- ID
- 1850590
- Banca
- IBAM
- Órgão
- Prefeitura de Mauá - SP
- Ano
- 2014
- Provas
- Disciplina
- Português
- Assuntos
REPOLHOS IGUAIS
Sempre me impressiona o impulso geral de igualar a todos ser diferente, sobretudo ser original, é defeito
Parece perigoso E, se formos diferentes, quem sabe aqui e ali uma medicaçãozinha ajuda.
Alguém é mais triste? Remédio nele. Deprimido? Remédio nele (ainda que tenha acabado de perder uma
pessoa amada, um emprego, a saúde). Mais gordinho? Dieta nele. Mais alto? Remédio na adolescência
para parar de crescer. Mais relaxado na escola? Esse é normal. Mais estudioso, estudioso demais? A gente
se preocupa, vai virar nerd (se for menina, vai demorar a conseguir marido).
Não podemos, mas queremos tornar tudo homogêneo, meninas usam o mesmo cabelo, a mesma roupa, os
mesmos trejeitos; meninos, aquele boné virado. Igualdade antes de tudo, quando a graça, o poder, a força
estão na diversidade. Narizes iguais, bocas iguais, sobrancelhas iguais, posturas iguais.
Não se pode mais reprovar crianças e jovens na escola, pois são todos iguais. Serão? É feio, ou
vergonhoso, ter mais talento, ser mais sonhador, ter mais sorte, sucesso, trabalhar mais e melhor.
Vamos igualar tudo, como lavouras de repolhos, se possível... iguais. E assim, com tudo o que pode ser
controlado com remédios, nos tornamos uma geração medicada. Não todos - deixo sempre aberto o
espaço da exceção para ser realista, e respeitando o fato de que para muitos os remédios são uma
necessidade —, mas uma parcela crescente da população é habitualmente medicada.
Remédios para pressão alta, para dormir, para acordar, para equilibrar as emoções, para emagrecer, para
ter músculos, para ter um desempenho sexual fantástico, para ter a ilusão de estar com 30 anos quando se
tem 70 Faz alguns anos reina entre nós o diagnóstico de déficit de atenção para um número assustador de
crianças.
Não sou psiquiatra, mas a esta altura de minha vida criei e acompanhei e vi muitas crianças mais agitadas,
ou distraídas, mas nem por isso precisadas de medicação a torto e a direito. Fala-se, não sei em que lugar
deste mundo louco, em botar Ritalina na merenda das escolas públicas. Tal fúria de igualitarismo esconde
uma ideologia tola e falsa.
Se déssemos a 100 pessoas a mesma quantidade de dinheiro e as mesmas oportunidades, em dois anos
todas teriam destino diferente: algumas multiplicariam o dinheiro; outras o esbanjariam; outras o
guardariam; outras ainda o dedicariam ao bem (ou ao mal) alheio.
Então, quem sabe, querer apaziguar todas as crianças e jovens com medicamentos para que não estorvem
os professores já desesperados por falta de estímulo e condições, ou para permitir aos pais se preocuparem
menos, ou ajudar as babás enquanto os pais trabalham ou fazem academia ou simplesmente viajam, nem
valerá a pena.
Teremos mais crianças e jovens aturdidos, crianças e jovens mais violentos e inquietos quando a
medicação for suspensa. Bastam, para desatenção, agitação e tantas dificuldades relacionadas, as
circunstâncias de vida atual.
Recentemente, uma pediatra experiente me relatou que a cada tantos anos aparecem em seu consultório
mais crianças confusas, atônitas, agitadas demais, algumas apenas sofrendo por separações e novos
casamentos, em que os filhos, que não querem se separar de ninguém, são puxados de um lado para o
outro, sem casa fixa, um centro de referência, um casal de pais sempre os mesmos.
Quem as traz são mães ou pais em igual estado. Correrias, compromissos, ansiedade por estar na crista da
onda, por participar e ser o primeiro, por não ficar para trás, por não ser ignorado, por cumprir os horários,
as prescrições, os comandos, tudo o que tantas pressões sociais e culturais ordenam, realmente estão nos
tornando eternos angustiados e permanentes aflitos.
Mudar de vida é difícil. Em lugar de correr mais, parar para pensar, roubar alguns minutos para olhar,
contemplar, meditar, também é difícil, pois é fugir do padrão. Então seguimos em frente, nervosos com
nossos filhos mais nervosos. Haja psicólogo, psiquiatra e medicamento para sermos todos uns repolhos
iguais.
Lya Luft, disponível em [http://veja.abril.com.br/blog/ricardo-setti/lema-livre/iya-luft-repoihos-iguais/],
publicado em 10/5/2014, consultado em 18/10/2014.
Leia os períodos abaixo.
I. Em sua maneira de andar há um quê de menina, embora já seja uma mulher.
II. Por quê você está rindo da situação? Não é o caso, com certeza.
III. Não sei o quê ela viu nesse rapaz, ele não tem modos e é grosseiro com todos!
IV. Quê bom você haver resolvido voltar a estudar!
Os termos “quê", acentuados, foram empregados em consonância com a norma culta no(s) período(s)
apresentado(s) em: