e oito descargas na lista, não se poderá dizer que um trabalho destes seja de matar, mas a verdade é que a morte chegou ao fim exausta. Com o gesto da mão direita que já lhe conhecemos fez desaparecer as duzentas e noventa e oito cartas, depois, cruzando sobre a mesa os magros braços, deixou descair a cabeça sobre eles, não para dormir, porque morte não dorme, mas para descansar. Quando meia hora mais tarde, já refeita da fadiga, a levantou, a carta que havia sido devolvida à procedência e outra vez enviada, estava novamente ali, diante das suas órbitas atônitas.

      Se a morte havia sonhado com a esperança de alguma surpresa que a viesse distrair dos aborrecimentos da rotina, estava servida. [...] Entre ir e vir, a carta não havia demorado mais que meia hora, provavelmente muito menos, dado que já se encontrava em cima da mesa quando a morte levantou a cabeça do duro amparo dos antebraços, isto é, do cúbito e do rádio, que para isso mesmo é que são entrelaçados. Uma força alheia, misteriosa, incompreensível, parecia opor-se à morte da pessoa, apesar de a data da sua defunção estar fixada, como para toda a gente, desde o próprio dia do nascimento. É impossível, disse a morte à gadanha silenciosa, ninguém no mundo ou fora dele teve alguma vez mais poder do que eu. eu sou a morte, o resto é nada.

SARAMAGO, José. As intermitências da morte. São Paulo: Companhia das Letras, 2005. p. 139-40.

“A morte conhece tudo a nosso respeito, e talvez por ISSO seja triste."

O uso da forma destacada do demonstrativo, no contexto, se justifica porque: 

Alternativas
Comentários
  • Letra C.

     

    Comentário:

     

    O pronome demonstrativo “isso” é empregado como recurso anafórico e retoma a informação da oração “A morte conhece

    tudo a nosso respeito”.

     

    Assim, a alternativa (C) é a correta.

     

    As alternativas (A) e (B) estão erradas, porque os referentes estão no texto, e não fora dele.

     

    A alternativa (D) está errada, porque não houve repetição da palavra.

     

    A alternativa (E) está errada, pois houve retomada de informação e não a sua apresentação posterior.

     

     

    Gabarito: C

    Prof. Décio Terror