SóProvas


ID
2115568
Banca
INAZ do Pará
Órgão
CRO - RJ
Ano
2016
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

Os netos de Lennon 

Nada como umas boas férias para sofrer uma crise histérica com as crianças. Não com todas, é claro. Refiro-me a um tipo especial de anjinho, cada vez mais frequente na cidade. Seus pais, tios e avós amavam os Beatles e os Rolling Stones. Frutos de uma omelete de teorias libertárias, as gracinhas podem tudo – e atormentam a todos. Há três semanas, um casal foi almoçar lá em casa, com a filha. Servi macarrão com molho al pesto. 

A sinhazinha, do alto dos seus 7 anos, experimentou, torceu o nariz e declarou aos gritos: 

– Está horrível, horrível!

Disfarcei achando que a mãe devia estar morta de vergonha. Coisa nenhuma. Estava feliz, até orgulhosa:

– Minha filha é muito autêntica.

A autêntica começou a bater a colher no prato, espalhando o molho verde pela toalha de renda. Arreganhei os lábios, tenso. O pai sorriu:

– Acho que você não foi muito feliz no cardápio. Ela prefere sundae. Tem mania de misturar sorvete com bacon.

Prometi intimamente servir dobradinha com açúcar queimado se alguma vez os encontrasse de novo pela frente. Quando eu era pequeno, minha mãe me obrigava a comer um pouco e fingir que gostava.

Agora, devo continuar gentil enquanto a jovem gourmande atira um fiapo de espaguete nos meus óculos.

Recentemente, em uma livraria, vi um menino agarrar o rolo de papel da máquina de calcular da caixa. Enquanto a pobre moça tentava salvar suas contas, a mãe assistia à cena placidamente. Conheço outro garoto que, mal chegado à casa alheia, atira-se com os sapatos sujos sobre o sofá, pula nas almofadas e agarra os cinzeiros de vidro sem ouvir um ah! Da mãe, que mantêm a expressão extasiada porque ele "é muito esperto". Estive próximo de um ataque cardíaco certa vez em que decidi levá-lo a passear no shopping. Correr atrás dele pelas lojas equivaleu a um treino para disputar as olimpíadas. Ele simplesmente parecia incapaz de perceber o sentido da palavra "não". Para os espíritos aventureiros, o ideal é ir no fim de semana a algum shopping da moda e conviver com a nova geração de superliberados. São centenas de crianças agitadas como abelhas e propensas a trombar nas pernas alheias, como se os adultos fossem um trambolho incômodo. Pior: O espírito antirrepressor da educação parece resultar em pequenas personalidades autoritárias

: – Pai, eu quero pizza já!

– Mas...

– Já, pai, agora mesmo!

Muitas têm mania que me surpreendem. Levei um susto no restaurante japonês. A menina, de uns 8 anos, chegou com os pais. Pediu, sofisticada:

– Sushi. Mas só de atum, com pouca mostarda. Cuidado, da outra vez você exagerou. Rápido, estou com fome.

O sushiman ficou olhando chocado, com a faca erguida. Fechei os olhos. Quando abri, ela comia agilmente, com os palitinhos nipônicos. Já vi cenas semelhantes em lojas.

Um garoto:

– Este tênis, nunca, nunca!

O pai, tímido:

– Mas é igual ao outro, e mais barato, filho.

– Eu só uso da minha marca!

Muitas crianças conhecem grifes, perfumes, a maioria tem um pé na computação, nenhuma resiste a um videogame. Fazem os pais comprar o que querem e, por isso, os lojistas as recepcionam com sorrisos e suspiros. Perdi uma grande amiga por causa do rebento. Resisti a tudo: mordidas nas almofadas, livros rasgados. Até o dia em que esqueci a parta aberta e ele se pendurou no murinho da varanda do 6° andar, onde vivo. Gritei, assustado:

– Sai daí, você vai cair.

O anjinho sorriu, uma das pernas balançando no espaço. Olhei para o lado: a mãe folheava uma revista calmamente. Eu me senti o próprio Indiana Jones. Dei três saltos, mergulhei de cabeça e o atirei ao chão. A mãe veio, furiosa:

– Você não tinha o direito. Deixou o menino fora de si. Impediu que tivesse a experiência integralmente. Como é que a cabecinha dele vai reagir?

– cair do 6° andar é uma experiência integral?

Muitas vezes, minha vontade é dar um belo beliscão à antiga em algum desses netos de Lennon. Mas me contenho. A culpa afinal não é deles, mas de uma geração de pais com horror à palavra não. E um bom não, sinceramente, não faz mal a ninguém.

CARRASCO, Walcyr. Os netos de Lennon: In: _______O golpe do aniversariante. São Paulo: Ática, 2003, p. 20 -22.

