Cammylla, respaldo legal não signifca que está necessariamente em um determinado código, mas se está amparado pelo ordenamento jurídico.
Informativo nº 0527
Período: 9 de outubro de 2013.
QUARTA TURMA
DIREITO CIVIL. DIREITO AO ESQUECIMENTO.
Gera dano moral a veiculação de programa televisivo sobre fatos ocorridos há longa data, com ostensiva identificação de pessoa que tenha sido investigada, denunciada e, posteriormente, inocentada em processo criminal. O direito ao esquecimento surge na discussão acerca da possibilidade de alguém impedir a divulgação de informações que, apesar de verídicas, não sejam contemporâneas e lhe causem transtornos das mais diversas ordens. Sobre o tema, o Enunciado 531 da VI Jornada de Direito Civil do CJF preconiza que a tutela da dignidade da pessoa humana na sociedade da informação inclui o direito ao esquecimento. O interesse público que orbita o fenômeno criminal tende a desaparecer na medida em que também se esgota a resposta penal conferida ao fato criminoso, a qual, certamente, encontra seu último suspiro com a extinção da pena ou com a absolvição, ambas irreversivelmente consumadas. Se os condenados que já cumpriram a pena têm direito ao sigilo da folha de antecedentes - assim também a exclusão dos registros da condenação no Instituto de Identificação -, por maiores e melhores razões aqueles que foram absolvidos não podem permanecer com esse estigma, conferindo-lhes a lei o mesmo direito de serem esquecidos. Cabe destacar que, embora a notícia inverídica seja um obstáculo à liberdade de informação, a veracidade da notícia não confere a ela inquestionável licitude, nem transforma a liberdade de imprensa em direito absoluto e ilimitado. Com efeito, o reconhecimento do direito ao esquecimento dos condenados que cumpriram integralmente a pena e, sobretudo, dos que foram absolvidos em processo criminal, além de sinalizar uma evolução humanitária e cultural da sociedade, confere concretude a um ordenamento jurídico que, entre a memória - conexão do presente com o passado - e a esperança - vínculo do futuro com o presente -, fez clara opção pela segunda. E é por essa ótica que o direito ao esquecimento revela sua maior nobreza, afirmando-se, na verdade, como um direito à esperança, em absoluta sintonia com a presunção legal e constitucional de regenerabilidade da pessoa humana. Precedentes citados: RMS 15.634-SP, Sexta Turma, DJ 5/2/2007; e REsp 443.927-SP, Quinta Turma, DJ 4/8/2003. REsp 1.334.097-RJ, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 28/5/2013.
A questão requer o conhecimento dos enunciados das Jornadas de Direito Civil.
A) Não se
admite pactuação de garantias contratuais atípicas.
Enunciado
582 da VII Jornada de Direito Civil:
582. Art. 421; Art. 425. Com suporte na liberdade
contratual e, portanto, em concretização da autonomia privada, as partes podem
pactuar garantias contratuais atípicas.
Justificativa
A dicotomia pessoais/reais não exaure o universo
das garantias contratuais. "Apesar da correção da bipartição tradicional,
desde sempre houve figuras que a ela não se podiam reconduzir, como os
privilégios gerais ou a separação de patrimónios, tendo a evolução da prática
vindo ainda a admitir outros casos especiais de garantia, como a transmissão da
propriedade com esse fim ou as garantias especiais sobre certos direitos."
(LEITÃO, Luís Manuel Teles de Menezes. Garantias das Obrigações. Coimbra: Almedina,
2008, p. 15). No mesmo sentido, afirma Vera Maria Jacob de Fradera que "as
clássicas garantias fidejussórias, fiança e aval, não esgotam todas as
hipóteses possíveis de prestação de garantia, do tipo pessoal, admitindo-se,
neste âmbito, contratos inominados e atípicos". (FRADERA, Vera Maria Jacob
de. Os contratos autônomos de garantia. Ajuris, n. 53, nov. 1991, p. 242). A
liberdade contratual abrange a faculdade de contratar e não contratar, a
liberdade de escolha da pessoa com quem contratar, bem como a liberdade de
fixar o conteúdo do contrato. No direito de escolher o conteúdo do contrato
encontra-se o de construir a garantia contratual que convém às partes. Ensina
ainda Vera Maria Jacob de Fradera que "as prestações de garantia não se
submetem a numerus clausus nem à nomenclatura exaustiva." (IDEM).
Admite-se pactuação de garantias contratuais atípicas.
