SóProvas


ID
1999435
Banca
AOCP
Órgão
Sercomtel S.A Telecomunicações
Ano
2016
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

                                            A arte perdida de ler um texto até o fim

                A internet é um banquete de informações, mas só aguentamos as primeiras garfadas

                                                                                                                                   Danilo Venticinque

   Abandonar um texto logo nas primeiras linhas é um direito inalienável de qualquer leitor. Talvez você nem esteja lendo esta linha: ao ver que a primeira frase deste texto era uma obviedade, nada mais natural do que clicar em outra aba do navegador e conferir a tabela da copa. Ou talvez você tenha perseverado e seguido até aqui. Mesmo assim eu não comemoraria. É muito provável que você desista agora. A passagem para o segundo parágrafo é o que separa os fortes dos fracos.

   A internet é um enorme banquete de informações, mas estamos todos fartos. Não aguentamos mais do que as duas ou três primeiras garfadas de cada prato. Ler um texto até as últimas linhas é uma arte perdida. No passado, quem desejasse esconder um segredo num texto precisava criar códigos sofisticados de linguagem para que só os iniciados decifrassem o enigma. Hoje a vida ficou mais fácil. Quer preservar um segredo? Esconda-o na última frase de um texto – esse território selvagem, raramente explorado.

   Lembro-me que, no Enem do ano retrasado, um aluno escreveu um trecho do hino de seu time favorito no meio da redação. Tirou a nota 500 (de 1000), foi descoberto pela imprensa e virou motivo de chacota nacional. Era um mau aluno, claro. Se fosse mais estudioso, teria aprendido que o fim da redação é o melhor lugar para escrever impunemente uma frase de um hino de futebol. Se fizesse isso, provavelmente tiraria a nota máxima e jamais seria descoberto.

   Agora que perdi a atenção da enorme maioria dos leitores à exceção de amigos muito próximos e parentes de primeiro grau, posso ir direto ao que interessa. Quem acompanhou as redes sociais na semana passada deve ter notado uma enorme confusão causada pelo hábito de abandonar um texto antes do fim. Resumindo a história: um jornalista publicou uma coluna em que narrava uma longa entrevista com Felipão num avião. A notícia repercutiu e virou manchete em outros sites, até que alguém notou que o entrevistado não era Felipão, mas sim um sósia dele. Os sites divulgaram erratas e a história virou piada. No meio de todo o barulho, porém, alguns abnegados decidiram ler o texto com atenção até o fim. Encontraram lá um parágrafo enigmático. Ao final da entrevista, o suposto Felipão entregava ao jornalista um cartão de visitas. No cartão estavam os dizeres “Vladimir Palomo – Sósia de Felipão – Eventos”. A multidão que ria do engano do jornalista o fazia sem ler esse trecho.

   Teria sido tudo uma sacada genial do jornalista, que conseguiu pregar uma peça em seus colegas e em milhares de leitores que não leram seu texto até o fim? Estaria ele rindo sozinho, em silêncio, de todos aqueles que não entenderam sua piada?

   A explicação, infelizmente, era mais simples. Numa entrevista, o jornalista confirmou que acreditava mesmo ter entrevistado o verdadeiro Felipão, e que o cartão de visitas do sósia tinha sido apenas uma brincadeira do original.

   A polêmica estava resolvida. Mas, se eu pudesse escolher, preferiria não ler essa história até o fim. Inventaria outro desenlace para ela. Trocaria o inexplicável mal-entendido da realidade por uma ficção em que um autor maquiavélico consegue enganar uma multidão de leitores desatentos. Ou por outra ficção, ainda mais insólita, em que o texto revelava que o entrevistado era um sósia, mas o autor não saberia disso porque não teria lido a própria obra até o final. Seria um obituário perfeito para a leitura em tempos de déficit de atenção.

