SóProvas


ID
2356816
Banca
IBADE
Órgão
SEJUDH - MT
Ano
2017
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

                                               TE

 De todas as coisas pequenas, estava ali a menor de todas que eu já tinha visto. Não porque ela sofresse dessas severas desnutrições africanas - embora passasse fome-, mas pelo que eu saberia dela depois.

Teria uns 4 anos de idade, estava inteiramente nua e suja, o nariz catarrento, o cabelo desgrenhado numa massa disforme, liso e sujo. Chorava alto, sentada no chão da sala escura. A casa de taipa tinha três cômodos pequenos. Isso que chamei de sala não passava de um espaço de 2 m por 2 m, sem janelas. Apenas a porta, aberta na parte de cima, jogava alguma luz no ambiente de teto baixo e chão batido.

Isso aconteceu na semana passada, num distrito de Sertânia, cidade a 350 km de Recife, no sertão de Pernambuco. A mãe e os outros seis filhos ficaram na porta a nos espreitar, os visitantes estranhos. O marido, carregador de estrume, ganhava R$ 20 por semana, o que somava R$ 80 por mês. Essa a renda do casal analfabeto. Nenhum dos sete filhos frequentava a escola. Não havia água encanada. Compravam a R$ 4 o tambor de 24 litros. 

O choro da menina seguia atrapalhando a conversa.

- Ei, por que você está chorando? perguntei, enfiando a cabeça no vão da porta. A menina não ouviu, largada no chão.

- Ei! Vem cá, eu vou te dar um presente - repeti. Ela olhou para mim pela primeira vez. Mas não se mexeu, ainda chorando.

- Como é o nome dela? - perguntei à mulher.

-A gente chama ela de Te  -disse, banguela.

-Te? Mas qual o nome dela?-insisti.

- A gente chama ela de Te, que ela ainda não foi batizada não.

- Como assim? Ela não tem nome? Não foi registrada no cartório?

- Não, porque eu ainda não fui atrás de fazer.

Te. Olhei de novo para a menina. Era a menor coisa do mundo, uma pessoa sem nome. Um nada. “Te” era antes da sílaba - era apenas um fonema, um murmúrio, um gemido. Entendi o choro, o soluço, o grito ininterrupto no meio da sala. A falta de nome impressionava mais do que a falta de todo o resto.

Te chorava de uma dor, de uma falta avassaladora. Só podia ser. Chorava de solidão, dessa solidão dos abandonados, dos que não contam para nada, dos que mal existem. Ela era o resultado concreto das políticas civilizadas (as econômicas, as sociais) e de todo o nosso comportamento animal: o de ir fazendo sexo e filhos como os bichos egoístas que somos, enfim.

Era como se aquele agrupamento humano (uma família?) vivesse num estágio qualquer pré- linguagem, em que nomear as coisas e as pessoas pouco importava. Rousseau diz que o homem pré-histórico não precisava falar para se alimentar. Não foi por causa da comida que surgiu a linguagem. “O fruto não desaparece de nossas mãos”, explica. Por isso não era necessário denominá-lo.

As primeiras palavras foram pronunciadas para exprimir o que não vemos, os sentimentos, as paixões, o amor, o ódio, a raiva, a comiseração. “Só chamamos as coisas por seus verdadeiros nomes quando as vemos em suas formas verdadeiras.” Só quando Te viu a coisa na minha mão se calou.

- Ei, Te, olha o que eu tenho para te dar!

Ela virou-se na minha direção. Fez-se um silêncio na sala. Era uma bala enrolada num papel verde, com letras vermelhas. Então ela se levantou, veio até a porta e pegou o doce, voltou para o mesmo lugar e recomeçou seu lamento.

Nem a bala serviu de consolo. Era tudo amargura. Só restava chorar, chorar e chorar por essa morte em vida, por essa falta de nome, essa desolação.

FELINTO, Marilene. Te. Folha de S. Paulo, São Paulo, 30 jan. 2001. Brasil, Cotidiano, p. C2.


Com base no sentido das classes gramaticais empregadas no período “As primeiras palavras foram pronunciadas para exprimir o que não vemos, os sentimentos, as paixões, o amor, o ódio, a raiva, a comiseração.”, é correto afirmar que o(a):

Alternativas
Comentários
  • Gabarito: D

     

    Finalidade

    As orações subordinadas adverbiais finais indicam a intenção, a finalidade daquilo que se declara na oração principal.

    Principal conjunção subordinativa final: A FIM DE QUE

    Outras conjunções finais: que, porque (= para que) e a locução conjuntiva para que.

    Por Exemplo:

    Aproximei-me dela a fim de que ficássemos amigos.
    Felipe abriu a porta do carro para que sua namorada entrasse.

    Site: Só português

  • FINAIS: PARA QUE, A FIM DE QUE, PORQUE, COM FIM QUE

  • GABARITO D

     

    As orações subordinadas adverbiais finais indicam a intenção, a finalidade daquilo que se declara na oração principal.

    Principal conjunção subordinativa final: A FIM DE QUE

    Outras conjunções finais: que, porque (= para que) e a locução conjuntiva para que.

     

    Por Exemplo:

    Aproximei-me dela a fim de que ficássemos amigos.
    Felipe abriu a porta do carro para que sua namorada entrasse

     

    Fonte: https://www.soportugues.com.br/secoes/sint/sint43.php

  • Para + verbo no infinitivo (para exprimir, para aquecer, para vender. etc.) = oração subordinada adverbial final, portanto pode ser substituido por todos os seus conectivos (ex: para que, a fim de que, que(=para que), porque (=para que).

  • Alguém pode explicar a letra B?

  • O erro da B está em afirmar que todos os vocábulos O atribuem valor definido ao termo a que se referem, quando na verdade o primeiro O é um pronome demonstrativo e pode ser trocado por aquilo.

    “As primeiras palavras foram pronunciadas para exprimir aquilo que não vemos, os sentimentos, as paixões, o amor, o ódio, a raiva, a comiseração.”

    GABARITO. D

  • Acredito que "o " em uma das ocorrências seja pronome demostrativo, podendo ser substituído por "aquilo"

    para exprimir o que não vemos...

    Por isso a letra B está incorreta.

  • Letra B - embora esteja usando um artigo definido, não está especificando os elementos, apenas referenciando-os de forma genérica, ou seja, não se trata de um sentimento específico de alguém, mas do sentimento em geral.