Incorreta
letra “A”.
B) Nas pretensões decorrentes de doenças profissionais ou de caráter
progressivo, o cômputo da prescrição iniciar-se-á somente a partir da ciência
inequívoca da incapacidade do indivíduo, da origem e da natureza dos danos
causados.
Enunciado
579 da VII Jornada de Direito Civil:
579. Art.
189. Nas pretensões decorrentes de doenças profissionais ou de caráter
progressivo, o cômputo da prescrição iniciar-se-á somente a partir da ciência
inequívoca da incapacidade do indivíduo, da origem e da natureza dos danos
causados.
Justificativa
Considerando a premissa jurídico-axiológica,
segundo a qual a pessoa humana qualificada na concreta relação jurídica em que
se insere, de acordo com o valor social de sua atividade, figura na condição de
categoria central do atual direito privado, e não mais o sujeito de direito
neutro, anônimo e titular de patrimônio (TEPEDINO, Do sujeito de direito..., 2006),
imperioso concluir por uma interpretação que se harmonize com os direitos
fundamentais e princípios constitucionais (FACHIN, Teoria crítica..., 2003). A
jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça evidencia-se em consonância com
a proposta ora apresentada, nos termos do julgamento do REsp-291.159/SP. De
forma similar, ilustra o Tema de Recurso Repetitivo n. 875/STJ. Entretanto, a
presente proposta de enunciado possui amplitude mais larga, na medida em que
não se restringe às situações de "acidente típico", nem somente ao
"teste fático da invalidez", pois dirige sua incidência para as
hipóteses de doença profissional ou de caráter progressivo, com conjugada
avaliação acerca da origem, natureza e, especialmente, da extensão dos danos que
lhe sejam originários, diante de sua evolução diferida no tempo.
Nas
pretensões decorrentes de doenças profissionais ou de caráter progressivo, o
cômputo da prescrição iniciar-se-á somente a partir da ciência inequívoca da
incapacidade do indivíduo, da origem e da natureza dos danos causados.
Correta
letra “B”. Gabarito da questão.
C) A decretação ex officio da prescrição ou da decadência prescinde de
oitiva das partes.
Enunciado 581 da VII Jornada de Direito Civil:
581. Art.
191. Em complemento ao Enunciado 295, a decretação ex officio da prescrição
ou da decadência deve ser precedida de oitiva das partes.
Justificativa
A redação original da Lei 10.406/2002 previa que
"Art. 194. O juiz não pode suprir, de ofício, a alegação de prescrição,
salvo se favorecer a absolutamente incapaz". A palavra "pode"
suscitou dúvidas, de forma que foi aprovado o Enunciado 154, afirmando que
"O juiz deve suprir, de ofício, a alegação de prescrição em favor do
absolutamente incapaz." (A matéria também foi objeto dos Enunciados 155 e
295). A Lei 11.280/2006 revogou o art. 194 do CO e modificou o art. 219, § 5º
do CPC para constar que "O juiz pronunciará, de ofício, a
prescrição". Consolidou-se a posição de que a prescrição deveria ser
pronunciada ex officio. A Lei 13.105/2015 (novo CPC) trouxe redação que pode
trazer margem para dúvida, suscitando novamente conflitos já vivenciados na
jurisprudência. O art. 332 no novo CPC dispõe que o juiz "julgará
liminarmente improcedente" o pedido formulado na inicial em determinadas
hipóteses previstas nos respectivos incisos. No entanto, relegou
topograficamente as hipóteses de prescrição e decadência para o § 1º e afirmou
que o juiz "poderá" julgar liminarmente improcedente em tais casos
("§ 1º O juiz também poderá julgar liminarmente improcedente o pedido se
verificar, desde logo, a ocorrência de decadência ou de prescrição."). A
imprecisão terminológica e o formato adotado pode permitir a compreensão de que
não há dever de julgar liminarmente improcedente o pedido formulado nas
hipóteses de prescrição e decadência.
A
decretação ex officio da prescrição ou da decadência deve ser precedida
de oitiva das partes.
Incorreta
letra “C”.
D) Não é
possível adquirir a propriedade de área menor do que o módulo rural
estabelecido para a região, por meio da usucapião especial rural.
Enunciado
594 da VII Jornada de Direito Civil:
594. É
possível adquirir a propriedade de área menor do que o módulo rural
estabelecido para a região, por meio da usucapião especial rural.
