MUSEU DE COISAS VIVAS
As coisas que admiramos nos museus que conhecemos são objetos do desejo de gerações passadas, finismos de gente morta: joias, bijuterias, móveis, ferramentas de escrita. Talvez seja por isso que, quando viajo, vou a lojas, bazares e mercados com o mesmo entusiasmo com que vou aos museus. As mercadorias expostas (e a forma como são expostas) têm sempre muito a dizer a respeito do local, dos seus habitantes e das pessoas que os visitam — exatamente como as alas dos museus nos falam, por exemplo, sobre os etruscos ou os antigos romanos. A diferença, a favor do comércio, é que a gente pode levar para casa o que está exposto.
Exagero, claro. Os museus expõem peças únicas, com a pátina de centenas, quando não milhares de anos. Mas não é preciso pensar muito para notar que a essência das peças é a mesma das coisas que nos seduzem nas lojas. Todas elas, coisas novas e peças antigas, foram feitas obedecendo a uma necessidade ou a um capricho da época.
É curioso notar, também, como praticamente não há família de objetos, por funcionais que sejam, em que não se possa perceber a evolução dos tempos e dos gostos e o desejo de distinção de um bípede em relação a outro. Uma caixa de madeira é tão caixa quanto a sua contraparte de marfim; uma tigela simples serve tão bem ao seu uso quanto uma tigela enfeitada de pedrarias. Mas como o homem de posses vai se diferenciar dos mortais comuns se não caprichar no supérfluo?
Os museus provam que somos consumistas e exibicionistas há milhares de anos, e que distribuição de renda justa é uma utopia recente. O comércio prova que, se somos animais que consomem, somos também animais muito criativos. Quem poderia imaginar os 60 tipos de escovas de dentes que se encontram em qualquer drugstore americana? Ou as infinitas formas e cores que assumem os sapatos, sobretudo femininos?
Às vezes penso que o conteúdo de uma loja, qualquer loja, arrumado por um museólogo, com as devidas etiquetas, poderia ficar divertido.
Nem sempre museus e lojas se entendem bem na minha cabeça. Uma vez fui para o Louvre depois de sair da Printemps só para ver a nova ala egípcia. Fiquei sem ar diante do que estava exposto, nem tanto pela beleza do que via quanto pela consciência do tempo que me separava das pessoas que haviam feito e usado aquelas coisas. Diante de tal abismo metafísico, quase morri de vergonha do creme contra celulite que comprara e que carregava na bolsa: que besteira era aquela diante da poeira dos séculos? [...]
RÓNAI, Cora. O Globo, 04/10/2012.