SóProvas


ID
1869742
Banca
FUNCAB
Órgão
Prefeitura de Santa Maria de Jetibá - ES
Ano
2016
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

                                      O encontro


      Maria da Piedade Lourenço era uma mulher miúda e nervosa, com uma cabeleira pardacenta, malcuidada, erguida, como uma crista, no alto da cabeça. Ludo não conseguia distinguir-lhe os pormenores do rosto. Todavia, deu pela crista. Parece uma galinha, pensou, e logo se arrepende por ter pensado aquilo. Andara nervosíssima nos dias que antecederam a chegada da filha. Quando esta lhe surgiu à frente, porém, veio-lhe uma grande calma. Mandou-a entrar. A sala estava agora pintada e arranjada, soalho novo, portas novas, tudo isso às custas do vizinho, Arnaldo Cruz, que também fizera questão de oferecer as mobílias. Comprara o apartamento a Ludo, concedendo-lhe o usufruto vitalício do mesmo, e comprometendo-se a pagar os estudos de Sabalu até este concluir a universidade.

      A mulher entrou. Sentou-se numa das cadeiras, tensa, agarrada à bolsa como a uma boia de salvação. Sabalu foi buscar chá e biscoitos.

      Não sei como a hei de chamar.

      Pode chamar-me Ludovica, é o meu nome.

      Um dia poderei chamá-la mãe?

     Ludo apertou as mãos de encontro ao ventre. Podia ver, através das janelas, os ramos mais altos da mulemba. Nenhuma brisa os inquietava.

      Sei que não tenho desculpa, murmurou: Era muito nova, e estava assustada. Isso não justifica o que fiz.

      Maria da Piedade arrastou a cadeira para junto dela. Pousou a mão direita no seu joelho:

      Não vim a Luanda para cobrar nada. Vim para a conhecer. Quero levá-la de volta para a nossa terra.

      Ludo segurou-lhe a mão:

      Filha, esta é a minha terra. Já não me resta outra.

      Apontou para a mulemba:

      Tenho visto crescer aquela árvore. Ela viu-me envelhecer a mim.

      Conversamos muito.

      A senhora há de ter família em Aveiro.

      Família?!

      Família, amigos, eu sei lá.

      Ludo sorriu para Sabalu, que assistia a tudo, muito atento, enterrado num dos sofás:

      A minha família é esse menino, a mulemba lá fora, o fantasma de um cão. Vejo cada vez pior. Um oftalmologista, amigo do meu vizinho, esteve aqui em casa, a observar-me. Disse-me que nunca perderei a vista por completo. Resta-me a visão periférica. Hei de sempre distinguir a luz, e a luz neste país é uma festa. Em todo o caso, não pretendo mais: A luz, Sabalu a ler para mim, e a alegria de uma romã todos os dias.


AGUALUSA, José Eduardo.Teoria Geral do Esquecimento. Rio de Janeiro: Foz, 2012. 

“Comprara o apartamento a Ludo, concedendo-lhe o usufruto vitalício do mesmo, e comprometendo-se a pagar os estudos de Sabalu até este concluir a universidade.”


A respeito do trecho acima, quanto aos aspectos gramatical, sintático e semântico, analise as afirmativas a seguir.


I. A primeira oração poderia ser iniciada pela forma composta HAVIA COMPRADO, sem perda de sentido.

II. Não há referente, no texto, que justifique o uso do pronome LHE.

III. SE, dentro da oração a que pertence, é índice de indeterminação do sujeito.


Está(ão) correta(s) apenas a(s) afirmativa(s): 

Alternativas
Comentários
  • “Comprara o apartamento a Ludo, concedendo-lhe o usufruto vitalício do mesmo, e comprometendo-se a pagar os estudos de Sabalu até este concluir a universidade.”

    I. A primeira oração poderia ser iniciada pela forma composta HAVIA COMPRADO: Havia comprado o apartamento a Ludo ----- OK

    II. Não há referente, no texto, que justifique o uso do pronome LHE: concedendo-lhe = concedendo a ele ------- ERRADO

    III. SE, dentro da oração a que pertence, é índice de indeterminação do sujeito: comprometendo-se (reflexivo: ele se comprometeu) ---- ERRADO

  • III - É parte integrante do verbo.

     

    Para saber, vc tenta conjugá-lo; no caso em questao só é possível com colocação pronominal, ou seja; PARTE INTEGRANTE DO VERBO.

     

  • Gabarito letra A

     

    I. A primeira oração poderia ser iniciada pela forma composta HAVIA COMPRADO, sem perda de sentido.

    Correto, o mais que perfeito pode ser reescrito sem alteração semântica ou gramatical, caso você use o ter ou haver. Fica correto dizer então, tinha comprado ou havia comprado.

     

    II. Não há referente, no texto, que justifique o uso do pronome LHE.

    Errado, o refente é Ludo - concedendo a Ludo... para não repetir usou -se o lhe.

     

    III. SE, dentro da oração a que pertence, é índice de indeterminação do sujeito.

    Errado, pronome reflexivo (comprometendo a si mesmo) 

     

     

  • RUMO À PMSC!