Justificativa
A usucapião especial é modalidade de aquisição
originária da propriedade, surgida no mundo jurídico para valorizar a fixação
do homem no campo. Daí porque é exigido que a pessoa tenha sua moradia no local
e lá execute trabalho produtivo. De outro lado, a CF e o CC não fixaram um patamar
mínimo para a área passível de usucapião. Exige-se, apenas, que a área não pode
ser superior a 50 hectares. Em face da anomia, os tribunais vinham entendendo
que tal área não poderia ser inferior ao módulo rural da região a que pertence,
como exigido pelo art. 65 do Estatuto da Terra. Sob tal matiz, foram editados
os Enunciados 308 e 313, pelo CFJ (4ª Jornada). Entretanto, diferentes teses
doutrinárias seguiam em direção oposta. Demais disso, algumas decisões passaram
a absorver essa tendência, como a exarada pela Corregedoria-Geral da Justiça de
São Paulo (Processo CG n. 2010/00120171) e algumas proferidas pelo TJSP
(Apelação n. 990.10.243.7647, Rel. Des. Francisco Eduardo Loureiro e AC 297.150
4/100, da 1ª. C. de D. Privado, Rel. Des. De Santi Ribeiro, 02/09/2008).
Recentemente, decisão da 4ª Turma do STJ, colocando termo às controvérsias,
fixou entendimento no sentido de que é possível a aquisição da propriedade,
mediante a usucapião especial, de área menor do que o módulo rural estabelecido
para a região, considerando que ele atua como instrumento voltado,
primordialmente, para a função social. Por tal, incentiva a produtividade da
terra e protege aqueles que a ocupam. Demais disso, consideraram que o 191 da
CF e o art. 1.239 do CC nada determinaram a respeito. Em sendo assim, não cabe
ao intérprete discriminar o que o legislador não discriminou. Não há conflito
entre o enunciado proposto e os enunciados 308 e 313 do CJF, em sua 4ª Jornada.
É
possível adquirir a propriedade de área menor do que o módulo rural
estabelecido para a região, por meio da usucapião especial rural.
Incorreta letra “D”.
E) O
direito ao esquecimento não encontra respaldo legal para sua assecuração por
tutela judicial inibitória.
Enunciado
576 da VII Jornada de Direito Civil:
576. Art.
21. O direito ao esquecimento pode ser assegurado por tutela judicial
inibitória.
Justificativa
Recentemente, o STF entendeu ser inexigível o
assentimento de pessoa biografada relativamente a obras biográficas literárias
ou audiovisuais (ADIn 4815), asseverando que os excessos devem ser coibidos
repressivamente (por meio do direito de resposta, de uma indenização por danos
morais ou pela responsabilização criminal por delito contra a honra). Com isso,
o STF negou o direito ao esquecimento (este reconhecido no Enunciado 531 da VI
Jornada de Direito Civil) quando em confronto com a liberdade de publicar
biografias, mas sem eliminar a possibilidade de seu reconhecimento em outros
casos concretos. É hora, pois, de reafirmar a existência do direito ao esquecimento.
Esta é a posição conciliadora de Gustavo Tepedino (Opinião Doutrinária acerca
da interpretação conforme a Constituição dos arts. 20 e 21 do CO, Organizações
Globo, 15.06.2012, p. 25), ao afirmar que o direito ao esquecimento cede espaço
ao interesse público inerente à publicação de biografias. Sobretudo, mais do
que ser reconhecido, o caso concreto pode exigir que o direito ao esquecimento
seja protegido por uma tutela judicial inibitória, conforme admitiu o STJ em
dois precedentes (REsp 1.334.097/RJ e REsp 1.335.153/RJ). Isso porque a
violação do direito à honra não admite a restitutio in integrum. A compensação
financeira apenas ameniza o abalo moral, e o direito de resposta proporcional
ao agravo sofrido também é incapaz de restaurar o bem jurídico violado, visto
ser impossível restituir o status quo. Como afirma Marinoni, é dever do juiz
encontrar, dentro de uma moldura, a técnica processual idônea à proteção do
direito material, de modo a assegurar o direito fundamental a uma tutela jurisdicional
efetiva (art. 5º, XXXV, CF/88). Disso se conclui que não se pode sonegar a
tutela judicial inibitória para resguardar direitos dessa natureza, pois
nenhuma outra é capaz de assegurá-los de maneira tão eficiente.
O direito
ao esquecimento encontra respaldo legal para sua assecuração por tutela
judicial inibitória.
Incorreta
letra “E”.
Resposta: B
Gabarito do Professor letra B.