   Se você chegou ao último parágrafo deste texto, você é uma aberração estatística. Estudos sobre hábitos de leitura demonstram claramente que até meus pais teriam desistido de ler há pelo menos dois parágrafos. Estamos sozinhos agora, eu e você. Talvez você se considere um ser fora de moda. Na era de distração generalizada, é preciso ser um pouco antiquado para perseverar na leitura. Imagino que você já tenha pensado em desistir desse estranho hábito e começar a ler apenas as primeiras linhas, como fazem as pessoas ao seu redor. O tempo economizado seria devidamente investido em atividades mais saudáveis, como o Facebook ou games para celular. Aproveito estas últimas linhas, que só você está lendo, para tentar te convencer do contrário. Esqueça a modernidade. Quando o assunto é leitura, não há nada melhor do que estar fora de moda. A história está repleta de textos cheios de sabedoria, que merecem ser lidos do começo ao fim. Este, evidentemente, não é um deles. Mas seu esforço um dia será recompensado. Não desanime, leitor. As tuas glórias vêm do passado.

(http://epoca.globo.com/colunas-e-blogs/danilo-venticinque/noticia/2014/06/arte-perdida-de-bler-um-texto-ate-o-fimb.html)

Em “No cartão estavam os dizeres “Vladimir Palomo – Sósia de Felipão – Eventos”.”, o uso das aspas justifica-se porque

Alternativas
Comentários
  • É uma citação direta, pois está referindo ao ex-técnico da seleção brasileira '7 x 1' Felipão.

     

     

  • (D)

    As aspas são usadas sempre em pares, uma no início e outra no fim do termo destacado. De modo geral, elas são usadas nas seguintes situações:

    1- assinalar palavra ou trecho citado ou transcrito;
    2- indicar nomes de publicações (científicas, literárias, da mídia) ou de obras artísticas ;
    3- assinalar o uso de palavras que fogem ao uso convencional, como jargões profissionais, gírias, palavras com erros gramaticais, expressões estrangeiras
    4- destacar expressões sendo mencionadas e não usadas (no futebol, o termo “chapéu” pode significar um tipo de drible) ou com sentido especial, como indicando ironia

    Fonte: Sueli de Britto Salles mestra em língua portuguesa, leciona em cursos universitários e participa de bancas corretoras de redações em vestibulares.

  • Complementando com o conceito de neologismo: são palavras "criadas", que inicialmente não existiam no dicionário, mas devido ao seu uso recorrente, foi dicionarizada.

  • Gabarito: d)

     

    ASPAS
    Destacam uma parte do texto. São usadas:

     

    - Antes e depois de citações ou transcrições textuais

     

    "Ia viajar! Viajei. Trinta e quatro vezes, às pressas, bufando, com todo o sangue na face, desfiz e refiz a mala".
    (O prazer de viajar - Eça de Queirós)

     

    - Para representar nomes de livros ou legendas

     

    Machado escreveu "Dom Casmurro''.

     

    - Para assinalar estrangeirismos, neologismos, gírias, expressões populares, ironia

     

    Conversando com meu superior, dei a ele um ''feedback" do serviço a mim requerido.

     

    - Para realçar uma palavra ou expressão

     

    Você foi o "esperto'' que respondeu a questão?

     

     

    Fonte: Língua Portuguesa para Concursos, Duda Nogueira.

  • citação direta do cartão

  • Que texto maravilhoso!

     

  • Neologismo é um fenômeno linguístico que consiste na criação de uma palavra ou expressão nova, ou na atribuição de um novo sentido a uma palavra já existente. É uma nova palavra criada na língua, e geralmente surge quando o indivíduo quer se expressar, mas não encontra a palavra ideal. 

    Fonte: https://www.infoescola.com/linguistica/neologismo/

  • Esse texto é show e o autor ainda citou, seguindo o exemplo do mau aluno do Enem, um trecho de um hino, provavelmente seu time de futebol, ao fim do texto - "As tuas glórias vêm do passado." - parabéns ao Autor!

  • Citou diretamente a parte final da matéria de entrevista com o "suposto" Felipão, "Encontraram lá um parágrafo enigmático".


    Será que sua última frase é uma brincadeira para referenciar o time que torce?!

  • Esqueceu de considerar os concurseiros. Estes sim, lêem até o final quando calculam bem o tempo de prova. Não fosse isso, eu também não leria esse texto longo demais... A criatividade de enlaçar o leitor logo no primeiro parágrafo é o que o torna um autor capaz de fazer qualquer leitor vidrar num texto. Não tem a ver com a personalidade, humor de quem lê, mas sim com a genialidade do autor.