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ID
2101906
Banca
FCC
Órgão
Prefeitura de Teresina - PI
Ano
2016
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

À beira do abismo
Em 1888, Van Gogh compartilhou, por três meses, uma casa com o pintor Paul Gauguin. Um dia, o amigo resolveu retratá-lo enquanto ele pintava seus girassóis. Ao ver pela primeira vez o quadro, que o flagra no último lugar em que poderia estar, pois um pintor se julga sempre fora da pintura, Van Gogh exclamou: “Sou eu, é claro, mas eu me tornando louco”.
A arte como expressão da loucura ou, ao contrário, como opção pela loucura? Van Gogh teve um psiquiatra que, adepto da segunda hipótese, pensou em “curá-lo” da pintura. É claro, não conseguiu. A arte como vírus, como uma contaminação?
Penso nas poucas telas que Clarice Lispector pintou. Telas tensas, desagradáveis: manifestações de gênio ou de insanidade? Elas ajudaram a deprimir Clarice ou, ao contrário, ajudaram a salvá-la? Recordo a Clarice que visitei um dia, sentada em sua cozinha diante de uma fatia de bolo, um tanto apática, a me dizer: “Comer bolo não me interessa. O que eu preciso é de água. De água e de literatura”.
Vista assim, como uma necessidade primária, a literatura revela sua potência, mas também seus riscos. Riscos que os escritores, para se consolar, transportam para o interior da escrita. Para dar sentido àquelas partes de si que não pode controlar, o escritor deve correr o risco de sair de si. Ele se dedica justamente àquilo que, anestesiados pela ideia de normalidade, evitamos.
A matéria da literatura vem, de fato, dessas zonas abissais em que as certezas se esgarçam, a nitidez se esvai e a dúvida comanda. Muitos não suportam. “Nascemos e crescemos num cárcere e por isso achamos naturais esses ferros nos pulsos e nos pés”, escreveu o alemão Georg Büchner. Mas os escritores, não: eles preferem sangrar mãos e pés, e bordejar o abismo, a sucumbir.E isso se parece com a loucura.
O problema é que aquilo que o escritor enfrenta está sempre dentro de si. De certa forma, em consequência, todo escritor escreve “contra si”. Daí a dúvida que Machado sintetiza em O alienista: estarão os escritores no lugar dos médicos, que amparam e curam, ou de seus pacientes, que resistem e esperneiam? A resposta não é fácil: eles ocupam ao mesmo tempo os dois lugares: vestem o jaleco da saúde, mas também os grilhões da ignorância.
(Adaptado de: CASTELLO, José. Sábados inquietos. Brasília, IMP, 2013, p. 6-7)

Ao afirmar, no 5º parágrafo, que os escritores preferem sangrar mãos e pés, e bordejar o abismo, a sucumbir, o autor sugere que eles 

Alternativas
Comentários
  • A resposta encontra-se na frase final do parágrafo anterior... "  Para dar sentido àquelas partes de si que não pode controlar, o escritor deve correr o risco de sair de si. Ele se dedica justamente àquilo que, anestesiados pela ideia de normalidade, evitamos."  

     No parágrafo seguinte o autor justifica: “Nascemos e crescemos num cárcere e por isso achamos naturais esses ferros nos pulsos e nos pés”, escreveu o alemão Georg Büchner. Mas os escritores, não: eles preferem sangrar mãos e pés, e bordejar o abismo, a sucumbir.E isso se parece com a loucura.

    Gabarito: A

  • Alguém sabe dar uma ideia do que está errado na "E"?

  • Fabio Souto, acredito que a palavra "moralidade" invalidou a alternativa, pois o texto não traz nenhum julgamento de valor moral, do que seria certo e errado, virtude e pecado, de aceitação ou repúdio moral. Acho que pode ter sido isso.

  • Obrigado Carla!

  • O enunciado da pergunta tenta fazer você procurar a resposta apenas no parágrafo quinto, o que com certeza faz você errar se tentar interpretar apenas ele. A resposta está no parágrafo anterior:
    "Para dar sentido àquelas partes de si que não pode controlar, o escritor deve correr o risco de sair de si. Ele se dedica justamente àquilo que, anestesiados pela ideia de normalidade, evitamos"

  • questão boa de interpretação. 

    Mas achei esse texto muito denso , varios autores teorias conceitos e talz. CAda paragrafo foi uma guerra na leitura... 

  • Embora o finalzinho do 4º parágrafo nos dê a resposta, é possível detectá-la no 5º parágrafo:

     

    A matéria da literatura vem, de fato, dessas zonas abissais em que as certezas se esgarçam, a nitidez se esvai e a dúvida comanda. Muitos não suportam. “Nascemos e crescemos num cárcere e por isso achamos naturais esses ferros nos pulsos e nos pés”, escreveu o alemão Georg Büchner. Mas os escritores, não: eles preferem sangrar mãos e pés, e bordejar o abismo, a sucumbir. E isso se parece com a loucura.

     

    Estes três trechos do 5º parágrafo, nos regra para Letra (A):

     

    São capazes de enfrentar aspectos pessoais ("...zonas abissais...") que geram dúvida e perturbam, os quais as pessoas comuns tendem a evitar ("Muitos não suportam")
     

    As demais assertivas, fazem um apanhado com interpretações diversas sobre alguns trechos espalhados pelo texto:

     

    b) têm uma sensibilidade mais aguçada, preparada para interpretar a realidade com uma racionalidade que se aproxima da clarividência. 
    Referência ao 1º parágrafo: "...Van Gogh exclamou: “Sou eu, é claro, mas eu me tornando louco”"


    c) estão aptos a tratar de variados assuntos com a profundidade de quem sabe precisar a diferença entre sanidade e loucura. 
    Referência ao 6º parágrafo (completo).  


    d) estão mais próximos da insanidade por buscar entender racionalmente e controlar faculdades que são incapazes de compreender. 
    Referência ao 4º parágrafo: "Para dar sentido àquelas partes de si que não pode controlar, o escritor deve correr o risco de sair de si."
      

    e) vivem em um estado de alheamento que beira a loucura, já que se negam a reproduzir os padrões de conduta moralmente aceitáveis.
    Referência ao 3º parágrafo: "Recordo a Clarice que visitei um dia, sentada em sua cozinha diante de uma fatia de bolo, um tanto apática..."

     

    At.te, CW.