SóProvas


ID
1893361
Banca
COMPERVE
Órgão
UFRN
Ano
2016
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

                               Rio Doce: não foi acidente. Foi violência

                                                                                              Rosana Pinheiro-Machado

      Sempre que eu vou a Porto Alegre, é a mesma coisa. O taxista reclama que não pode fazer o caminho que ele quer, porque um trecho da Avenida Anita Garibaldi ainda está fechado. Uma rua ia ser alargada para a Copa do Mundo, mas, no meio da obra, descobriu-se que não se podia mais continuar perfurando, porque encontravam (veja bem) uma rocha no meio do caminho. Tudo ficou mais caro.
      A Prefeitura dizia que é culpa da empresa, que deveria ter previsto o problema, mas a empresa queria que a prefeitura cobrisse o valor extra da obra. Aquele velho empurra-empurra. O buraco e seus desvios já viraram parte da paisagem da cidade. A obra está ali, já fazendo aniversário de três anos. E a sensação de todos que passam por tantas obras inacabadas ou malfeitas no Brasil é que elas nunca serão plenamente concluídas. E quem tem a sua vida transtornada somos todos nós.
      A velha aliança que se perpetua entre o Estado brasileiro e o capital – às vezes competindo, às vezes cooperando, mas sempre lucrando – é uma máquina de matar e deixar morrer. A estrutura burocrática e reguladora brasileira nos irrita, nos machuca e nos desrespeita. Mas esse modus operandi causa muito mais do que horas trancadas no trânsito ou a desilusão de ver uma cratera estampada. Ele também produz dor, sofrimento e morte.
      Valores para as campanhas? Licitações facilitadas. Mais uma ponte caiu. A obra está cara? O Estado não fiscaliza? Mais uma barragem se rompeu. A empresa aérea sofre uma crise e cortam-se os custos da manutenção? Quem fiscaliza? Mais um avião caiu.
      Choveu e abriu buraco na estrada? Passe-se aquele cimento mais barato. Assim, quando chover de novo, o Estado paga para tapar os buracos, e a empresa ganha sempre. Afinal de contas, para que investir em material duradouro se o Brasil é país tropical em que quase nunca chove forte? O resultado dessa ganância é perverso: acidentes, corpos mutilados e vidas interrompidas por causas que poderiam ter sido evitadas, mas que são naturalizadas como “acidente”.
      Não se trata de acidente. Trata-se de um crime praticado pelo Estado e pelas empresas que deveriam ser controladas pelo Estado, mas que, na verdade, controlam o Estado.
    Trata-se, portanto, de violência estrutural – conceito adotado por antropólogos como Veena Das, Arthur Kleinman, Paulo Farmer e Akhil Gupta para dar visibilidade a uma forma de sofrimento causado por estruturas sociais: pelo descaso, pela corrupção e pela ausência do Estado na fiscalização (o mesmo Estado que sabe fazer-se onipresente e ostensivo quando se trata de correr atrás de camelô porque os lojistas da cidade estão pressionando).
      A dor causada a milhares de pessoas e a morte de milhares ou milhões de animais ao longo do Rio Doce não foram acidentais. Não foi um desastre natural inevitável. Violência não é apenas o ato deliberado de força mas também os atos invisíveis da incompetência ou má fé judicial, política e administrativa. É preciso nomear claramente esta tragédia. Uma vez que admitimos que o que ocorreu na obra da Samarco (uma parceria da BHP e da Vale) foi um ato de violência – produzida pelo descaso e pela ganância que “deixam morrer” – é preciso identificar os culpados, que, neste caso, são agentes específicos do mercado e das agências controladoras do Estado.
      Não foi acidente. Não foi seleção natural. E a população brasileira não faz parte desse jogo em que se acredita que “os políticos corruptos são reflexo de um povo corrupto”. O taxista de Porto Alegre continua a se indignar, todos os dias. Eu me indigno. Você se indigna. Nós nos sentimos desrespeitados e impotentes.
      As mídias sociais encorajam e nos ajudam a encontrar aqueles outros milhões de perdidos que também não querem esquecer. Não há milagre para romper com esse ciclo de violência estrutural que se perpetua na sociedade brasileira. Podemos contar somente com a mobilização e o engajamento no projeto democrático – que ainda estamos construindo a duras penas, mas de que não desistiremos tão fácil. Por ora, cabe a nós entoar o grito “não foi acidente”, pressionar por medidas reparadoras e acompanhar a sua implementação.

Disponível em:<http://www.cartacapital.com.br/sociedade/nao-foi-acidente-foi-violencia-635.html>. Acesso em: 7 jan. 2016. [Adaptado]

Sempre que eu vou a Porto Alegre, é a mesma coisa. O taxista reclama que não pode fazer o caminho que ele quer, porque um trecho da Avenida Anita Garibaldi ainda está fechado.


Considere as seguintes afirmativas sobre a organização do trecho.