Fazendo-se a análise morfológica da frase “E um bom não, sinceramente, não faz mal a ninguém.”, é correto afirmar

Alternativas
Comentários
  • Letra A 

     

    Apesar do não ser um advérbio de negação, no contexto da frase está como substantivo e ainda sendo qualificado pelo adjetivo bom.

     

    * Felizmente, fiz essa prova aqui no Rio de Janeiro.

  • “E um bom não, sinceramente, não faz mal a ninguém.”​ 

     

    a) A palavra não em destaque é advérbio, porém está substantivado. CORRETA! É morfologicamente um advérbio de negaçao, mas como está acompanhado do artigo indefinido "um" - "um bom nao", está substantivado excercendo o papel de substantivo.

     

     b) A palavra sinceramente é advérbio que expressa intensidade. INCORRETA! É um advérbio de modo.

     

     c) O termo ninguém é pronome do caso reto. INCORRETA! É um pronome indefinido.

     

     d) A palavra mal é advérbio que indica sentido de instrumento. INCORRETA! É advérbio de modo.

     

     e) O termo bom é adjetivo, mas está funcionando como substantivo. INCORRETA! É adjetivo e está funcionando como ajetivo qualificando o termo substantivado: "um nao" - "um bom nao".

  • Resposta letra 'A'

    Justificativa: O termo - "um bom NÃO', de fato a palavra NÃO é advérbio, mais por ter o artigo indefinido na frente 'UM' ocorre o poder de substantivação, pois esse artigo estar se referindo ao 'não' mesmo entre eles estando o 'bom' que estar servindo apenas para reforçar o artigo.

  • Exatamente, Rodrigo. Eu percebi que a alternativa "A" estava correta quando me atentei para o fato de o artigo indefinido(um) e o adjetivo(bom) se referirem ao "não".

  • Substantivação de Palavras

    Algumas palavras, em determinados usos, mesmo sem serem substantivos, assumem as características desta classe. Nestes casos dizemos que estas palavras foram SUBSTANTIVADASSubstantivação (ou Nominalização), portanto, é um termo linguístico que significa a ação de utilizar como substantivo uma outra unidade lexical ou gramatical, que usualmente não se classifica como tal.

    processo de substantivação, em outras palavras, é a mudança de classe gramatical de um vocábulo. Apesar de as palavras possuírem determinadas características que são responsáveis por organizá-las em classes gramaticais, elas são passíveis de mudanças, como acontece com os vocábulos a seguir, por exemplo:

    Não

    Classe original: Advérbio

    O seu não é inadmissível.

    Não admito sua recusa.

    Explicando: no primeiro exemplo, a palavra ‘não’ é sujeito da oração, e vem acompanhada por um artigo e um pronome possessivo. Estas são características fundamentais de um substantivo, portanto dizemos que houve substantivação da palavra ‘não’. Já no segundo exemplo, o ‘não’ está negando o verbo ‘admitir’, e portanto se comporta exatamente como um advérbio, classe à qual, de fato, pertence.

    Fonte : www.infoescola.com/…gues/substantivacao-de-palavras

    GABA A

  • a) A palavra não em destaque é advérbio, porém está substantivado.  (CORRETO)   OBS.  Quem ão faz? Não, logo vai ser o sujeito. Não é um advérbio, mas está fucionando como substativo.

     

     b) A palavra sinceramente é advérbio que expressa intensidade.  (ERRADO)   OBS. Sinceramente  é adverbio de modo, pois termina em "MENTE".

     

    c)O termo ninguém é pronome do caso reto. (ERRADO)   OBS. Pronome do caso reto é, Eu, Tu, ELE, NÓS, VÓS, ELES. portanto estar errado.

     

    d)A palavra mal é advérbio que indica sentido de instrumento. (ERRADO)   OBS. Mal é um adverbio, pois modifica o verbo, mas não é adverbio de Instrumento.

     

    e)O termo bom é adjetivo, mas está funcionando como substantivo. (ERRADO)   OBS. BOM é um adjetivo e está funcionando commo adjetivo, pois está modificando o sujeito.

  • Resolvi a questão com o seguinte pensamento: Se o sujeito é aquilo em que o enunciado a ele se refere, então é perceptível que o NÃO tá fazendo um papel de um termo substantivado, pois todo o enunciado se refere a ele. 

  • É um caso de derivação imprópria. Esse processo se dá pela mudança de classificação morfológica de uma palavra, a  depender do contexto.

  • Cuidado pessoal, sinceramente é advérbio de modo por que é a forma como se expressa ou como se fala..de modo sincero

    É um advérbio de modo que termina em MENTE...

     

    obs: haverá casos em que advérbios terminandos em mente não serão de modo..sempre há exceções

     

    Além dos Advérbios de modo, também podem terminar em -mente os advérbios:

    de dúvida (provavelmente, possivelmente);

    de intensidade (excessivamente, demasiadamente);

    de tempo (imediatamente, diariamente);

    de afirmação (certamente, realmente);

    de ordem (primeiramente, ultimamente).