SóProvas


ID
2298970
Banca
IBADE
Órgão
Câmara de Santa Maria Madalena - RJ
Ano
2016
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

As boas almas

  Quase todas as manhãs vejo o senhor que sobe a última quadra da rua das Palmeiras com um saquinho de supermercado na mão e para na praça Marechal. É recebido por uma revoada rasante de pombos, cuja euforia alada logo atrai outros, mais de uma centena, e o senhor murmura “calma, calma”, enquanto enfia a mão no saco plástico e atira no chão de terra do playground punhados de farelos de pão e de milho misturados, até esgotar o saco, que sacode de cabeça para baixo sobre as cabeças e bicos atarefados. Observa a cena por algum tempo, com ar satisfeito, depois volta para casa.

  Os bichos da rua têm muitos amigos na cidade enorme. Perto dali, no Parque de Água Branca, ou mais longe, no Parque do Piqueri, ou no Centro, na Praça Ramos, senhoras suaves levam iscas para os gatos, que as rodeiam com miados de boa tarde e obrigado, oh, muito obrigado. Talvez isso os torne meio relapsos na caça aos ratos, mas nem adianta dizê-lo à aposentada dona Lourdes, no Piqueri, pois nada mudaria sua rotina de juntar restos de cozinha e caminhas de açougue, cozinhar com um pouco de tempero, “só para dar um gostinho”, e promover o vesperal banquete.

  Os cães vadios não se organizam em comunidades, como os gatos. Batem perna pelas calçadas até encontrar um catador de papel ou um m orador de rua precisado de companhia. Reconhecem-se num só olhar. Aquecem um ao outro no inverno, um morno abraço de carentes. De dia o cão come da comida que o homem arruma, de noite retribui rosnando contra invasores. Em caso de escassez de alimentos, a preferência é sempre do cão. Ao cuidar dele, o homem compensa o seu próprio abandono, torna-se um provedor, responsável por alguém mais necessitado e desamparado. Poder dar é a sua riqueza naquele momento. Mais do que riqueza: é a recuperação da sua humanidade.

  Se um desses cães sem dono de pelo em embaçado encosta em um portão, acaba encontrando alguém que lhe chega uns restos, e vai ficando por ali, e seu pelo com o tempo brilha agradecido, e ele se torna valente guardião daquela porta. Cães não gostam de ficar devendo obrigação.  

  Peixes e marrecos engordam nos lagos dos parques públicos, mimados pelos visitantes. No zoo é preciso coibir a compulsão dos alimentadores. No Simba Safári, macacos fazem piquenique sobre os carros. Há quem plante pitangueira no quintal, ou goiabeira, só para farra de passarinhos. Até pardais encontram quireras de afeto. A cidade é o grande albergue das espécies vagabundas.

  Numa destas manhãs em que me senti desocupado como esses bichos, segui o senhor dos pombos até a praça. Eles já o conheciam bem, talvez o esperassem. Apreciei os gestos cada vez mais largos com que ele procurava atirar o farelo para os pombos mais afastados, a fim de evitar disputas. Onde não há para todos, sabe-se, a civilidade desaparece. Falei com ele, naquele momento final em que apenas parecia apreciá-los, sorrindo da sua voracidade, e fiquei surpreso ao ouvi-lo dizer que não gostava de pombos.

  - Tenho horror da sujeira que fazem nos beirais dos prédios, nas calçadas.

  - Por que dá comida para eles, então?

 - Não é pela comida. Ponho anticoncepcional no farelo para ver se desaparecem aos poucos.

Ivan Angelo. Acontece na cidade. São Paulo: Ática, 2005.p.69-70 

Assinale a função sintática que exerce o termo destacado em: “o homem compensa o seu próprio abandono, torna-se UM PROVEDOR”.

Alternativas
Comentários
  • Predicativo do sujeito é o termo da oração que complementa e caracteriza o sujeito, atribuindo-lhe uma qualidade. Aparece apenas com o predicado nominal, juntamente com um verbo de ligação.

     

     “o homem compensa o seu próprio abandono, torna-se UM PROVEDOR”.

                                                                                            (predicativo do sujeito)

     

    gaba  E

     

  • Fiquei na dúvida entre A e E, mas como tenho preconceito em marcar A logo de cara, acertei marcando E.

  • Rafael Farias, a alternativa ''A'' ja seria loco descartada com a análise do verbo ''tornar-se'' que é um verbo de ligação. No estudo da SINTAXE verbos de ligações trabalham SEMPRE em conjunto com predicativos do sujeito.

     

    Corrijam-me caso tenha algum erro.

    Espero ter ajudado.

     

    Abs. FUTURO PC.

  • após o verbo de ligação vem o predicativo do sujeito - INDICANDO ESTADO OU QUALIDADE DO SUJEITO

  • função nominal, logo ficaria com as opções B e E 

  • Vamos analisar a frase: 

    O homem torna-se um provedor.

    O sujeito é um homem. O verbo tornar-se é um verbo de ligação. Um provedor é a característica do homem. Neste caso, um provedor funciona como predicativo do sujeito. Gabarito: letra E.

    Apesar disso, eu enxerguei na frase uma possibilidade de análise diferente. Enviei para a Academia Brasileira de Letras (ABL) um e-mail no dia de hoje (21/04/18) e obtive uma resposta. Eis o e-mail e a resposta da Academia:

    PERGUNTA: Na oração "O homem torna-se um provedor", o verbo "tornar-se" é de ligação e "um provedor" é o predicativo do sujeito. Não obstante, eu posso interpretar o verbo "tornar" como um verbo de ação, a partícula SE como pronome reflexivo (portanto, objeto direto) e o termo "um provedor" como predicativo do objeto direto? Essa segunda análise é possível?

    RESPOSTA: "Prezado Tiago: haveria possibilidade. Celso Pedro Luft, em seu Dicionário prático de regência verbal, classifica o verbo "tornar", com a acepção de '(fazer) vir a ser; (fazer) ficar' como  TDp Pred, dando o seguinte exemplo: "Com uma lingugem simples e precisa, as explicações se tornam claras". Entretanto, preferimos a análise do Professor Celso Cunha, que o classifica como de ligação, indicando mudança de estado: "Receava que eu me tornasse ingrato" (A. Abelaira)".

    Note que a ABL dá preferência para a análise que considera o termo "um provedor" como predicativo do sujeito, mas não descarta por completo a possibilidade do termo ser visto como predicativo do objeto. A banca do concurso, sabendo dessa dualidade, colocou nas alternativas apenas o termo "predicativo", evitando desse modo possíveis recursos.  

  • GABARITO: LETRA "E" - Tornar-se é verbo de ligação, deste modo, o que o acompanha só pode ser um PREDICATIVO, que no caso, é o do sujeito.

    A) Não se trata de objeto direto, uma vez que tornar-se não é verbo transitivo, e sim um verbo de ligação.

    B) complemento nominal vincula-se à substantivo, adjetivo ou advérbio, o que não se mostra no presente caso, por ser o termo vinculado a um verbo de ligação.

    C) para ser adjunto adverbial o termo em destaque deveria ser um termo preposicionado de caráter acessório dentro da oração, o que não ocorre por inexistir preposição no referido caso.

    D) Torna-se não é verbo transitivo, não exige, portanto, objeto.

  • Na dúvida marca Predicativo kkkkkk