Falta de educação e velocidade
Os anjos da morte estão cansados de nos recolher, a nós que nos matamos ou somos assassinados no
tráfego das estradas, cidades, esquinas deste país. Os anjos da morte estão exaustos de pegar restos de vidas
botadas fora. Os anjos da morte andam fartos de corpos mutilados e almas atônitas. Os anjos da morte suspiram
por todo esse desperdício.
Não sei se as propagandas que tentam aos poucos aliviar essa tragédia ajudam tanto a preservar vidas
quanto as intermináveis, ricas e coloridas propagandas de cerveja ajudam a beber mais e mais e mais,
colaborando para uma parte dessa carnificina. Mas sei que estou no limite. Não apenas porque abro jornais, TV
e computador e vejo a mortandade em andamento, mas porque tenho observado as coisas em questão.
Recentemente, dirigindo numa autoestrada, percebi um motorista tentando empurrar para o canteiro central um
carro que seguia à minha frente na faixa esquerda, na velocidade adequada ao trajeto. Chegava
provocadoramente perto, pertinho, pertíssimo, quase batia no outro, que se desviava um pouco lutando para
manter-se firme no seu trajeto sem despencar.
[...]
Atenção: os jovens são – em geral, mas não sempre – mais arrojados, mais imprudentes, têm menos
experiência na direção. Portanto, são mais inclinados a acidentes, bobos ou fatais, em que a gente mata e morre.
Mas há um número impressionante de adultos – mais homens do que mulheres, diga-se de passagem, porque
talvez sejam biologicamente mais agressivos – cometendo loucuras ao dirigir, avançando o sinal, quase
empurrando o veículo da frente com seu parachoque, não cedendo passagem, ultrapassando em locais absurdos
sem a menor segurança, bebendo antes de dirigir, enfim, usando o carro como um punhal hostil [...].
Cada um se porta como quer – ou como consegue. Isso vem do caráter inato, combinado com a educação
recebida em casa. Quando esse comportamento ultrapassa o convívio cotidiano e pode mutilar pais de família,
filhos e filhas amados, amigos preciosos, ou seja lá quem for, então é preciso instaurar leis férreas e punições
comparáveis. Que não permitam escapadelas nem facilitem cometer a infração com branda cobrança. Que não
admitam desculpas e subterfúgios, não premiem o erro, não pequem por uma criminosa omissão.
Precisamos em quase tudo de autoridade e respeito, para que haja uma reforma generalizada, passando
da desordem e do caos a algum tipo de segurança e bem-estar. [...]
Autoridade justa, mas muito rigorosa, é o que talvez nos deixe mais lúcidos e mais bem-educados: em
casa, na escola, na rua, na estrada, no bar, no clube, dentro do nosso carro. E os fatigados anjos da morte
poderão, se não entrar em férias, ao menos relaxar um pouco.
Lya Luft
Em “O chão da rua está todo molhado; deve ter, pois, chovido muito”, a conjunção pois tem o sentido de