SóProvas


ID
1972504
Banca
Aeronáutica
Órgão
CIAAR
Ano
2016
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

      Pasmo sempre quando acabo qualquer coisa. Pasmo e desolo-me. O meu instinto de perfeição deveria inibir-me de acabar; deveria inibir-me até de dar começo. Mas distraio-me e faço. O que consigo é um produto, em mim, não de uma aplicação de vontade, mas de uma cedência dela. Começo porque não tenho força para pensar; acabo porque não tenho alma para suspender. Este livro é a minha cobardia.

      A razão por que tantas vezes interrompo um pensamento com um trecho de paisagem, que de algum modo se integra no esquema, real ou suposto, das minhas impressões, é que essa paisagem é uma porta por onde fujo ao conhecimento da minha impotência criadora. Tenho a necessidade, em meio das conversas comigo que formam as palavras deste livro, de falar de repente com outra pessoa, e dirijo-me à luz que paira, como agora, sobre os telhados das casas, que parecem molhados de tê-la de lado; ao agitar brando das árvores altas na encosta citadina, que parecem perto, numa possibilidade de desabamento mudo; aos cartazes sobrepostos das casas ingremadas, com janelas por letras onde o sol morto doira goma húmida.

      Por que escrevo, se não escrevo melhor? Mas que seria de mim se não escrevesse o que consigo escrever, por inferior a mim mesmo que nisso seja? Sou um plebeu da aspiração, porque tento realizar; não ouso o silêncio como quem receia um quarto escuro. Sou como os que prezam a medalha mais que o esforço, e gozam a glória na peliça [...].

      Escrever, sim, é perder-me, mas todos se perdem, porque tudo é perda. Porém eu perco-me sem alegria, não como o rio na foz para que nasceu incógnito, mas como o lago feito na praia pela maré alta, e cuja água sumida nunca mais regressa ao mar.

(PESSOA, Fernando. Livro do Desassossego: composto por Bernardo Soares, ajudante de guarda-livros na cidade de Lisboa. Org. Richard Zenith. 3ª ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.)

A razão por que tantas vezes interrompo um pensamento com um trecho de paisagem, que de algum modo se integra no esquema, real ou suposto, das minhas impressões...” (2º§) as vírgulas que separam “real ou suposto” encontram a mesma correspondência de utilização em:

Alternativas
Comentários
  • Alternativa: C

    O trecho “real ou imposto” amplia o esquema referido no texto, cumprindo papel sintático de aposto. Da mesma forma
    que em “Em minha cidade...”, onde “Florianópolis” aclara a cidade da qual se fala.
    Nas outras afirmativas ocorrem vocativos (termo sintático que serve para nomear um interlocutor ao qual se dirige a
    palavra): “Larissa, me procure...” e “Cuidado, Matheus, para...”; e oração subordinada (onde há presença de verbo:
    “César, antes de ir à...”.
    Fontes:
    BECHARA, Evanildo. Moderna Gramática Portuguesa: atualizada pelo novo Acordo Ortográfico. 37. ed. Rio de Janeiro:
    Nova Fronteira, 2009;
    CEREJA, William Roberto; MAGALHÃES, Thereza A. Cochar. Gramática Reflexiva: texto, semântica e interação. Ensino
    Médio. Conforme nova ortografia. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2009;
    CIPRO NETO, Pasquale; INFANTE, Ulisses. Gramática da Língua Portuguesa. 3. ed. São Paulo: Scipione, 2010;
    CUNHA, Celso; CINTRA, Luís F. Lindley. Nova gramática do português contemporâneo. 6. ed. Rio de Janeiro: Lexikon
    Editora Digital, 2013.