SóProvas


ID
1883935
Banca
IDECAN
Órgão
SEARH - RN
Ano
2016
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

                                    Uma esperança


      Aqui em casa pousou uma esperança. Não a clássica, que tantas vezes verifica‐se ser ilusória, embora mesmo assim nos sustente sempre. Mas a outra, bem concreta e verde: o inseto.

      Houve um grito abafado de um de meus filhos:

      – Uma esperança! e na parede, bem em cima de sua cadeira! Emoção dele também que unia em uma só as duas esperanças, já tem idade para isso. Antes surpresa minha: esperança é coisa secreta e costuma pousar diretamente em mim, sem ninguém saber, e não acima de minha cabeça numa parede. Pequeno rebuliço: mas era indubitável, lá estava ela, e mais magra e verde não poderia ser.

      – Ela quase não tem corpo, queixei‐me.

      – Ela só tem alma, explicou meu filho e, como filhos são uma surpresa para nós, descobri com surpresa que ele falava das duas esperanças.

      Ela caminhava devagar sobre os fiapos das longas pernas, por entre os quadros da parede. Três vezes tentou renitente uma saída entre dois quadros, três vezes teve que retroceder caminho. Custava a aprender.

      – Ela é burrinha, comentou o menino.

      – Sei disso, respondi um pouco trágica.

      – Está agora procurando outro caminho, olhe, coitada, como ela hesita.

      – Sei, é assim mesmo.

      – Parece que esperança não tem olhos, mamãe, é guiada pelas antenas.

      – Sei, continuei mais infeliz ainda.

      Ali ficamos, não sei quanto tempo olhando. Vigiando‐a como se vigiava na Grécia ou em Roma o começo de fogo do lar para que não se apagasse.

      – Ela se esqueceu de que pode voar, mamãe, e pensa que só pode andar devagar assim.

      Andava mesmo devagar – estaria por acaso ferida? Ah não, senão de um modo ou de outro escorreria sangue, tem sido sempre assim comigo.

      Foi então que farejando o mundo que é comível, saiu de trás de um quadro uma aranha. Não uma aranha, mas me parecia “a” aranha. Andando pela sua teia invisível, parecia transladar‐se maciamente no ar. Ela queria a esperança. Mas nós também queríamos e, oh! Deus, queríamos menos que comê‐la. Meu filho foi buscar a vassoura. Eu disse fracamente, confusa, sem saber se chegara infelizmente a hora certa de perder a esperança:

      – É que não se mata aranha, me disseram que traz sorte...

      – Mas ela vai esmigalhar a esperança! respondeu o menino com ferocidade.

      – Preciso falar com a empregada para limpar atrás dos quadros – falei sentindo a frase deslocada e ouvindo o certo cansaço que havia na minha voz. Depois devaneei um pouco de como eu seria sucinta e misteriosa com a empregada: eu lhe diria apenas: você faz o favor de facilitar o caminho da esperança.

      O menino, morta a aranha, fez um trocadilho, com o inseto e a nossa esperança. Meu outro filho, que estava vendo televisão, ouviu e riu de prazer. Não havia dúvida: a esperança pousara em casa, alma e corpo.

      Mas como é bonito o inseto: mais pousa que vive, é um esqueletinho verde, e tem uma forma tão delicada que isso explica por que eu, que gosto de pegar nas coisas, nunca tentei pegá‐la.

      Uma vez, aliás, agora é que me lembro, uma esperança bem menor que esta, pousara no meu braço. Não senti nada, de tão leve que era, foi só visualmente que tomei consciência de sua presença. Encabulei com a delicadeza. Eu não mexia o braço e pensei: “e essa agora? que devo fazer?” Em verdade nada fiz. Fiquei extremamente quieta como se uma flor tivesse nascido em mim. Depois não me lembro mais o que aconteceu. E, acho que não aconteceu nada.

               

  (LISPECTOR, Clarice. Uma esperança. In: Felicidade clandestina. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.)

Dentre as expressões destacadas, apenas uma NÃO produz o mesmo efeito de sentido visto nas demais; assinale‐a.

Alternativas
Comentários
  • a)"Aqui em casa" : advérbio de lugar

    b)"com ferocidade": advérbio de modo (resposta)

    c)"na parede" : advérbio de lugar

    d)"em mim": advérbio de lugar

    Corrija-me se estiver errada. Bons Estudos!

  • adjunto adverbial se liga ao verbo com ou sem preposição,indica uma circunstãncia

    se liga tambem ao adjetivo ou ao advérbio para intensificar o sentido

     

  •  a) “Aqui em casa pousou uma esperança.” (1º§)     (ERRADO)     OBS.   Adjunto adverbial de lugar

     

     b)“... respondeu o menino com ferocidade.” (18º§)    (CORRETO)     OBS.   Adjunto adverbial de modo, ou seja, o modo como o menino respondeu.

     

     c)“– Uma esperança! e na parede, bem em cima de sua cadeira!” (3º§)     (ERRADO)     OBS.   Adjunto adverbial de lugar

     

     d) “... esperança é coisa secreta e costuma pousar diretamente em mim,...” (3º§)    (ERRADO)     OBS.   Adjunto adverbial de lugar

  • Todos são discursos diretos, menos a B.
  •        Nas alternativas os termos grifados são adjuntos adverbiais. Há três termos com valor de lugar e um com valor de modo. Para ficar mais fácil perceber isso, basta lembrar que achamos o lugar com a pergunta “Onde?” e o modo com a pergunta “Como?”.
           Assim, notamos que as alternativas (A), (C) e (D) apresentam os termos com adjunto adverbial de lugar: Pousou onde? Uma esperança onde? Pousar onde?
           Já na alternativa (B) a pergunta que se faz é como o menino respondeu?
           Assim, confirmamos que a alternativa (B) é a que NÃO produz o mesmo efeito de sentido visto nas demais.

    Prof. Décio Terror
    Estratégia Concursos

  • (B )

    Na letra B) temos uma que não expressa modo.