I O primeiro período é composto por coordenação.

II O segundo período é composto por subordinação.

III O trecho é composto por cinco orações organizadas em dois períodos.

IV O segundo período tem valor semântico de aposto em relação ao primeiro.


Das afirmativas, estão corretas 

Alternativas
Comentários
  • I: Oração subordinada adverbial de tempo, "sempre que eu vou"

    III: 6 orações: Sempre que eu vou a Porto Alegre, é a mesma coisa. O taxista reclama que não pode fazer o caminho que ele quer, porque um trecho da Avenida Anita Garibaldi ainda está fechado.

     

  • Não concordo com o gabarito.

    Para mim estão corretas II e IV.

    Segundo Mourão:

    II O segundo período é composto por subordinação.

    - A coesão do segundo período é estabelecida pela conjunção “porque”, fazendo-nos crer que a oração a qual por ela é introduzida é de natureza Subordinada Adverbial Causal.

    IV O segundo período tem valor semântico de aposto em relação ao primeiro.

    O período que se inicia após o primeiro ponto-final apresenta-se, sim, com função apositiva explicativa, vez que acrescenta dado ao que fora mencionado.

     

  • Gab. letra a) II e IV

    O comentário do Jeferson Fickel está correto, e a correção do/a Hesli Santos o complementa.

     

    II O segundo período é composto por subordinação. -> Oração subordinada adverbial temporal (sempre)

     

    IV O segundo período tem valor semântico de aposto em relação ao primeiro. -> ...é a mesma coisa. (Que coisa?) O taxista reclama.... Aposto explicativo.

  • A assertiva I, de cara esta errada. Pois existem duas oração ( com verbos ), ou seja, não pode ser coordenada. ja eliminamos a C) e D). - ERRADAS

  • podem  pedir comentários do prfessor. por favor.

  • Alguém pode explicar esse gabarito? 

    Por que o segundo período é composto por subordinação? Não seria o primeiro período? 

  • Na verdade, o "pode fazer" é uma locução verbal. Então conta apenas 1 vez. Sendo assim, existem 6 orações mesmo.

    " Sempre que eu vou a Porto Alegre, é a mesma coisa. O taxista reclama que não pode fazer o caminho que ele quer, porque um trecho da Avenida Anita Garibaldi ainda está fechado."

    Bons estudos.

  • Segundo a explicação do Professor Alexandre e conjunto com meus estudos através de outros professores e materiais:

    I O primeiro período é composto por coordenação. Errado

    As palavras sempre, quando, no momento, trazem consigo um aspecto temporal, aquela circunstância de tempo. Então, ela é uma Oração Subordinada Adverbial de Tempo, não é uma oração coordenada. Já que orações coordenadas são aquelas independentes do ponto de vista sintático, não precisam da outra para existir. Já a oração subordinada precisa. No caso, se ficasse apenas a primeira oração: "Sempre que eu vou a Porto Alegre"; ficaria incompleta! Precisou da outra oração para existir.

    II O segundo período é composto por subordinação. Certo

    O taxista reclama (oração principal) que (O "que" pode ser conjunção integrante, quando substitui isso ou aquilo, gerando uma oração subord. substantiva. Pode ser também pronome relativo, quando substitui o(a) qual, gerando nesse caso uma oração subord. adjetiva. Nessa questão ele reclama de algo, ou seja, reclama disso, então é uma oração subordinada substantiva objetiva indireta) não pode fazer o caminho que (nesse caso substitui o qual. Essa é uma oração subordinada adjetiva. Como não há vírgula antes do que, é uma oração subordinada adjetiva restriva) ele quer, porque (é o motivo, a palavra porque aqui está justificando o motivo, então é uma Oração Subordinada Adverbial Causal) um trecho da Avenida Anita Garibaldi ainda está fechado.

    Ou seja, por isso que a questão está certa, de fato só há Orações Subordinadas aí, só subordinação.

    III O trecho é composto por cinco orações organizadas em dois períodos. Errado

    Vamos contar os verbos ou locuções verbais para saber quantas orações há:

    1ª oração: vou;

    2ª oração: é;

    3ª oração: reclama;

    4ª oração: pode fazer (essa é uma locução verbal, que caracteriza apenas uma oração);

    5ª oração: quer;

    6ª oração: está.

    IV O segundo período tem valor semântico de aposto em relação ao primeiro. Certo

    Sim, todo o esclarecimento tem um papel apositivo (de aposto), pois o papel do aposto é exatamente esse, o de esclarecer, de explicar.

    Ou seja: Sempre que eu vou para Porto Alegre é a mesma coisa.

    ...

    A mesma coisa o quê?

    Então o segundo período vai explicar que mesma coisa é essa.

    Ele não está dizendo que o segundo período é um aposto, mas tem VALOR SEMÂNTICO de aposto, já que traz essa explicação.

    Lembrando que semântica = sentido.